Ady Ferrer, Letícia Oliveira de Souza e Paola Costa
Especial para o Congresso em Foco
Um banco que não é banco. Oferece uma garantia que não é garantia para um negócio milionário de intermediação de aquisição de vacinas para o Ministério da Saúde por uma empresa que não tem as vacinas que oferece. O banco tem um suposto dono, que nega a propriedade da empresa.
FIB Bank assinou garantia de R$ 80,7 milhões para assegurar o contrato da Precisa Medicamentos com o Ministério da Saúde para a compra da vacina CovaxinBharat Biotech
Documentos vazados pela célula Etersec do Anonymous mostram que o FIB Bank emitiu cartas de fiança para empresas de Tolentino, de seus sócios e familiares. Se o advogado não é o dono do banco que não é banco, o banco que não é banco tem uma inegável ligação com o advogado.
Relembre a história
Em depoimento à CPI, o presidente do FIB Bank, Roberto Júnior, negou que Tolentino seja sócio oculto da empresaPedro França/Ag. Senado
A Covaxin é fabricada pela Bharat Biotech, empresa indiana com base no Vale do Genoma, região conhecida internacionalmente por abrigar um cluster de empresas da área da biotecnologia. Além de vacinas contra a covid-19, a Bharat fabrica imunizantes contra o rotavírus e vem desenvolvendo vacinas contra chikungunya, zika e malária.
Investigado pela CPI, Ricardo Barros é amigo de TolentinoJefferson Rudy/Ag. Senado
Antes mesmo da resolução, portanto, a Precisa já tinha o contrato para vender os imunizantes ao ministério. A Precisa já era uma velha conhecida da pasta de Saúde. Desde 2019, tinha um contrato milionário para fornecer preservativos femininos de látex. Até maio de 2021, a Precisa já tinha recebido mais de R$ 96 milhões via Ministério da Saúde por esse contrato.
A empresa já esteve em foco de outro escândalo durante a pandemia: a Operação Falso Negativo deflagrada em julho de 2020, que acusa ex-gestores da Secretaria de Saúde do Distrito Federal de fraudes em quatro contratos para aquisição de testes de covid-19. As investigações apontaram beneficiamento de empresas pré-selecionadas para o fornecimento, danos milionários ao erário pelo superfaturamento, além de prazos inexequíveis para apresentação das propostas.
Já no caso do contrato das vacinas contra a covid-19, a CPI descobriu falsificações em documentos apresentados pela Precisa, com a inclusão de uma terceira empresa sediada em paraíso fiscal, a Madison Biotech. O contrato também foi financiado por um banco que não é banco e previa 20 milhões de doses, totalizando R$ 1,6 bilhão.
O FIB Bank atua como fundo garantidor de crédito e foi fundado em 20 de novembro de 2015. A instituição afiançou a Precisa em seus dois contratos com o Ministério da Saúde: tanto para a compra de preservativos femininos quanto para as vacinas Covaxin.
Quem é o dono?
A CPI da Covid suspeita que a constituição do FIB Bank foi feita em nome de laranjas e que o verdadeiro dono seja Marcos Tolentino da Silva, advogado amigo do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). O contrato de preservativos femininos foi firmado quando Barros era ministro da Saúde, no governo de Michel Temer.
Enquanto as investigações da CPI foram se tornando públicas, o site do FIB Bank foi invadido por um grupo de hackers.
A Etersec, ligada ao Anonymous, invadiu o site do FIB Bank e obteve várias informações Reprodução
Os hackers tornaram disponíveis mais de 400 documentos na internet. A reportagem analisou esses documentos. E eles mostram aquilo que Tolentino nega: uma grande ligação do advogado, seus familiares e amigos com o FIB Bank.
O FIB Bank
A instituição foi fundada por duas empresas: MB Guassu e Pico do Juazeiro. Os sócios da MB Guassu, Francisco e Sebastião Lima, morreram em 2020. Segundo o vice-presidente da CPI da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), houve movimentação financeira junto ao FIB Bank após a morte de ambos, fato constatado por quebra de sigilo bancário. O outro sócio da Pico do Juazeiro é Ricardo Benetti e sua empresa B2T Prestação de Serviços Ltda.
Simone Tebet e Renan: senadora apontou para o relator inconsistências no depoimento de TolentinoEdilson Rodrigues/Ag. Senado
Durante seu depoimento à CPI, o presidente do FIB Bank, Roberto Pereira Júnior, negou que Tolentino seja sócio oculto da instituição, mas admitiu a existência de uma procuração para atuar em nome da instituição. Mas as coincidências não param por aí.
Família Tolentino & Benetti
Marcos Tolentino da Silva é dono oficialmente de 11 empresas, sendo presidente, representante e diretor de mais outras dezenas, a maioria delas parte do grupo Benetti. O próprio Marcos Tolentino tem uma carta de fiança emitida pelo FIB Bank em seu nome, em um processo trabalhista. As digitais de suas empresas, de familiares e de amigos aparecem com frequência.
O grupo Benetti é um guarda-chuva que abarca desde redes de televisão à massa falida da empresa de chocolates Pan. Em seu depoimento à CPI, em 14 de setembro de 2021, Tolentino afirmou que ele e Ederson Benetti foram sócios desde 1999. Após a morte de Ederson, algumas de suas empresas foram passadas para o nome de Marcos Tolentino. Outras foram para o nome de Ricardo Benetti.
É conhecimento da CPI, no entanto, que Marcos Tolentino tem procuração com plenos poderes para atuar em nome das empresas do filho de Ederson Benetti.
Ricardo Benetti Reprodução/Instagram
E quem afiança muitas vezes as empresas do grupo Benetti? O FIB Bank. O grupo Benetti é afiançado em 18 cartas que aparecem no arquivo extraído pelos hackers, a maioria delas para órgãos públicos.
A Benetti Invest Participação e Intermediação LTDA utilizou o FIB Bank para afiançar dois processos de dívidas de Imposto Sobre Serviço com a Prefeitura Municipal de São Paulo, em 2017. A carta assegura R$ 742 mil. Veja reprodução da carta:
A Benetti Prestadora de Serviços e Incorporadora Ltda. também usou a instituição financeira para quitar dívidas em São Paulo, capital, e nas cidades paulistas de São Caetano do Sul e União Federal. Essa última, somando mais de R$ 23 milhões, foi emitida em 21 de junho deste ano. A Fazenda Nacional chegou a informar ao Sistema de Justiça do Distrito Federal (SJDF) que a carta fiança não atendia aos requisitos exigidos, não podendo ser aceita como instrumento de garantia dos débitos. Contudo, acabou sendo aceita. Veja o documento:
A BAA – Benetti Consultoria e Participações pagou suas dívidas com a Distribuidora de Medicamentos Santa Cruz Ltda. Em 3 de junho de 2021, a carta fiança apresentada foi desconsiderada “porque não foi emitida por instituição financeira reconhecida pelo Banco Central do Brasil, nem seguro-garantia, porque a empresa FIB-BANK não detém licença de operação junto à Superintendência de Seguros Privados”.
Já a B2T Prestação de Serviços pagou débitos de quatro créditos de dívida ativa com o Ministério da Fazenda usando o FIB Bank, no ano de 2017. O processo teve baixa definitiva em 22 de junho de 2021.
Diretor, endereço e telefone em comum
A ligação das empresas Benetti com o FIB Bank é ainda maior: o diretor comercial da Benetti Consultoria Empresarial, Wagner Potenza, já foi diretor do FIB Bank entre 2016 e 2018. Potenza assinou diversas cartas fianças beneficiando o grupo Benetti nesse período.
O telefone do FIB Bank é o mesmo do escritório de Ricardo Benetti. A MB Guassu está localizada no mesmo prédio e andar que a Tolentino Sociedade de Advogados e Benetti & Associados.
A Chocolates Pan, adquirida por Marcos Tolentino em 2016, também aparece nas cartas. São 14, sendo 12 delas relativas ao pagamento de dívidas públicas. Para o estado de São Paulo foram duas cartas, chegando a mais de R$ 10 milhões. Para as prefeituras, são sete cartas para cidades do interior de São Paulo, nos anos de 2017, 2018 e 2020.
Ligações com a mãe e a sogra
A sogra de Tolentino, Gloria Aparecida Navarro Alvarenga, é sócia-administradora da Paz Administradora de Ativos Ltda, empresa que foi investigada pela Operação Ararath.
Segundo as investigações, a Paz e a Benetti Prestadora de Serviços receberam R$ 3 milhões de empresas que faziam parte de um esquema com “banco clandestino”. De acordo com a acusação, esse “banco clandestino” fazia operações financeiras de forma ilegal e também recebia dinheiro de desvio de recursos publicos. Tolentino fechou acordo de delação em 2018. Segundo uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo, a Paz também adquiriu um helicóptero da empresa Bel Hel, do deputado Celso Russomanno (Republicanos-SP).
O FIB Bank foi usado como carta de fiança para dois processos de atraso de pagamento de honorários advocatícios.
A mãe de Marcos Tolentino, Valdete Vieira Tolentino, é sócia de outra empresa investigada na CPI da Covid: Brasil Space Air Log.
Durante o depoimento de Roberto Pereira Júnior, o senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que foram feitas 19 transferências bancárias do FIB Bank para a empresa de Valdete, entre junho de 2020 e maio de 2021. O valor chega a quase R$ 2 milhões. A CPI também apurou que a Brasil Space Air, a Rede Brasil de Televisão (empresa de Marcos Tolentino), Pico do Juazeiro e o grupo Benetti têm contas na mesma agência em São Paulo.
A empresa usou o FIB Bank para afiançar um débito oriundo de crédito de IPVA de mais de R$ 63 mil para o estado de São Paulo, em 2019, como mostra o documento abaixo:
Em sua maioria, as cartas de fianças expedidas pelo FIB Bank para as empresas de Marcos Tolentino são para o poder público, em processos sobre dívidas de impostos.
O Congresso em Foco procurou Toletino e os demais citados nesta reportagem, mas, até o momento, não obteve resposta. O espaço segue aberto para os devidos esclarecimentos que queiram prestar.
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