Política Manoel de Barros

Uma poesia de Manoel de Barros, com seu olhar generoso sobre as miudezas

Por ICL Notícias

27/02/2024 às 11:30:37 - Atualizado há
Foto: Reprodução internet

Nesta seção, o portal ICL Notícias vai resgatar textos, imagens e sons que façam o leitor dar uma pausa na marcha imediata e angustiante dos fatos, para refletir com autores geniais, tanto do Brasil quanto de outros países.

Hoje, publicamos uma poesia do delicado Manoel de Barros, com sua visão generosa sobre a miudezas do mundo. O texto faz parte da obra lançada em 1996 e relançada depois pela editora Alfaguara, "Livro sobre o nada", mesmo título da poesia.

O LIVRO SOBRE O NADA

É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem pra pescar.
Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras nem horizontes.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.
Eu queria ser lido pelas pedras.
As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por pudor sou impuro.
O branco me corrompe.
Não gosto de palavra acostumada.
A minha diferença é sempre menos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.

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"Manoel de Barros foi um poeta mato-grossense, nascido em 19 de dezembro de 1916, na cidade de Cuiabá. Após receber uma fazenda do pai, como herança, se tornou fazendeiro no Pantanal. Mas, antes, morou no Rio de Janeiro, onde fez faculdade de Direito. A fama como escritor chegou tarde, nos anos 1980.

O autor morreu em 13 de novembro de 2014, em Campo Grande. E deixou livros apreciados tanto pelo leitor comum quanto pela crítica acadêmica. Em vida, o poeta também recebeu prêmios literários, como o Jabuti. Suas obras apresentam neologismos, fragmentação e traços autobiográficos." (Fonte: Brasil Escola)

Fonte: ICL Notícias
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