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Candidatos equatorianos representam grupos de interesse maiores do que eles, pontuam pesquisadores

Por Brasil de Fato

11/10/2023 às 09:43:27 - Atualizado há

Os equatorianos vão às urnas no próximo domingo (15) para escolher quem vai presidir o país até 2025, no segundo turno de uma eleição que foi antecipada pelo atual presidente, Guillermo Lasso, acusado de corrupção.

Os dois candidatos na disputa, Luisa González e Daniel Noboa, representam projetos político-econômicos significativos para a sociedade equatoriana, como destaca o acadêmico equatoriano Manuel Balda, diretor do programa de Ciências Políticas da Universidade de Guaiaquil, cidade do Equador.

"Estamos falando de títeres, porque ambos representam grupos de poder importantes, com interesses específicos", ressalta Balda.

González, de 45 anos, é representante da Revolução Cidadã, o grupo político personificado pelo ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), que hoje vive fora do país por conta de denúncias de corrupção definidas por seu grupo político como injustas, que configurariam como perseguição política. Advogada e única mulher na corrida presidencial, ela trabalhou com Correa quando ele governou o país.

Já Noboa, de 35 anos, é filho de dois políticos conhecidos no Equador: Alvaro Noboa, um dos homens mais ricos do país e candidato presidencial em várias ocasiões — perdeu inclusive para Rafael Correa —; e Anabella Azín, médica e deputada. Já foi deputado, mas seu currículo se destaca principalmente pelos diplomas acadêmicos de administração em universidades dos Estados Unidos. Define-se como um político de centro-esquerda, mas propõe prioridades típicas dos liberais de direita, como contas públicas ordenadas e responsabilidade fiscal.

De colete à prova de balas, Noboa participa de ato de campanha em Guaiaquil, sede do grupo econômico de seu pai / Gerardo MENOSCAL / AFP - 9/10/2023

Noboa, diz o pesquisador, representa uma elite econômica da agroindústria equatoriana, um grupo bananeiro internacional que só quer usar o Estado para atender seus interesses. "Não se trata de ser bom ou mal, ter ou não experiência. Creio que no ano e meio que teria seu governo, apenas um assunto realmente importaria: o grupo Noboa, do qual 'papai' é presidente, tem uma dívida com o Estado em impostos. Se eu fosse empresário, ia querer limpar essa dívida. Esse deve ser o objetivo estratégico."

Na avaliação de Manuel Balda, antecedentes mostram que esse tipo de articulação em prol de interesses privados é viável. Guillermo Lasso e o ex-presidente Lenín Moreno (2017-2021) perdoaram dívidas de grandes devedores, num total de 4 bilhões de dólares. No caso do atual presidente, inclusive, o perdão teria sido concedido "com o silêncio do correísmo", ou seja, o grupo político de Correa.

Luisa González, analisa Balda, foi escolhida candidata por reunir certas capacidades, entre elas a lealdade ao grupo, e terá como objetivo estratégico limpar a barra de Correa na Justiça para ele poder retornar ao país e ser candidato na próxima eleição, percorrendo assim trajetória semelhante à de Luiz Inácio Lula da Silva. "Correa se vê no espelho de Lula. É um ex-líder político importante que foi judicializado e impedido de seguir no poder por julgamentos que contêm muitas coisas discutíveis, para dizer o mínimo. É um caso de lawfare (perseguição política por meio de mecanismos judiciais), afirma. O ex-presidente enfrenta cerca de 30 processos, sendo que está condenado em última instância em dois deles.

O acadêmico acredita que essa prioridade em "limpar o caminho" para a volta de Correa, caso sua candidata vença, causaria instabilidade política em 2024. "Ocuparia muito tempo e esforço de um eventual governo Luísa. Implicaria intromissão na Justiça, na promotoria. A independência e a separação de funções seria muito questionada. Em termos de democracia, não é algo positivo", opina, mesmo compreendendo que, se Correa foi perseguido e condenado de modo discutível, é natural que tente usar todos os recursos disponíveis para se ver livre dos processos e condenações que o afetam.

Noboa, símbolo do atraso

Comparar os dois candidatos é "absolutamente equivocado", contesta a socióloga equatoriana Erika Silva.

Para ela, Noboa se liga à oligarquia mais tradicional da burguesia, o setor mais atrasado da classe dominante equatoriana. "Além das dívidas tributárias, ele deve a múltiplos atores sociais, não paga obrigações patronais, explora seus próprios trabalhadores. Obviamente, vão defender seus interesses e fazer o possível e o impossível para o Estado adotar essas práticas como parte de suas políticas públicas". Segundo a socióloga, Noboa está pleiteando uma consulta popular caso vença a eleição. "Ele diz que será sobre segurança, mas eu desconfio que vai tentar reformar a Constituição para revogar direitos dos trabalhadores."

González, na visão de Erika Silva, é "parte de um projeto político claro, da Revolução Cidadã, que já se cristalizou e teve êxito, que já governou o país por dez anos". Sobre a candidata ter declarado que Correa será seu principal assessor, a socióloga entende que não há motivo para esconder isso. Afinal, a candidata será a "continuação" dessa trajetória política, caso seja eleita.

Os debates e seus efeitos

Houve dois debates entre Luisa González e Daniel Noboa. Existe praticamente consenso, mesmo entre apoiadores da candidata correísta, de que ela foi mal no primeiro. Mas no segundo, recuperou parte do terreno perdido com um desempenho melhor. A divergência maior surge na hora de avaliar qual o efeito disso nas percepções e preferências do eleitorado.

Erika Silva considera que Noboa foi o "grande perdedor" do segundo debate e que os votos dos indecisos migraram para González, mesmo que as pesquisas ainda indiquem vantagem do seu adversário.

Manuel Balda acha que González foi muito melhor no segundo debate, com mais espontaneidade e perguntas melhores. No entanto, entende que a vitória foi sobre ela mesma, quer dizer, sobre sua versão do primeiro debate, quando foi um "desastre" e ficou atada a um media training que a fazia repetir o bordão de que o correísmo já fez muito pelo Equador e voltará a fazer. "Luisa ganhou por 1 a 0, com gol contra", define, numa metáfora futebolística.

Apesar dessa evolução da candidata, o acadêmico acha que o debate foi tão monótono, sem nenhum momento memorável que permaneça na lembrança das pessoas pelas semanas seguintes, que, de maneira geral, quem assistiu não deve ter se sentido tentado a votar em ninguém. "Os debates não têm grande capacidade de mobilização de votos", afirma. "Quem viu é gente interessada em política, que já sabe em quem vai votar."

Balda, que não acredita nas pesquisas "porque se converteram em agências mercantis", nem na imprensa, que "está majoritariamente com Noboa porque segue encarnando o anticorreísmo", acredita que a tendência mais confiável para se antecipar um possível resultado é a votação do primeiro turno.

Sua conta é a seguinte: além dos 25% que já conquistou, Noboa deve herdar os 15% de Fernando Villavicencio — candidato assassinado durante a campanha, símbolo maior do anticorreísmo. "Então, ele parte de 40% sem se despentear, sem fazer nenhuma aliança", aponta. Balda acredita que ele deve herdar também metade dos votos de Jan Topic, já que Noboa assumiu suas propostas para combater a violência, e cerca de metade de Otto Sonnenholzner, o que lhe faria chegar a algo em torno de 50% a 55%.

No caso de González, ele acredita que seu teto seja na faixa de 40% a 45%. Ou seja, os 30% do primeiro do turno, "voto duro da Revolução Cidadã que ela não perde nem se Jesus Cristo for candidato", mais algumas pequenas porcentagens de outros candidatos. "O problema da Luísa é que ela não tem para onde crescer. É bem complicado de ganhar, a não ser que seus estrategistas façam algum tipo de mágica."

Pesquisas recentes

Confiáveis ou não, as pesquisas mais recentes apontam que a vantagem de Noboa pode ter caído desde o primeiro turno. Algumas trazem o candidato com uma vantagem que varia de 3% a 5%, mas outras dão conta de que ele e González podem estar em empate técnico. Apenas como registro, as pesquisas do primeiro turno indicavam que o provável adversário de Luisa González no segundo turno seria Jan Topic.

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