PolĂ­tica

Pasta de Damares articula frentes pró-bolsonarismo

FamĂ­lia Ă© tema recorrente em falas de Bolsonaro.

Por Notícias Ao Minuto

08/03/2022 às 06:03:08 - Atualizado hĂĄ
Notícias Ao Minuto

O Ministério da Mulher, da FamĂ­lia e dos Direitos Humanos materializa os planos do chefe com articulação polĂ­tica e divulgação de programas federais.

Para especialistas em famĂ­lia, a atuação em Legislativos e Executivos locais tem viés ideológico. Além disso, foca em dividendos eleitorais ao animar segmentos religiosos e alcançar novos pĂșblicos.

"Com a [sugestão de criação da] Secretaria da FamĂ­lia, nós sempre sugerimos –tenho horror de imposição, então é diĂĄlogo, sugestão– uma frente parlamentar em defesa da vida. Em defesa da vida não, porque a minha pauta principal é a famĂ­lia, mas muitas vezes eles [parlamentares] unem com a vida, mas a minha sugestão é da famĂ­lia", diz Angela Gandra Martins, secretĂĄria nacional da FamĂ­lia.

Hoje, são aos menos 19 grupos parlamentares que tratam da defesa da vida –antiaborto, principalmente– e da famĂ­lia, segundo a pasta. A concentração das instalações em 2020 e 2021 mostra a força dessa onda conservadora.

As frentes estão em ao menos cinco estados, como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, e 14 municĂ­pios, entre eles capitais como São Paulo, Recife e Campo Grande, além de haver um grupo de parlamentares latino-americanos.

Nos Executivos, as iniciativas podem ser mais singelas. "Pedimos uma mudança nominal: famĂ­lia e desenvolvimento social, famĂ­lia e assistĂȘncia social, famĂ­lia e educação", diz. "E nós ficamos como um coaching."

Para a secretĂĄria nacional, as famĂ­lias precisam ter uma porta na qual possam bater. A pasta de Damares acompanha 25 pastas, em 2 unidades da Federação e 23 municĂ­pios. O órgão quer mais.

Nas redes sociais, Martins comemora encontros com polĂ­ticos locais cada vez que uma frente ou uma nova pasta é discutida.

As postagens seguem da hashtag "amorpelafamĂ­lia"."

Fez isso, por exemplo, com o governador do Rio de Janeiro, ClĂĄudio Castro (PL), aliado de Bolsonaro. Ela celebrou também promessas de secretarias em IngĂĄ (PB), Boa Esperança (MG) e Rio Claro (SP).

Damares deve ser candidata nas eleições deste ano. No mĂȘs passado, disse que poderia disputar algum cargo em seis estados, mas admitiu sua preferĂȘncia pelo AmapĂĄ, onde pode se lançar ao Senado.

Com frentes e secretarias, a pasta de Damares ganha capilaridade ao usar a mĂĄquina pĂșblica das prefeituras, além de firmar parcerias com ministérios de orçamentos robustos, como Cidadania, Educação e SaĂșde.

O órgão coordena hoje programas como FamĂ­lias Fortes (de prevenção do uso de drogas dos 10 aos 14 anos), Reconecte (para disciplinar o uso de novas tecnologias) e Acolha a Vida (de prevenção de suicĂ­dio e automutilação).

A ideia é sedimentar a famĂ­lia como uma polĂ­tica pĂșblica de Estado, com liberdade e autonomia, sem patrulhamento, diz Martins. Questionada sobre qual o conceito de famĂ­lia do governo para a elaboração de polĂ­ticas pĂșblicas, ela afirma que prefere pensar em vĂ­nculos familiares.

Declarações de Bolsonaro ajudam a delinear esse conceito. "Vamos unir o povo, valorizar a famĂ­lia, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de gĂȘnero, conservando nossos valores", disse Bolsonaro no primeiro dia de governo, na Câmara.

Uma cartilha sobre polĂ­ticas pĂșblicas familiares, da Secretaria Nacional da FamĂ­lia, diz que "o casamento produz efeitos positivos sobre o bem-estar econômico e a saĂșde tanto de adultos quanto das crianças", além de afirmar que a criação de um filho em famĂ­lia formada por um casal reduz a probabilidade de a criança viver na pobreza.

"Para a advogada e vice-presidente do IBDFam (Instituto Brasileiro de Direito de FamĂ­lia), Maria Berenice Dias, a valorização do casamento em detrimento de outras formas de famĂ­lias, como uma mãe solo, é resultado de preconceito.

"A Secretaria da FamĂ­lia é algo que não se justifica mais, é uma tentativa de retrocesso a um modelo convencional, o modelo da sagrada famĂ­lia. E a sagrada famĂ­lia também não era essa bola toda, vamos combinar. Maria casou grĂĄvida, José não era o pai, ele fez uma adoção a brasileira de Jesus, Jesus tinha uma multiparentalidade, porque era filho de José e de Deus. Essa famĂ­lia não serve de modelo para nada, brincadeira afora", afirma.

A retórica de defesa da famĂ­lia e da vida jĂĄ foi usada em campanha eleitoral, abertura de assembleia da ONU e ao lado do premiĂȘ da Hungria, Viktor OrbĂĄn, que persegue LGBTQIA+, quando citou lema de inspiração fascista –"Deus, pĂĄtria, famĂ­lia e liberdade".

Dias critica possĂ­veis impactos eleitorais das frentes. "Bolsonaro fez essa pauta de costumes, que é uma palavra horrĂ­vel, como uma maneira de captar votos. Os parlamentares só apoiam para garantir reeleição. Só isso", diz.
Antropóloga, pesquisadora do CEM-USP (Centro de Estudos da Metrópole) e professora do programa de pós-graduação em Educação da USP, Jacqueline Moraes Teixeira diz que o ministério, mesmo com baixo orçamento, busca contato direto, sobretudo em cidades pequenas, com a presença de Damares e Martins.

"É possĂ­vel pensar na relação com pequenos municĂ­pios como ampliação do apoio do governo Bolsonaro em regiões em que ele recebeu poucos votos, que estão distantes do interesse direto de Bolsonaro, não são regiões em que ele foi, mas que o ministério prioriza para estabelecer uma relação."

Teixeira, que pesquisa as ações da pasta de Damares, diz que se deve reconhecer que a direita fez da famĂ­lia uma aposta nos direitos humanos. De acordo com ela, é mais palatĂĄvel discuti-los a partir da perspectiva da famĂ­lia do que dos direitos civis, por exemplo. Essa estratégia aproxima da agenda conservadora eleitores que não estão vinculados a ela.

"Essa aposta garantiu um trânsito importante de ideias para Bolsonaro desde a campanha de 2018, e isso de alguma maneira atrelado à dinâmica das moralidades, de uma perseguição à ideia de ideologia de gĂȘnero", afirma.

Aliados da secretĂĄria nacional seguem essa linha. "Para mim, [o conceito de famĂ­lia] é o tradicional, não que eu tenha preconceito", diz a vereadora Nayara Barcelos (PRTB), de Rio Verde (GO).

Coordenadora da frente parlamentar em defesa da vida e da famĂ­lia que contou com a presença de Martins na instalação em 2021, ela se afirma cristã e articula pautas contra pedofilia, gravidez precoce e evasão escolar. Barcelos estimula parcerias com o governo para implementar FamĂ­lias Fortes, Reconecte e Acolha a Vida. Com recursos federais escassos, a cidade arca com os custos das ações.

Nem só prefeituras estão na mira. Criada em 2020, a Secretaria ExtraordinĂĄria da FamĂ­lia do Distrito Federal também busca convĂȘnios com a pasta de Damares. A ideia é aderir ao FamĂ­lias Fortes.

"É aquela visão: uma famĂ­lia saudĂĄvel, uma sociedade saudĂĄvel", diz o secretĂĄrio Martins Machado, deputado distrital licenciado pelo Republicanos e pastor da Igreja Universal.

A ideologia, além de programas federais, também entra no radar. Coordenador da frente da Assembleia do Rio Grande do Sul, o deputado estadual Eric Lins (União Brasil) diz que o grupo foi criado em 2019 para reagir a investidas judiciais e de organizações não governamentais contra prerrogativas da famĂ­lia. Martins também esteve na instalação.

"A gente quer manter a famĂ­lia coesa, segura", afirma Lins, que é evangélico e pré-candidato a deputado federal –segundo ele, a pedido do ministro Onyx Lorenzoni. "Iremos migrar para o PL", diz sobre a ida para a sigla de Bolsonaro.

Fonte: NotĂ­cias Ao Minuto
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