A polêmica em torno da possível implementação do voto impresso no Brasil continua crescendo. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e deputados governistas querem que as eleições de 2022 tenham voto em papel. Um sistema que já é usado em outros países e a ideia do Chefe do Executivo é de tornar o processo eleitoral mais seguro. No entanto, o Brasil usa a urna eletrônica desde 1996. Em 25 anos, foram 11 eleições sem grandes problemas técnicos ou quaisquer acusações de fraudes.
Quem é a favor da medida quer que nas próximas eleições presidenciais, cada urna eletrônica esteja conectada a uma impressora. Com isso, logo que o eleitor confirmar o seu voto, a urna vai imprimir um papelzinho que comprove isso. A pessoa que votou poderia averiguar se o papel está correto e, assim, o item iria ser depositado dentro de um saco previamente lacrado.
O Congresso Nacional estuda até Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para que a mudança seja permanente. Vários deputados foram selecionados para analisar a PEC, que já teve a constitucionalidade aprovada. Agora, é o mérito da proposta que está em análise.
De acordo com o doutor em direito e coordenador do curso na Universidade Positivo, professor Eduardo Faria, a urna eletrônica é segura e constantemente acompanhada por todos os partidos políticos, peritos federais e por uma série de técnicos que entendem de sistema de segurança.
Segundo o especialista, quando o Brasil utilizava o voto impresso, as acusações de fraudes durante as votações, na contagem e no transporte das urnas é constante. "O Brasil deu um salto tecnológico, de qualidade e se posicionou na vanguarda dos processos eleitorais desde 1996, se tornando uma referência mundial", diz.
Eduardo acrescenta que a PEC que tramita no Congresso pode fornecer uma sensação de segurança em um primeiro momento, já que há um registro digital e impresso do voto. Contudo, o advogado alerta para a importância de se conhecer como funcionam os dias de votação e o próprio sistema eleitoral brasileiro.
Para o professor, a partir do momento em que se torna possível ver em quem uma pessoa está votando, há uma possibilidade – em tese – de se controlar a vontade do eleitor. Com isso, o brasileiro não votaria exatamente no candidato que ele considera melhor para ocupar a função pública, mas sim em quem ele fosse obrigado a votar.
A implementação do voto impresso não é algo que agrada ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luis Roberto Barroso, que considera a proposta como um retrocesso. O TSE estima que as mudanças propostas pelo governo custem pelo menos R$2,5 bilhões à Justiça Eleitoral. Além disso, a questões como a quebra de sigilo do voto e o risco de judicialização das eleições são preocupações.
A ideia de quem é a favor da proposta é que, se o resultado das eleições for questionado por algum candidato, os sacos lacrados com os papéis possam ser abertos e os votos usados para uma recontagem manual. O voto impresso também já foi declarado inconstitucional por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em duas ocasiões (2013 e 2020), o que pode resultar em um caminho tortuoso para que a proposta seja aceita no judiciário.
No dia do lançamento de uma campanha do TSE sobre a segurança do voto em maio, Barroso disse considerar que a proposta do voto impresso vai piorar o sistema eleitoral. "Em 2002, foi feita uma tentativa de voto impresso em cerca de 6% das urnas. Não funcionou bem. Houve filas, atrasos, aumento de votos brancos e nulos, emperramento das impressoras. Simplesmente não foi uma boa experiência", afirmou o ministro na ocasião.
Para o professor Eduardo Faria, o risco de judicialização é real já que existem grupos que costumam atuar para tumultuar o processo eleitoral. "O voto eletrônico e impresso podem até ser iguais, mas eu digo que teve uma divergência, ai eu vou ter que abrir o voto que deixa de ser sigiloso", explica. O especialista destaca que é necessário pensar em pessoas que podem agir de má fé para prejudicar o pleito eleitoral.
De acordo com Eduardo, antes de se implementar um novo sistema é preciso levar em conta que o Brasil é um país continental em que as pessoas chegam para votar das mais variadas formas. O especialista ressalta que a questão técnica para implementação é fundamental já que as atuais urnas eletrônicas não são preparadas para receber as impressoras.
Entre as mudanças que a Justiça Eleitoral deve fazer para o voto impresso estão um ajuste de viabilidade com um voto de gravação direta digital e impresso. Em um segundo ponto, o TSE deve verificar se tem orçamento para trocar todas as urnas do Brasil e ainda comprar as impressoras com o objetivo de criar a estrutura para o voto impresso.
O professor Eduardo concorda com a tese de vários especialistas no país de que a implementação do voto impresso para as eleições pode ser inviável. Com mudanças econômicas, técnicas e operacionais complexas de serem realizadas, a Justiça Eleitoral pode não conseguir fazer essa alteração a tempo do próximo processo eleitoral. "Talvez seja difícil de se operacionalizar", destaca.
Na classe política, o presidente Jair Bolsonaro disse que a falta do voto impresso resultaria em uma "convulsão" no Brasil. Para ele, as urnas eletrônicas são vulneráveis a invasões. O presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco (DEM) já afirmou que vê com bons olhos a implementação do voto impresso. Contudo, o parlamentar acredita que isso só deve acontecer caso haja viabilidade técnica e operacional.
Apesar do Supremo Tribunal Federal (STF) já ter considerado o voto impresso inconstitucional, o professor Eduardo considera o atual momento político um pouco diferente no Brasil. Desta vez, a alteração eleitoral pode ser feita por meio da Proposta de Emenda Constitucional que pode introduzir o voto impresso como uma nova norma. Entretanto, o caminho para que a PEC seja aprovada no Congresso Nacional é mais longo.
A PEC precisa ser aprovada duas vezes na Câmara Federal, mais duas no Senado Federal, para depois a Emenda seguir para sanção do presidente Bolsonaro. Entretanto, o professor ressalta que há uma discussão no Poder Judiciário sobre se a PEC pode ou não ser declarada inconstitucional.
O advogado destaca que a tendência é que o STF questione a constitucionalidade do voto impresso. O Supremo é o responsável por garantir que as normas estejam em acordo com a Constituição Brasileira. No entanto, Eduardo ressalta que ainda não é possível prever qual seria a posição do atual tribunal sobre o assunto.