Finalmente surge um filme que merece ser incluído na lista dos melhores do ano: Nimona, a nova animação da Netflix. Com sua estreia no Mês do Orgulho, em meio aos ataques aos direitos LGBTQIAP+ pelo mundo, essa coincidência não é acidental. Adaptado da premiada webcomic de ND Stevenson, é uma obra poderosa e encantadora, que cativa e emociona na medida certa.
Ao desafiar os padrões tradicionais dos contos de fadas, cria um mundo envolvente, onde a ação e o humor abrem espaço para temas profundos e pouco explorados em filmes para toda a família. Uma proposta bastante ousada, diga-se de passagem, que entrega, em cada frame, uma lição sobre como fazer uma história apaixonante sem perder a consistência.
Antes de qualquer coisa, é importante lembrar que a animação foi rejeitada pela Disney por ser considerada "gay demais". Para nossa sorte, a Netflix acerta ao apostar nessa produção, que vai muito além do entretenimento tradicional e, sem dúvida, se torna um marco representativo do cinema animado.
Situado em um reino de fantasia científica, a trama se desenrola em meio a cavaleiros em armaduras brilhantes, carros voadores e canhões de laser. Essa fusão de gêneros oferece um espaço para a criatividade visual, com uma sensibilidade irônica que nos remete ao aclamado Shrek. Além disso, há uma clara crítica política, que questiona a hierarquia e as motivações daqueles que detêm o poder.
A história gira em torno de Ballister Boldheart (Riz Ahmed), um jovem visto como vilão pelos demais, e Nimona (Chloë Grace Moretz), um metamorfo com propensão para o caos. Essa dupla improvável embarca em aventuras divertidas que abalam o reino e desafiam as convenções dos contos de fadas como conhecemos. O filme retrata com maestria as cerimônias midiáticas do reino, que, apesar de visarem demonstrar o progresso e a união, revelam divisões profundas entre os defensores do Instituto, descendentes das linhagens nobres.
Um dos pontos mais marcantes da narrativa é o relacionamento romântico entre Ballister e Ambrosius Goldenloin (Eugene Lee Yang), que é explorado de forma bastante explícita no filme. Lee Yang, por sua vez, traz charme e carisma ao personagem, proporcionando um contraste fascinante com a ansiedade e a introspecção de Ballister, interpretado brilhantemente por Ahmed. O filme retrata a complexidade emocional de Ambrosius, que oscila entre a fachada heroica e seu próprio caos interno.
Ainda no terreno da audácia, Nimona também aborda de maneira direta a questão da transidentidade, um tema que se tornou ainda mais relevante após a autora da webcomic assumir sua identidade trans em 2020. Por meio da relação entre Nimona e Ballister, o filme oferece uma representação emocionalmente sincera e engraçada de como ser um aliado verdadeiro, além de mensagens pontuais sobre respeito, empatia e personalidade. O trabalho de dublagem de Chloë Grace Moretz (O Mau Exemplo de Cameron Post) é absolutamente fascinante, de longe, uma das melhores performances da atriz.
A trilha sonora do filme é cativante e complementa perfeitamente as sequências de ação. A animação, por sua vez, é visualmente um espetáculo, com detalhes minuciosos que enriquecem o mundo distópico e elementos visuais impressionantes, como os olhos brilhantes de Nimona e os cenários coloridos e vibrantes. Junto com Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, são as obras de arte de 2023.
Nimona é uma adaptação brilhante, sincera e cuidadosamente produzida, capaz de tocar profundamente aqueles que carregam medos em seus corações. Com uma narrativa super envolvente, personagens cativantes e uma abordagem sensível dos temas LGBTQIAP+, o filme conquista o raro feito de envolver e inspirar públicos de todas as idades, revelando a capacidade surpreendente da Netflix em nos presentear com obras primorosas quando quer.
Sua trama singela nos recorda da importância de ser autêntico e aceitar o próximo em sua verdadeira essência. Nimona se estabelece como uma obra memorável e relevante, que transmite uma mensagem profunda sobre o poder transformador da aceitação. Finalmente temos uma animação – não restrita ao público adulto – que ressoa e abraça os corações aflitos, deixando uma marca indelével no espectador e nos lembrando da importância vital de abraçarmos a diversidade que existe em nós.