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Jabor foi cronista polêmico e retratou a classe média no cinema

Por Da Redação

16/02/2022 às 06:26:19 - Atualizado há

Arnaldo Jabor nunca fugiu de polêmica. Foi assim no cinema, por exemplo, quando retratou de maneira irônica e satírica as contradições da classe média em filmes como Tudo Bem (1978). Sua atuação como cronista nos jornais impressos e na TV não era diferente. Tanto que, às vezes chegou a ser considerado reacionário por muitos, especialmente a militância da esquerda.

Sua performance, verborrágica e cheia de caras e bocas, com voz bastante enfática, fazia muita gente se perguntar se ali era ele mesmo ou se tratava de um personagem: "É quase uma performance, não apenas opinião. Um cinema de mim mesmo, em que sou ator e diretor", disse no programa Roda Viva, na TV Cultura em 2005.

Jabor morreu ontem, aos 81 anos, devido a complicações de um AVC que sofreu em dezembro do ano passado. Ele estava internado no Hospital Sírio-Libanês desde o dia 17 daquele mês. No início da manhã, a produtora de cinema Suzana Villas Boas, ex-mulher de Jabor e mãe de seu filho João Pedro, escreveu:

"Jabor virou estrela, meu filho perdeu o pai, e o Brasil perdeu um grande brasileiro" numa rede social. O velório será hoje em São Paulo e amanhã haverá outra cerimônia no Museu de Arte Moderna Rio de Janeiro. Em seguida, o corpo será cremado.

Toda Nudez Será Castigada (1973), com Darlene Glória e Paulo Porto: Uma das principais produções de Arnaldo Jabor, o filme é baseado na peça homônima de Nelson Rodrigues e foi censurado pela ditadura. Nele, um viúvo conservador se apaixona por uma prostituta e decide se casar com ela. Recebeu o Urso de Prata no Festival de Berlim e de melhor filme no Festival de Brasília.

Carreira
Embora seu rosto tenha se tornado mais conhecido a partir da década de 1990, quando começou a fazer seus comentários na Globo, Jabor tinha uma expressiva carreira como cineasta iniciada em 1967, com o documentário Opinião Pública, depois que outro cineasta, o amigo Cacá Diegues, o incentivou.

O longa-metragem é um retrato da classe média carioca, com depoimentos de pessoas comuns durante a ditadura militar. Os entrevistados falam sobre temas como juventude, família burguesa, misticismo e política.

Depois, veio seu primeiro longa de ficção, Pindorama, que teve pouca repercussão e fracassou na bilheteria. Foi a partir de Toda Nudez Será Castigada, em 1973, que Jabor ganhou mais projeção. O texto era adaptado da peça de Nelson Rodrigues e tinha Darlene Glória no papel da prostituta Geni, por quem o viúvo Herculano (Paulo Porto) se apaixonava. O filme, uma tragicomédia, fazia críticas à moral burguesa e à hipocrisia da sociedade. A obra deu ao cineasta o Urso de Prata em Berlim.

O sarcasmo e a verve ácida de Nelson Rodrigues conquistaram Jabor, que em 1975 adaptou um romance do dramaturgo: O Casamento. E a polêmica já era marca de Jabor, que mostrava um amor incestuoso de um pai pela filha de 18 anos, que estava prestes a se casar.

Em 1978, veio aquele que o próprio Jabor considerava seu melhor filme: Tudo Bem, com Fernanda Montenegro e Paulo Gracindo. Um elenco coadjuvante era repleto de futuras estrelas, como Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães. O filme mostrava um apartamento de classe média em reforma, enquanto o casamento dos protagonistas passava por uma crise. Os filhos eram marcados pela futilidade: o rapaz era um executivo oportunista e a moça só estava preocupada em arrumar um marido para casar.

Tudo Bem (1978), com Paulo Gracindo e Fernanda Montenegro: A narrativa é ambientada inteiramente num apartamento da classe média alta e trata da ilusão que o suposto Milagre Econômico proporcionava, sugerindo a promessa de uma vida muito melhor. A trama acompanha um casal que, durante a reforma do imóvel, traz à tona segredos e ressentimentos

Eu Te Amo, com Sônia Braga e Paulo César Pereio, alcançou uma marca impressionante na bilheteria e levou mais de 3,4 milhões de brasileiros aos cinemas em 1981. Foi o maior sucesso nacional daquele ano, perdendo apenas para os imbatíveis Trapalhões. A beleza e a sensualidade de Sônia Braga seguramente foram decisivas na boa performance do filme.

Fernanda Torres brilhou em Eu Sei Que Vou Te Amar e ganhou o prêmio de melhor atriz aos 20 anos em Cannes. Mostrava o reencontro de um casal depois de meses de separação, em um longo diálogo. O filme concorreu à Palma de Ouro, repetindo o feito de Pindorama. Jabor só voltaria ao cinema mais de 20 anos depois, com A Suprema Felicidade, que tinha Marco Nanini e Dan Stulbach no elenco. Deixou ainda um filme pronto, Meu Último Desejo, ainda sem data de estreia.

Jornalismo
Mesmo com uma carreira consagrada no cinema, Jabor dizia que não havia enriquecido e revelou seu desejo de voltar a escrever para jornais, o que havia feito antes de se dedicar ao cinema. Passou então pela Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo.

Foi na Folha, em 2001, que escreveu o texto A Bahia Foi o Lugar Ideal Para a África Chegar, em que falava de sua paixão pelo estado.

"Não consigo ir embora da Bahia. Acabaram minhas férias e continuo aqui. Mesmo que eu viaje depois do Carnaval, levarei a Bahia comigo", dizia na abertura.

E seguia: "(...) A Bahia me ajuda a "me" entender. Não sou eu quem olha; a Bahia é que me olha de fora, inteira, sólida, secular, a paisagem me olha e fica patente minha alienação de carioca-paulista, fica evidente meu isolamento diante da vida, eu, essa estranha coisa aflita que está sempre entre um instante e outro, sem nunca ser calmo, inconsciente e feliz como um animal". O texto, que circulava com frequência nas redes sociais, foi resgatado ontem pelos internautas, especialmente os baianos.

Eu Sei que Vou Te Amar, de 1986: O filme, com título inspirado na canção de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, acompanha um casal que tenta descobrir os motivos para o fim do relacionamento, numa espécie de jogo da verdade. Indicado à Palma de Ouro em Cannes, o longa rendeu à Fernanda Torres o prêmio de melhor atriz no festival

Na rádio e na TV, deu declarações às vezes chocantes. A Folha de S. Paulo lembrou que ele disse sentir nostalgia da cadeira elétrica ou da injeção letal, quando comentava o assassinato de um menino de 11 anos. Na Globo, o último comentário foi sobre as possíveis interferências do governo no Enem. O jornalista deixou ainda oito livros de crônicas e assinou com Rita Lee e Roberto de Carvalho a autoria da música Amor e Sexo, baseada em uma coluna de Jabor.

Repercussão
Artistas lamentaram a morte do diretor. Um dos primeiros e mais emocionantes depoimentos foi o de Cacá Diegues, amigo muito próximo de Jabor. "O papel dele na minha vida é muito grande, muito poderoso. A influência não é só pessoal, uma pessoa que eu conhecia desde a adolescência, desde a juventude, mas também uma pessoa que eu respeitava muito, que eu ouvia muito. Jabor é uma pessoa que acompanhou a minha vida toda, e eu acompanhei a vida dele toda, de cabo a rabo. A morte dele é a morte de um pedaço de mim mesmo", disse Cacá na Globonews.

O ator Ary Fontoura, que trabalhou com o cineasta em A Suprema Felicidade, destacou as ideias de Jabor: "Politicamente atuante, um crítico mordaz, inconformado com as mazelas brasileiras. Um diretor de cinema premiado no mundo todo, teve obras ótimas: Toda Nudez Será Castigada, Pindorama. Filmes importantes, livros importantes".

Ator baiano João Miguel está em filme inédito de Jabor
Arnaldo Jabor estava com um filme pronto que já deveria ter chegado aos cinemas, mas teve a estreia adiada por causa da pandemia de covid. O drama Meu Último Desejo, baseado em um conto de Rubem Fonseca, conta a história de um ex-político famoso que enfrenta a solidão em uma cadeira de rodas e se atormenta com lembranças do passado. O homem planeja delatar antigos colegas políticos, envolvidos em um esquema de corrupção, que planejam a sua morte.

No elenco, estão Michel Melamed e o baiano João Miguel, que filmaram em 2019. "Tenho um carinho enorme por ele [Jabor]. Já havia trabalhado com ele em A Suprema Felicidade, em que fazia um pipoqueiro Bené, uma participação pequena, mas muito afetiva", lembra-se João Miguel.

O baiano disse que há uns meses havia recebido uma mensagem do cineasta, elogiando a atuação dele: "Você tá mais que melhor. Agora, consigo ver mais o seu trabalho", escreveu Jabor depois de ver o filme já na ilha de edição.

João guarda ainda uma outra forte lembrança, do último dia de filmagem, quando a equipe ouviu barulhos estranhos. Jabor tomou um susto, ficou confuso. "Era um tiroteio numa favela ali perto. Jabor tomou um susto, ficou meio confuso", lembra o ator. Intuitivamente e com instinto de proteger o diretor, João o abraçou. "Acho que ele ficou confuso, não sabia o que era. Falei 'peraê'. Sempre lembro dele muito vivo, muito 'inteiro', muito carinhoso."

Canal Brasil vai exibir mostra em homenagem a Jabor

Terça-feira (15/02)

23h45 - Cinejornal Especial: Arnaldo Jabor

00h00 - Toda Nudez Será Castigada

Sábado (19/02)

13h55 - Cineastas do Real: Arnaldo Jabor

14h20 - A Opinião Pública

22h00 - Eu Te Amo

23h35 - Eu Sei que Vou Te Amar

Domingo (20/02)

23h55 - Tudo Bem

01h50 - O Casamento

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