Geral BR-158

O minifúndio e o latifúndio na Amazônia

Por Luciana Pombo

30/06/2021 às 17:51:02 - Atualizado há

Os governos militares que se sucederam a partir do golpe de 1964 no Brasil não lacraram o Congresso Nacional, como fez a ditadura chilena, sob o comando unipessoal do general Augusto Pinochet. Mas, além de usar a repressão policial para domar a oposição política, usurparam a função legislativa do parlamento através dos decretos com força de lei.

Através de um desses decretos-lei, talvez o de maior impacto, de número 1.164, publicado no dia cabalístico 1º de abril de 1971, o general Garrastazu Médici declarou “indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais, na região da Amazônia Legal”, as terras devolutas situadas na faixa de 100 quilômetros de largura, em cada lado do eixo de seguintes rodovias, já construídas, em construção ou projeto.

Ou seja: a estrada nem precisava existir ou estar em construção. Já era açambarcada pelo poder central mal fosse lançada no mapa do plano nacional de viação, como aconteceria em 1976, com a inclusão de 650 quilômetros da BR-158, de São Félix do Araguaia, em Mato Grosso, a Altamira, no Pará, antes sequer que ela existisse concretamente. Ela federalizaria a província mineral de Carajás, a mais rica do planeta.

Estendendo-se por 23 mil quilômetros em 13 rodovias federais na região, ou duas vezes a distância entre Brasília e Moscou, a transferência dessa imensa faixa de terras, até então sob a jurisdição de nove das 27 unidades federativas brasileiras, para o domínio da União, representou a maior intervenção fundiária da história da humanidade. O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), do dia para a noite, se tornaria o maior latifundiário do mundo.

A expropriação feita pelo ente federativo mais poderoso (sobretudo numa república unitária, como se fato é o Brasil) sobre os mais fracos, ainda mais em tempo ditatorial, foi fácil. Bastou uma folha e meia de papel para formalizar a violência normativa. Quanto à realização dos planos de colonização e reforma agrária, foi outra coisa. Não por acaso, a sofrida clientela do Incra rebatizou a sigla como “Incravado”. De movimentos vagarosos, incertos e ineficientes.

A democracia revogou o decreto draconiano em 1987, mas não passou a limpo o seu acervo. Desde então, os governos estaduais não se mostram mais competentes do eu o governo federal na gestão desse patrimônio fundiário. Sucessores de um agente de alienação de terras, tem agido mais como mercadores do que planejadores.

Agora mesmo, o governo do Pará divulgou a nova Tabela de Referência do Valor da Terra Nua (VTN) no Estado. Os valores dessa pauta serão aplicados apenas na regularização fundiária onerosa de terras públicas já ocupadas em áreas rurais do Estado.

O VTN para a regularização de áreas não ocupadas, “nas quais se pretenda a implantação de atividades rurais, será fixado com base nos preços praticados no mercado imobiliário rural, conforme laudo de avaliação de profissional habilitado, observados os critérios técnicos estabelecidos nacionalmente.

O preço do imóvel será definido em função de quatro fatores: distância, acesso, ancianidade e dimensão da área. Será adotado como preço de referência inicial o valor mínimo da pauta de valores da terra nua elaborada pelo Incra, mas com redução de 10% a 50%, conforme o tamanho da área.

Quando começou a colonização oficial dirigida na Amazônia, em 1971, o Incra adotou o módulo rural de 100 hectares para o assentamento do colono e sua família. Na tabela do Iterpa (Instituto de Terras do Pará), o maior lote é de 75 hectares, adotado para 39 dos 144 municípios do Estado. Em outros 35, é de 55 hectares. Em 19 municípios, 70 hectares.

O preço mais caro do hectare será de R$ 1,7 mil (menor do que o do Incra e muito abaixo do valor de mercado), em 12 municípios, na área de influência da província mineral de Carajás: Bom Jesus do Tocantins, Brejo Grande do Araguaia, Canaã dos Carajás, Curionópolis, Eldorado dos Carajás, Marabá, Palestina do Pará, Parauapebas, Piçarra, São Domingos do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e São João do Araguaia.

Como o Iterpa pode vender lotes de até 2,5 mil hectares sem precisar de autorização legislativa, o Pará mantém a política oficial do Estado na mesma direção que lhe dá o governo federal: aumentar a distância entre a minifundiarização da pequena agricultura, com seu crescimento bloqueado, e a latifundiarização da grande propriedade rural, ou agronegócio, favorecido por uma terra mais barata.


A imagem que abre este artigo mostra a devastação da Amazônia já nos anos 70 (Foto: Kenji Honda/Acervo AE via Jornal O Movimento/APESP)


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