A Europa enfrenta uma grave crise no setor de gás natural, cujos preços subiram a níveis preocupantes nos últimos meses. E o problema, que tem Alemanha e Rússia como protagonistas, ficou mais longe de uma solução nesta semana, quando o órgão alemão que regulamenta a questão adiou para 2022 a decisão sobre o início das operações do gasoduto Nord Stream 2.
“Espero que o início das operações do Nord Stream 2 possa ser adiado até março de 2022”, disse na quarta-feira (17) uma fonte do governo alemão à agência Reuters, sem se ater aos motivos para postergar o veredito.
O anúncio derruba a esperança de que o gasoduto viesse a funcionar já durante o período crítico do inverno europeu, o que aumentaria a oferta de gás e, possivelmente, ajudaria a controlar o aumento do preço. Com o impasse, o gás ficou 8% mais caro na quarta-feira, surgindo paralelamente o temor de escassez do produto nos meses mais frios do ano.
Na visão do governo russo, o adiamento tem viés político e é um desdobramento do distanciamento diplomático entre Berlim e Moscou. O posicionamento é compartilhado pela OA (Associação Empresarial Alemanha-Leste, da sigla em alemão), uma iniciativa econômica encabeçada pela Alemanha que engloba países do Leste Europeu, da Europa Central, do sul do Cáucaso e da Ásia Central.
Segundo Oliver Hermes, líder do grupo, o adiamento tem impacto tanto econômico quanto ambiental. “Acelerando a transição do carvão para o gás natural nos próximos anos, é possível desbloquear o potencial substancial de redução das emissões de CO2. Nesse aspecto, seria absolutamente contraproducente prejudicar os projetos de infraestrutura mais avançados, como o Nord Stream 2, por motivação política”, disse ele à agência estatal russa Tass.
E a situação ainda pode piorar, segundo alguns analistas. Isso porque, mesmo com a eventual aprovação do órgão regulador alemão, será necessário também o aval da União Europeia (UE). “Estimamos que a certificação só poderá ser concluída por volta de abril do próximo ano, no mínimo, com amplo potencial para uma extensão até agosto de 2022, dada a probabilidade de uma avaliação ainda mais rigorosa na próxima fase de revisão da Comissão Europeia”, disse Zongqiang Luo, analista de mercados de gás da consultora independente Rystad Energy.
O Nord Stream 2 foi projetado para fornecer gás russo diretamente para a Alemanha através do Mar Báltico, contornando a Ucrânia e a Polônia. Apesar da necessidade europeia de ampliar urgentemente a oferta de gás natural em meio à crise do setor, a obra divide opiniões, com os Estados Unidos encabeçando a oposição.
Os críticos sustentam que o novo gasoduto não é compatível com as metas climáticas europeias, acentua a dependência das exportações russas de energia e potencialmente aumentará a influência exercida pelo presidente Vladimir Putin na região. Já a Rússia e Alemanha defendem a iniciativa como “puramente comercial”, uma forma de atender à crescente demanda por gás no continente.
Por sua vez, Yuriy Vitrenko, CEO da Naftogaz, maior empresa ucraniana de petróleo e gás, acusa a russa Gazprom, que lidera o grupo de investidores do Nord Stream 2, de deliberadamente reter o gás que poderia ir para a Europa, além de bloquear o acesso ao sistema de transporte de gás de outras empresas russas. A Ucrânia, em particular, contesta a obra e a trata como uma reprimenda política, porque o gasoduto contorna o país e, assim, tira de Kiev os milhões de euros que fatura anualmente como intermediária do fornecimento.
A Agência Internacional de Energia (IEA, da sigla em inglês) chegou a pedir à Rússia que enviasse mais gás à Europa, de forma a aliviar a escassez do produto, problema que já fez os preços dispararem mais de 250% desde janeiro. O posicionamento foi interpretado como uma incomum repreensão ao Kremlin, corroborando a narrativa de que Moscou teria responsabilidade na crise energética no continente.
O gasoduto, cuja obra foi concluída em setembro deste ano, integra a estrutura do Nord Stream 1, em operação desde 2011, e é responsável pelo abastecimento de 40% do gás natural consumido pelos alemães. Em funcionamento, o Nord Stream 2 adicionará 55 bilhões de metros cúbicos de suprimento de gás por ano, ou cerca de 11% do consumo total anual da UE – em 2019, os 27 países do bloco usaram 469 bilhões de metros cúbicos.