Economia ESG

Na prática, a teoria é outra

Por Da Redação

12/11/2021 às 11:11:34 - Atualizado há

A ativista Greta Thunberg foi a autora de uma das mais eloquentes e honestas análises sobre a COP-26. “Esta não é mais uma conferência climática. É um festival de greenwashing […] e blá-blá-blá”. Sua colocação não é despropositada. Ainda que o mais urgente evento sobre o clima tenha começado com os discursos dos líderes mundiais alinhados no compromisso de conter o aquecimento global em 1,5°C até o ano 2100, o que se viu foram apenas acordos multilaterais anunciados sem a assinatura de relevantes economias para o cumprimento das metas propostas. Caso dos Estados Unidos no combate ao uso do carvão e da China, no metano. Para coroar a decepção, na segunda-feira (8), o esboço de texto final de Glasgow foi divulgado sem nenhuma menção a metas para o fim do uso de combustíveis fósseis. Vale lembrar que o consumo de energia responde por 73% das emissões mundiais e a descarbonização da economia é uma demanda-chave do Acordo de Paris.

“A COP-26 é um fracasso”, disse Greta. De fato, parece que a Cúpula caminha para esse resultado. Ao menos se a régua de medição for a sugerida por Carolina Schmidt, presidente da COP-25, ao passar o bastão ao sucessor Alok Sharma. “O sucesso da COP-26 será avaliado em três áreas: ambições, finanças e regras”, afirmou ela em seu discurso. A começar pela redução de carbono, nem Estados Unidos, nem China e nem Rússia — os três maiores emissores históricos de CO2 — revisaram suas metas tornando-as mais ambiciosas. Os presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, não se deram nem o trabalho de ir a Glasgow, assim como não o fez o presidente Jair Bolsonaro. O Brasil, que está em quarto lugar no mesmo ranking, foi o único a apresentar novas metas, mas por traz da boa intenção… greenwashing.

ISOLADO MAS COM METAS Ministro do Meio Ambiente , Joaquim Leite, aproveita dia de estreia da COP-26 para anunciar, de Brasília, compromisso do País em elevar meta de redução de CO2 a 50% até 2030. (Crédito:Ewan Bootman/NurPhoto via AFP )

É simples entender a artimanha do governo brasileiro. No dia de estreia da Cúpula, enquanto Bolsonaro passeava pela Itália, o ministro Joaquim Leite, do Meio Ambiente, cumpria a ordem dada por seu chefe de anunciar as novas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) do Brasil. De um palco montado em Brasília, com transmissão ao vivo para o estande brasileiro no pavilhão da COP, Leite anunciava a elevação nas reduções de emissões de 43% para 50% até 2030. A questão é que ele não disse a base de cálculo. Se o Brasil usar o inventário de CO2 estipulado ano passado e não o divulgado em 2015, o País andou, andou e voltou a se comprometer com o mesmo volume prometido pela então presidente Dilma Rousseff no Acordo de Paris.

Mesmo que pouco ambiciosa, a atitude agradou agentes da indústria. Para Júlio Nogueira, gerente de Sustentabilidade e Meio Ambiente da Klabin, que uma semana antes do evento havia dito à DINHEIRO esperar uma participação mais colaborativa do governo, não se frustrou. “Conseguimos mudar um pouco a percepção de que seríamos um entrave ao avanço de uma economia de baixo carbono”, afirmou, ao fazer uma análise dos dez primeiros dias. “Demos um passo importante para sermos considerados parte da solução. Agora é preciso agir”, disse, sem esconder que é um otimista.

Claudio Bresciani

“Esta não é mais uma conferência climática. É um festival de greenwashing e blá-blá-blá” Greta Thunberg ativista.

AMBIÇÕES, FINANÇAS E REGRAS Mas não foi só o Brasil quem deu suas pedaladas ambientais. A maquiagem verde de Joe Biden não foi pintada com demãos suficientes a ponto de esconder as impressões do carvão na economia americana. O país não assinou o acordo que estabelece a meta global de eliminar o uso do minério como fonte de energia até 2030. O acordo, liderado pelo Reino Unido, teve 40 países signatários. Brasil, Índia e Austrália também ficaram de fora. Atitudes como essa irritaram a diplomata francesa Laurence Tubiana, uma das arquitetas do Acordo de Paris. “Greenwash é o novo negacionismo climático. É uma maneira de escapar do problema”, afirmou em entrevista coletiva de Glasgow. A diplomata chegou a criticar a Austrália abertamente. “Prometem maravilhas para 2050, mas não querem falar do que podem reduzir no ano que vem.”

Os australianos não são os únicos. Para surpresa de absolutamente ninguém, a China também correu da responsabilidade. Após o presidente Xi Jinping ter usado o palanque da Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro, para anunciar que não financiaria mais usinas termelétricas a carvão em países estrangeiros, a China engrossou a lista dos não signatários do acordo pelo fim do minério como fonte de energia. Os chineses também ignoraram o acordo, capitaneado pelo presidente americano Joe Biden, de reduzir em até 30% as emissões de metano (CH4) até 2030. As duas megapotências são, ao lado da Rússia e Índia, que também não assinaram a papelada, os quatro maiores emissores do gás que contribui com 18% do aquecimento global. China e EUA tentaram diminuir os efeitos da decisão ao fazerem circular na terça-feira (10) um acordo de cooperação mútua, sem meta ou prazo, para redução do CH4 e do carvão. O documento é de abril. Já o Brasil surpreendeu o mercado ao assinar o pacto ao lado de outros 40 países como Canadá e Chile. Só não disse como vai cumpri-lo.

PROTESTOS Manifestantes acusam políticos do Brasil, Austrália EUA, Rússia, e empresários (Rupert Murdoch) de serem criminosos ambientais em passeata pelas ruas de Glasgow. (Crédito:Reprodução)

Para Alexandre Prado, diretor de Economia Verde do WWF-Brasil, o ponto de atenção neste e nos outros compromissos é justamente a falta de definição da governança. “O acordo global de metano é um bom exemplo”, afirmou. “Estabelece apenas uma meta global de redução de 30%, mas não traz metas nacionais.” Sem saber com quanto cada país precisa contribuir, segundo Prado, fica difícil saber como o objetivo será alcançado.

Nem o setor financeiro ficou de fora das desconfianças. O anúncio do Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ) de que de 450 empresas financeiras com US$ 130 trilhões em ativos se comprometeram a ser carbono zero até 2050 foi alvo de críticas. Em carta aberta, 90 entidades ambientais acusaram o líder do grupo e ex-presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney, de facilitar a prática de maquiagem verde dos bancos. “Na verdade, muitas instituições financeiras, desde que se associaram ao GFANZ, emitiram financiamentos para empresas que estão expandindo a infraestrutura de combustíveis fósseis”, trouxe o texto.

Ainda que greenwashing não seja crime, o impacto na reputação é certo. Manifestantes se reuniram nas ruas de Glasgow em protesto no qual aparecem vestidos como os presidentes Jair Bolsonaro, Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China), Scott Morrison (Austrália) e o magnata Rupert Murdoch algemados, como criminosos ambientais. Com o aumento do ativismo social, é possível que na COP-27, os líderes de agora desfilem pelas ruas do Egito na companhia de CEOS de empresas sujas e dos bancos que as financiam.

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