Geral entretenimento

A Última Floresta é um grito de resistência

Por Da Redação

09/09/2021 às 06:01:34 - Atualizado há

A Última Floresta está em cartaz na no Espaço Itaú Glauber Rocha às 18h40

Diante de uma plateia multirracial, num dos auditórios da Universidade de Harvard (EUA), o xamã, escritor e ativista Davi Kopenawa Yanomami, 65, desconcerta. Suas palavras são simples, o discurso é curto, o gestual simples. Mas, em essência, diz bastante: "Para vocês, que vivem na cidade, mais importante é a mercadoria. Apesar de ter muita mercadoria, o branco não divide. Fazer muita mercadoria faz mal para a floresta. Para nós, importante são os animais da floresta, a fertilidade. Importante é dividir o alimento entre nosso povo, nossa sobrevivência, nosso conhecimento, nossa forma de viver e a nossa existência como povo".  

Desde a década de 1970, o garimpo ilegal vem dizimando as matas, adoecendo os povos originários, provocando cizânia entre os indígenas que saem para buscar a riqueza do homem branco e os que lutam para preservar o território. As palavras de Kopenawa são as últimas cenas do poético e urgente A Última Floresta, filme de Luiz Bolognesi, que estreia hoje nos cinemas. Mas, antes de chegar nesse tal auditório, o espectador faz um longo caminho pela floresta da pequena comunidade Watoriki, em Roraima, onde Davi Kopenawa atua como xamã e resistência aos garimpeiros que, desde 2020, começaram a voltar em massa para a mata.  

O xamã, escritor e ativista Davi Kopenawa assina o roteiro junto com Luiz Bolognesi (Pedro J. Márquez/divulgação)

Com um discurso que mescla beleza onírica e objetividade, o filme de Bolognesi lembra que a Terra Indígena Yanomami foi reconhecida pelo governo brasileiro em 1992. Apesar do ato oficial, garimpeiros atrás de ouro invadiram uma aldeia no ano seguinte e mataram pelo menos 16 indígenas, incluindo mulheres e crianças. O episódio ficou conhecido como o massacre do Haximu. Numa cena fictícia, Kopenawa e seus companheiros botam para correr três garimpeiros independentes. A verdade surge na cena seguinte, quando ele alerta pelo rádio indígenas de aldeias vizinhas que 'eles' estão voltando. A nós, espectadores, os yanomami mostram a pureza da água onde se banham e avisam que o resto do rio já está quase morto por causa da extração de minério. 

Tradição milenar 

A Última Floresta é um manifesto urgente de ser visto. Principalmente nesse momento em que os indígenas têm suas terras ameaçadas pelo Marco Temporal, cuja votação foi suspensa mais uma vez pelo STF. Com uma narrativa suave, cotidiana, Bolognesi optou por não 'agredir' o espectador com as imagens da terra devastada pelo garimpo e pelo desmatamento. O roteiro, escrito a quatro mãos com Davi Kopenawa, milita sem pesar, mostrando as belezas da região, as lendas ancestrais e o lugar onde os yanomami vivem há mais de mil anos, ao norte do Brasil e ao sul da Venezuela. 

"Neste filme, queria registrar as aldeias que estão resistindo à evangelização, à agressão do capitalismo, e mantendo seu modo ancestral de viver, como os yanomami. Foi uma das experiências mais mágicas da minha vida", conta Bolognesi, que já tinha retratato a influência das igrejas neopentencostais nas comunidades indígenas no filme Ex-Pajé. Os rituais promovidos pelos xamãs são registrados com uma beleza que lembram, em alguns frames, as imagens dos yanomami feitas pela fotógrafa Claudia Andujar nos anos 1970/80 — e registradas em livros como Os Comedores de Terra e Haximu - O Massacre dos Yanomani e suas Consequências. 


Misturando documentário com ficção, A Última Floresta conta com atuação dos próprios yanomami ao encenar seus sonhos (para eles, sonho não se difere da realidade) e lendas como a dos irmãos Omama e Yoasi, encantados que criaram a floresta e o seu povo. Para isso, o diretor passou dez dias imerso na pequena aldeia, vivendo como um dos nativos. "Esses três níveis de realidade indígena - o que acontece de dia, a realidade dos sonhos e as histórias verdadeiras, que são os mitos - são trançados na dramaturgia desse roteiro. Então, meu trabalho de roteirista foi costurar essas tramas fantásticas que eles trouxeram", explica. Alguma passagens, como a lenda de Omama e Yoasi, foram pedidos dos índios. 

Première na aldeia 

Na semana passada, o filme teve uma sessão especial na comunidade Watoriki, onde foi rodado, com a presença de Bolognesi, Kopenawa e o produtor Caio Gullane. "Foi uma das exibições mais mágicas da minha vida, muito forte e intenso porque os yanomami estavam vendo cinema pela primeira vez e era a história deles. Eles foram o único público que não precisou assistir ao filme com legenda. No dia seguinte à sessão, eles falaram que por causa do meu cabelo branco eu era um pássaro da floresta com penas brancas e um deles disse que eu não era o Luiz Bolognesi, era o Luiz Yanomami", conta o diretor, que conquistou o prêmio do público na mostra panorama no 71º Festival de Berlim. 

A comunidade Watoriki assistiu ao filme numa exibição especial (Marcos Amend/divulgação)

A ideia de rodar A Última Floresta surgiu enquanto Bolognesi filmava Ex-Pajé, vencedor do Prêmio Especial do Júri na Berlinale de 2018. Até porque se estava mostrando o poder das igrejas evangélicas em algumas tribos precisava também apresentar quem resistia à invasão cultural. Foi aí que lembrou do livro A Queda do Céu, de Davi Kopenawa, num diálogo com o antropólogo francês Bruce Albert, e resolveu convidá-lo para escrever o roteiro. 

“Na minha opinião, além de tudo, como valor literário, esse é o grande livro que eu li no século 21. No século 20, o livro que mais me impressionou foi o Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa; para mim, A Queda do Céu é o Grande Sertão do século 21”, avalia o diretor. 

Comunicar erro

Comentários Comunicar erro

Jornalista Luciana Pombo

© 2024 Blog da Luciana Pombo é do Grupo Ventura Comunicação & Marketing Digital
Ajude financeiramente a mantermos nosso Portal independente. Doe qualquer quantia por PIX: 42.872.330/0001-17

•   Política de Cookies •   Política de Privacidade    •   Contato   •

Jornalista Luciana Pombo
Acompanhantes GoianiaDeusas Do Luxo