Uma situação inusitada (e, convenhamos, um tanto constrangedora) está chamando a atenção no Paraná. A cidade de Francisco Beltrão, no sudoeste do estado, decidiu homenagear o ex-deputado federal Rubens Paiva, morto pela ditadura militar, nomeando uma rua com seu nome. Até aí, tudo certo. O problema?
Alguém, no meio do caminho, achou que Paiva tinha uma patente militar e o rebatizou como "Marechal Rubens Paiva". Isso mesmo: um dos principais perseguidos pelo regime militar virou marechal por erro burocrático. O detalhe bizarro passou despercebido por mais de três décadas e só veio à tona agora, com o burburinho em torno do filme "Ainda Estou Aqui", vencedor do Oscar, que conta a história de sua família.
O equívoco foi apontado por Édio Riedi, o topógrafo que protocolou a solicitação para nomear a rua ainda nos anos 1990. Segundo ele, a intenção sempre foi homenagear Rubens Paiva pelo que ele realmente era: um democrata, um defensor da liberdade, uma vítima da repressão. Mas em algum momento, um erro na "compilação", como ele diz, acabou promovendo Paiva a um posto que nunca ocupou e, pior, de um regime que o assassinou.
"Só agora, 35 anos depois, eu soube que tinha esse 'marechal' na frente", disse Riedi, ao perceber a gafe.
A Prefeitura de Francisco Beltrão foi acionada para corrigir o erro. A pergunta que fica é: será que foi descuido ou sabotagem histórica?
Rubens Paiva era deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) quando, em 1964, o golpe militar o caçou e cassou seus direitos políticos. Em 1971, ele foi preso, levado ao DOI-Codi no Rio de Janeiro e nunca mais foi visto com vida. Seu corpo nunca foi entregue à família, e o regime sustentou por anos a farsa de que ele havia fugido. Somente em 2014, a Comissão Nacional da Verdade confirmou que ele foi torturado e assassinado por agentes do Estado.
Colocar "Marechal" antes do nome dele, mesmo que por erro, é praticamente um sarcasmo histórico involuntário.
Com a recente vitória do filme sobre sua família, Rubens Paiva volta ao debate nacional como um símbolo da luta pela democracia. O caso de Francisco Beltrão reforça a necessidade de revisão histórica cuidadosa, especialmente quando o Brasil ainda tem dificuldade em lidar com as feridas da ditadura.
Se a prefeitura corrigir a placa, fica o aprendizado. Mas se quiserem manter o erro, pelo menos que seja acompanhado de uma placa explicativa dizendo: "Este é um erro histórico, mas serve de lição sobre o que nunca mais deve acontecer no Brasil."
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