Litoral PARANAGUÁ

Autismo: Integrante da UFA em Paranaguá destaca conscientização, preconceito e urgência por melhorias no atendimento público ao Autismo

Em 2 de abril se celebra o Dia Mundial de Conscientização Sobre o Autismo, mesma data em que a bióloga Danielle Rosa comemora o seu aniversário.

Por Da Redação

02/04/2024 às 20:42:34 - Atualizado há

Em 2 de abril se celebra o Dia Mundial de Conscientização Sobre o Autismo, mesma data em que a bióloga Danielle Rosa comemora o seu aniversário. Ela, que é fundadora e tesoureira da primeira associação de famílias autistas do litoral do Paraná, a União das Famílias pelo Autismo de Paranagua (UFA), destacou que começou a adentrar no universo do Transtorno do Espectro Autista (TEA) quando sua filha, agora com 18 anos, foi diagnosticada como autista. Na época, ela deixou sua carreira como bióloga, com passagem pelo setor público e privado, para se dedicar ao diagnóstico da filha, quando acabou também, adulta, sendo diagnosticada com TEA. Danielle explica a importância do diagnóstico efetivo, como funciona o desenvolvimento, e a realidade das famílias de autistas em Paranaguá e no Brasil, com dificuldades contínuas junto ao Poder Público e na rede de apoio familiar.

“Fundamos entre 2018 e 2019. Desde lá, nós fazemos acolhimentos, primeiras orientações às famílias que recebem diagnóstico, que não conseguem fazer o diagnóstico de TEA (Transtorno do Espectro Autista) dos seus filhos. Damos o primeiro suporte, algumas necessidades de informações, orientações, encaminhamos para clínicas e fazemos todas as orientações primárias. Quando necessário nós intervemos junto a órgãos públicos, à rede escolar, seja ela municipal ou estadual, também tentamos suprir as questões terapêuticas das crianças, fazendo parcerias com clínicas, encaminhando para atendimento social”, explica, destacando que a associação teve que ficar em trabalho remoto por dois anos durante a pandemia, atuando principalmente em datas comemorativas.

Segundo Danielle, abordar sobre o autismo é seu hiperfoco, sendo que ela trabalhava como bióloga na área de segurança alimentar em sua carreira em empresa privada, Ministério da Agricultura, Vigiagro e no Porto de Paranaguá. “Tive que deixar minha carreira para cuidar da minha filha. Após receber o diagnóstico a gente viu que a situação aqui em Paranaguá por falta de clínicas há 14/12 anos atrás era algo muito precário. Hoje ainda é. Precisei correr atrás do diagnóstico, deixar o laudo dela, primeiramente Curitiba, depois do diagnóstico fui procurar as terapias e assim, investigando o autismo da minha filha, descobri que também tinha traços fortes de autismo. E aí então eu fiz toda a questão do diagnóstico de avaliação terapêutica, vários testes, análises familiares, entrevista, toda uma avaliação de vida, porque o autista ele nasce autista, ele não vira autista”, explica.

Diagnóstico

“O Autismo é um transtorno de neurodesenvolvimento. A criança tem um desenvolvimento anormal neurológico desde a barriga da mãe. Quando ela nasce, aos primeiros doze a dezoito meses, já é possível fazer avaliação, pois muitas das crianças autistas possuem um comprometimento sensorial que é não gostar do toque, não responde ao chamado, muitos bebês chegam até a ser não amamentados no peito da mãe por não gostar do toque materno, as questões possuem atrasos na fala, muitos não possuem contato visual, também por ter essa falha no desenvolvimento da comunicação eles possuem sensibilidade sensorial, irritabilidade pela falta de comunicação efetiva, seletividade alimentar, movimentos repetitivos e muita dificuldade na interação social. Essas são características primordiais para a avaliação de um diagnóstico autista precoce nas crianças”, explica a presidente.

Segundo ela, quanto mais cedo for feito o diagnóstico, melhor será o desenvolvimento global da criança neurológico, visto que o cérebro possui uma plasticidade cerebral, onde quanto mais cedo começarem as intervenções terapêuticas, mais fácil é o recondicionamento e reorientação de aprendizagem comportamental da criança, socialização, questões alimentares, dificuldades sensoriais, entre outras questões. “Cada autista é de um jeito. Por ser um transtorno do espectro, são várias nuances. Uma criança pode ter mais dificuldade na comunicação, outra na seletividade alimentar, outra na parte cognitiva, então a avaliação é gigantesca de criança para criança”, salienta, destacando que atualmente o espectro é mais fácil atualmente pelo desenvolvimento da Medicina e pelas alterações nas orientações médicas. “Antigamente se deixava a criança entrar na escola, a minha filha teve essa fase, para então ver. Se ela não se adaptasse à escola, só aí se iniciaria a investigação. Hoje não, a partir dos primeiros traços de um bebê que se desconfie que ela possa ser autista, já começa a intervenção e o tratamento, quando se consegue isso, que daí é outra caminhada dessas famílias autistas”, destaca.

“Quando se começa a intervenção logo no início, a criança se desenvolve e pode ter um desenvolvimento praticamente bem orientado e começar uma boa evolução, quem sabe se integrar bem à sociedade, tendo uma vida com autonomia e quem sabe até dita normal”, afirma Danielle.

Realidade de Paranaguá e do Brasil

De acordo com a presidente, em Paranaguá, assim como municípios por todo o Brasil, o atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) aos autistas é bem complicada. “Há filas quilométricas de anos de espera tanto para atendimento médico, quanto clínico e de questões de exame, que são muito mais complicadas. Acredito que a fila em Paranaguá deve estar entre 300 a 400 pessoas para atendimento neurológico, acredito que tenha um neurologista se tiver e não seja neuropediatra na cidade, então não temos especialista. A fila de espera é de 10 meses há mais de um ano, chegando a um ano e meio, por aí. Há pessoas na associação que estão esperando há mais de dois anos, então muitas pessoas não tem condição de pagar neurologista, pois o valor médio de uma consulta mais barata é de R$ 300,00 a mais de R$ 1 mil, então inviável para pessoas que recebem auxílio do governo ou que são assalariadas”, complementa.

Outra questão que exige investimento alto é a dos medicamentos e dos exames que são muito caros. “Os autistas possuem muitas debilidades, sejam gastrointestinais, vitamínicas, musculares, então por ser um transtorno de neurodesenvolvimento, muitos sistemas ficam comprometidos. Não são visíveis a olho nú, se você olhar para uma criança autista você não identifica, muitas vezes ela não tem condição física nenhuma que caracterize isso como uma criança com Síndrome de Down, por exemplo. O Autismo não tem cara, o autista pode ser qualquer criança, pode ser uma criança que está ao seu lado, tem um comportamento diferente e não foi avaliada ainda. Por causa disso, existe muito preconceito. Por causa do preconceito, se fizeram necessárias muitas leis. Eu sou do tempo por exemplo, de antes de 2012, que determinou que o Autismo era uma deficiência permanente, uma condição que traz comprometimento de vida para as pessoas que não recebem um tratamento deficiente. A Lei Berenice Piana 12.764/2012 determina que os autistas são pessoas com deficiência, então eles possuem todos os benefícios que outras pessoas com deficiências tenham, mesmo que isso não esteja exposto na cara”, salienta.

UFA

A UFA atualmente trabalha em Paranaguá com mais de 300 famílias, atendimento que foi iniciado entre 2018 e 2019 com 30 famílias. Hoje, a entidade trabalha inclusive com núcleos familiares que não estão contabilizados na rede municipal e na rede estadual. “Ou seja, estão à margem total de qualquer avaliação ou registro social. Existe uma lei municipal em Paranaguá que foi feita pela vereadora Isabelle em torno do Censo PCD, não exist uma estimativa nem no Brasil sobre quantos autistas temos. A princípio, no Censo de 2023 eles fizeram uma amostragem que apresenta apenas 11% das residências de todo o país, então é uma amostragem muito pequena, mas se estima que tenham mais de 5 milhões de autistas no Brasil”, salienta.

“Se a gente fizer esta estimativa para Paranaguá, que possui cerca de 140 mil habitantes, isso daria 1% a 2% da população de Paranaguá que seria autista em seus lares em seus vários níveis de suporte. A gente fala nível 1, 2 e 3 de suporte, nível 1 são autistas verbais como eu que tenho algumas condições e necessidades diárias e preciso auxílio de outra pessoa, porém tenho autonomia até para trabalhar, o nível 2 precisa de um suporte maior, muitas vezes um acompanhamento mais diário na rotina, com dificuldades muitas vezes na comunicação e que não consegue trabalhar, e o nível 3 de suporte não são oralizados, muitas vezes eles possuem a parte vocal preservada, mas por uma condição neurológica não conseguem se comunicar, se comunicam ou por figuras, quando aprendem terapeuticamente, por comunicação alternativa, tablets, enfim, mas são totalmente dependentes de banho, alimentação, uma condição diária, muitos com deficiência intelectual, o que dificulta o aprendizado e desenvolvimento e vivem assim até os últimos dias de vida”, detalha a presidente. “Essa é uma realidade da nossa cidade, existem muitos autistas não oralizados, com um nível de suporte muito maior, que ficam à margem da sociedade sem terapia. Autistas não são somente crianças, de educação de ensino infantil e fundamental, minha filha passou pelo ensino médio e hoje está na universidade, sendo estudante de Design Gráfico, uma grande vitória para nós, mas não é a realidade de todos”, explica.

Mães e filhos autistas

Cerca de 75% a 80% das famílias presentes na associação, assim como em todo o Brasil, contam com a mãe e pelos filhos autistas, afirma Danielle. “O pai abandona essas mães quando recebe o diagnóstico. A mãe então vai caminhar sozinha, muitas vezes não consegue trabalhar por causa do nível de severidade do autismo dos seus filhos, não possuem condição de pagar um cuidador, a rede de apoio, que são os familiares, se afastam, porque acham que a criança é mimada por ser uma deficiência que não observa a olho nu. Essa mãe se vê sozinha, sem rede de apoio, dependente de benefício do Estado, de recursos médicos do SUS que não vem a tempo, muitas vezes essas crianças são pequenas, mas esperam de um a dois anos por atendimento médico na rede pública e aí se vai o tempo da plasticidade cerebral, da facilidade da aprendizagem e a criança não se desenvolve tanto quanto teria. Isso se consegue o atendimento terapêutico. Hoje o que é oferecido na cidade é um tratamento emergencial, eu diria até urgencial, não atende a necessidade da realidade. Infelizmente tem condição de melhorar, eu creio que futuramente pode ser muito bem implementado, se pensado e conversado com as famílias e ser vista a necessidade real estratificada na cidade com essas famílias, montando um plano de ação, a cidade terá muito a melhorar, mas precisa de uma força-tarefa entre nós famílias de autistas, nós autistas que somos oralizados e com capacidade intelectual para ajudar nisso e o Poder Público. Para isso é necessário união de todos”, destaca.

“Hoje, nesse dia 2 de abril,que, por ironia do destino, é também o meu aniversário, pois nasci nesta data, a inclusão, o Autismo pede muita ajuda, apoio, olhar, terapias especializadas, urgência de atendimento médico para validação de diagnóstico, pede socorro a essas mães que são cuidadoras e precisam ser cuidadas, porque não aguentam a carga estressante diária com seus filhos que se autolesionam, não se alimentam, não conseguem se comunicar de forma efetiva. A mãe não entende, ela adoece junto com seus filhos e muitas mães até cometem contra a sua própria vida. Essa é uma realidade do Autismo de Paranaguá, do Paraná e do Brasil. O Autismo precisa ser conscientizado para que a sociedade tenha empatia, respeito, menos preconceito, sendo mais auxiliadora e com mais compaixão com esses familiares que já sofrem de muitas ausências, que não falte amor e respeito da sociedade. Que o Poder Público invista e que se envolva com essas famílias de forma a compreender as necessidades básicas e urgências para que elas, muitas vezes de mãe solo, sejam resgatadas da margem da sociedade e de todo o descaso que se tem até hoje do Autismo, que é muito falado e muito pouco cuidado, na realidade”, finaliza a presidente.

Comunicar erro
Jornalista Luciana Pombo

© 2024 Blog da Luciana Pombo é do Grupo Ventura Comunicação & Marketing Digital
Ajude financeiramente a mantermos nosso Portal independente. Doe qualquer quantia por PIX: 42.872.330/0001-17

•   Política de Cookies •   Política de Privacidade    •   Contato   •

Jornalista Luciana Pombo