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Cordão da Mentira: bloco lembra que ausência de memória e justiça valida bolsonarismo e violência estatal

Neste 1º de abril, dia da mentira e data em que se completam 60 anos do golpe empresarial-militar no Brasil, artistas, indígenas, ativistas de diversos movimentos sociais e familiares de vítimas da violência estatal – da ditadura e dos tempos atuais – protestaram no centro de São Paulo.

Por Da Redação

01/04/2024 às 23:33:27 - Atualizado há

Neste 1º de abril, dia da mentira e data em que se completam 60 anos do golpe empresarial-militar no Brasil, artistas, indígenas, ativistas de diversos movimentos sociais e familiares de vítimas da violência estatal – da ditadura e dos tempos atuais – protestaram no centro de São Paulo.

O Cordão da Mentira acontece desde 2012 e, nesta edição, buscou vincular a falta de memória e justiça em relação à ditadura militar com a tentativa bolsonarista de golpe em 2023 e com as ininterruptas chacinas policiais do período democrático.

O protesto acontece no momento em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), bem como militares de alta patente, são alvos de investigação da Polícia Federal sobre uma tentativa frustrada de golpe para se manterem no poder a despeito da derrota na última eleição presidencial. Com o passaporte retido, Bolsonaro chegou a passar duas noites na embaixada da Hungria.


Grupo relembra as vítimas da violência estatal de antes e de agora / Luiz Fernando Petty

Enquanto isso, a Polícia Militar de São Paulo (PMSP) sob o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) implementa, na Baixada Santista, a mais sangrenta operação institucional das forças de segurança de São Paulo dos últimos 28 anos. Comandada pelo secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PL), temporariamente afastado do cargo para reassumir o posto de deputado federal, a Operação Escudo, matou 56 pessoas desde 7 de fevereiro, quando foi intensificada após a morte do sargento da Rota Samuel Wesley Cosmo.

O número de pessoas assassinadas pela PM em São Paulo entre janeiro e março de 2024 saltou 86% em comparação com o primeiro trimestre do ano passado. Os dados, divulgados pelo g1 nesta segunda (1), são do Ministério Público Estadual (MP-SP).

O Cordão da Mentira se concentrou em frente ao Centro Universitário Maria Antônia no final da tarde desta segunda-feira (1º). Foi ali que, em outubro de 1968, quando a rua abrigava a Faculdade de Filosofia da USP e também a Universidade Mackenzie, aconteceu um enfrentamento de dois dias entre estudantes críticos à ditadura e outros de direita, pertencentes ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

O episódio, conhecido como a "batalha da Maria Antônia", resultou no incêndio do prédio da USP e na morte do secundarista José Guimarães, por um tiro disparado do Mackenzie. Com a camisa ensanguentada do jovem, estudantes da USP tomaram as ruas e foram reprimidos pela polícia. Ao final, os agentes de segurança invadiram ambas as faculdades e prenderam dezenas de estudantes.

Maria Carolina Araújo Cunha, de 19 anos, veio da Rocinha, no Rio de Janeiro, participar do ato, junto com mães cariocas de vítimas da violência policial de lá. Neste mesmo dia, há 11 anos, seu pai foi morto pela PM. Foi pela manhã, ele estava desarmado, no meio da rua de sua comunidade. A mesma polícia mataria o tio de Carol naquele mesmo mês de abril.

"Eu queria esquecer, deixar pra lá. Só que minha avó foi começando a me arrastar para os atos e eu fui entendendo que é importante lembrar e lutar por isso. Meu pai era trabalhador. Então a força da minha vó, a força das mães que estão aqui, me fazem querer participar". A sua avó, Maria de Fátima dos Santos Silva, mais conhecida como Fatinha da Rocinha, é ativista histórica da luta contra a violência de Estado e também estava presente no desfile. Como ela, com bandeiras e estandartes, estavam as Mães de Maio, Mães de Manguinhos e Mães de Osasco, entre outros grupos similares.


Manifestantes repudiam ideia de anistia para os golpistas do 8 de janeiro / Gabriela Moncau/Brasil de Fato

Para o sambista Selito Sd, um dos fundadores do Cordão da Mentira, a denúncia é de um processo de violência ininterrupto. "Na verdade é uma continuidade. Não terminou em 1985, como não começou em 1964. Do nosso ponto de vista, pretos, indígenas, mestiços, não-brancos, desde a colônia, passando pelo Império e República, os nossos são aviltados o tempo todo", afirma.

"Então para a gente, fundadores dessa parada aqui, é ditadura desde sempre. E de novo o povo está sendo massacrado. Essa questão nunca é tratado socialmente. Aqui eu estou falando inclusive do progressismo, da esquerda. Não importa. A gente nunca é central nas pautas da plataforma de esquerda, que inclusive nos negam poder de intelecto. Querem nos tutelar o tempo todo. Aqui tudo isso está posto", ressaltou Selito SD.

"É bala em vez de chibatada / mandado em lugar de feitor / emoldurando a senzala / a casa grande se enfeitou", diz um dos sambas enredo cantados no desfile. Composto por Douglas Germano e Everaldo F. Silva, a canção termina com "para de fingir que é justa / para de fugir do Ustra / para difundir a farsa impressa nos jornais".

Em uma fala na concentração do desfile, a boliviana Julieta Paredes, ativista feminista aymara, destacou que "somos um continente, não só um território. Um continente que há mais de 500 anos foi invadido, massacrado, pisoteado, torturado. E é com a força de nossas e nossos antepassados, que seguimos nascendo, morrendo, lutando. E seguiremos, porque esse território não é de ditadura e morte. É um território de vida. Fazemos um chamado à esperança, ao compromisso, ao amor. Porque o ódio não se vence com ódio".

Com intervenções teatrais, o ato fez uma parada e escracho em frente à antiga sede da organização católica reacionária Tradição, Família e Propriedade (TFP). Em seguida, foi até o prédio do jornal Folha de S. Paulo, que colaborou ativamente com o regime militar. O encerramento foi no antigo DOPS, um dos principais centros de tortura da ditadura, onde é hoje o Memorial da Resistência.


Intervenção na fachada do prédio do antigo DOPS, onde funciona o Memorial da Resistência / Gabriela Moncau/Brasil de Fato

"Não apontar a face mutilada de uma sociedade colapsada e tutelada por uma polícia, um poder militar, um sistema político, um código civil e paradigmas de desenvolvimento econômico todos legados da ditadura militar e preservados nas aspirações governativas inclusive da esquerda no poder significa uma recusa a olhar-se no espelho", escreveu Gustavo Assano, um dos organizadores do Cordão, em um texto que conta a origem do bloco.

Assim, "condena-se a viver sem perceber o real tamanho das armadilhas e batalhas do tempo presente", diz Assano, que é também coordenador do núcleo ArtEmancipa. "No dia da mentira, dia dos 60 anos do triunfo da infâmia e covardia, o dever de dizer a verdade se impõe com maior força".

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