PolĂ­tica 8 de Janeiro

Para especialistas, pedido de anistia aos envolvidos no 8 de janeiro repete padrão histórico do país

Por Brasil de Fato

08/01/2024 às 06:13:23 - Atualizado hĂĄ
Foto: Reprodução internet

Mesmo passando ao largo das condenações que vem sendo impostas pelo Supremo Tribunal Federal aos envolvidos nos atos do 8 de janeiro até agora, os militares jĂĄ se articulam para tentar implementar uma anistia aos envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro.

Um dos principais representantes da categoria no Congresso, o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) propôs em outubro do ano passado um projeto de lei que prevĂȘ anistia aos acusados e condenados por crimes relacionados ao 8 de janeiro, exceto nos casos dos crimes de dano qualificado, deterioração de patrimônio e associação criminosa.

A proposta estĂĄ na Comissão de Defesa da Democracia da Casa e foi encaminhada no Ășltimo dia 15 de dezembro para o senador Humberto Costa (PT-PE), que vai analisar a proposta e apresentar um relatório para a comissão.

Como mostrou o Brasil de Fato, um ano após o 8 de janeiro não hĂĄ registro de punições significativas aos militares que poderiam ter evitado a depredação das sedes dos TrĂȘs Poderes, em BrasĂ­lia.

Na avaliação do professor de Teoria PolĂ­tica da Unesp e estudioso do tema Paulo Ribeiro da Cunha, o comportamento de Mourão segue uma tendĂȘncia história de anistias socialmente limitadas e ideologicamente norteadas do Brasil. "Se fossem militares de outro campo polĂ­tico e ideológico ou mesmo praças envolvidos nestes atos, seguramente ele não teria essa posição. Para o senador, esses golpistas são 'patriotas', mas se fossem democratas ou de esquerda, seguramente seriam vistos como no subversivos", afirma o professor.

Anistias orientadas politicamente

Em artigo sobre as anistias do Brasil, Cunha faz um apanhado histórico destas propostas. Segundo o estudo, ao longo do perĂ­odo republicano o Brasil teve 48 anistias, sendo a primeira em 1898 e a Ășltima em 1979. De acordo com o professor, historicamente no Brasil as manifestações mais alinhadas à direita que ocorreram no meio militar tiveram anistias que possibilitaram aos manifestantes retornarem às Forças Armadas.

No caso das manifestações de militares mais alinhadas à esquerda e, sobretudo nos casos de patentes mais baixas, os processos de anistia foram mais complexos, com vĂĄrios militares não conseguindo ser readmitidos.

Um dos casos notórios é o da revolta da Chibata, uma rebelião de militares de baixa patente da Marinha contra os maus-tratos a que eram submetidos, sobretudo os negros, ocorrida em 1910. O lĂ­der do movimento, João Cândido, chegou a ser anistiado duas vezes, mas até hoje nenhum de seus familiares foi indenizado. Como mostrou o Brasil de Fato, o MPF defende que seja concedida uma reparação financeira a ele.

Outro episódio que marcou a história dos levantes militares do Brasil foi a anistia concedida por GetĂșlio Vargas à Intentona Comunista de 1935 e à tentativa de golpe promovida por militares integralistas (movimento de inspiração nazifascista) em 1938. As duas revoltas foram reprimidas durante o governo de Vargas e seus participantes foram anistiados em 1945.

"A anistia em 45, concedida por GetĂșlio Vargas antes de ser deposto – portanto sancionada no inĂ­cio da democratização –, possibilitou a libertação de 565 presos polĂ­ticos, entre eles Luis Carlos Prestes, preso havia 10 anos. Mas ela foi parcial e consequentemente excludente, até porque os militares da 'intentona' não foram reintegrados às Forças Armadas, mas os militares integralistas sim", afirma Paulo Ribeiro da Cunha em seu artigo "Militares e a anistia no Brasil: um dueto desarmônico".

Para Cunha, a Intentona Comunista de 1935 foi o principal marco a partir do qual as anistias consideraram critérios ideológicos. "A partir daquele momento, as anistias passaram a ser ideologicamente norteadas porque todas as manifestações que vinham do campo da esquerda eram vistas como subversivas, mas as da direita não", explica.

Especialistas veem com ressalvas postura do governo com os militares

Para além deste padrão histórico, a polĂ­tica do governo federal para a ĂĄrea de Defesa desde o inĂ­cio do terceiro mandato de Lula e após o 8 de janeiro é vista com ressalvas por especialistas. Em linhas gerais, o presidente repetiu uma estratégia jĂĄ adotada em suas gestões anteriores de ampliação de investimentos para projetos militares e compra de equipamentos para as Forças Armadas. No anĂșncio da nova versão do PAC feito ano passado, por exemplo, o governo previu R$ 52,8 bilhões para a ĂĄrea de Defesa.

Para especialistas, a falta de punições aos militares envolvidos no 8 de janeiro aliada a uma polĂ­tica de Defesa que repete uma fórmula jĂĄ adotada anteriormente, reforça que os militares não perderam protagonismo na vida polĂ­tica nacional. O professor Paulo Cunha relembra que a prĂĄtica de dar mais recursos aos militares foi adotada também por Juscelino Kubitschek, que não viu diminuĂ­rem as tentativas de golpes por causa disso.

"A politica de defesa é uma coisa, não se pode confundir isso com o controle polĂ­tico das Forças Armadas, hĂĄ uma grande diferença. Pode até ter momentos em que os militares se sintam satisfeitos, mas se não forem enquadrados enquanto setor do governo que tem sua presença subsumida ao poder civil, vocĂȘ pode dar equipamento e tudo o mais que eles querem, que os militares vão continuar tendo sua posição polĂ­tica própria", explica o professor.

Na avaliação dele, o governo perdeu uma oportunidade de mudar a relação com os militares após o 8 de janeiro. "Era um governo recém-eleito que emergia fraco em um pais dividido, mas naquele momento teve oportunidade de estabelecer uma diretriz mais ousada. O presidente poderia até optar por reequipar os militares e reforçar o orçamento destinado a eles, mas deixando claro que o comandante é ele e que ele, por exemplo, não teria que discutir com os militares o que eles pensam, mas determinar a orientação e a polĂ­tica para as Forças Armadas", afirma.

JĂĄ a pesquisadora do Observatório de Defesa e Segurança Nacional Ana Penido ressalta que, na prĂĄtica, os militares não perderam nenhum espaço institucional no governo Lula, o que invalida qualquer receio de que a gestão petista poderia representar uma "revanche" contra a categoria, como foi aventado ao longo da eleição presidencial de 2022.

"Não houve punição individual nem institucional após o 8 de janeiro. As Forças Armadas tĂȘm sido atendidas pelo governo Lula, que indicou o ministro que elas queriam (José MĂșcio Monteiro). Continuaram mantendo as areas de domĂ­nio delas, como a politica de Defesa Nacional construĂ­da dentro do ministerio somente por militares. Além disso, o governo aumentou o orçamento, incluindo verbas no PAC. Aquele receio de 'revanchismo' e de eventuais retaliações de um governo do PT que os militares aventavam, não precisavam ter", afirma Ana, para quem os militares nunca tiveram, de fato, medo de uma postura mais contundente do PT contra a caserna.

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