SaĂșde Pandemia

Covid-19 traz impactos para primeira infância nas 16 favelas da Maré

Por Agência Brasil

27/09/2023 às 02:12:33 - Atualizado hĂĄ
Foto: Reprodução internet

A pandemia da covid-19 trouxe grandes impactos para as crianças do complexo das 16 favelas da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, em especial da primeira infância, que abrange menores de 0 a 6 anos de idade, em questões de saĂșde, alimentação, educação, segurança. É o que revela o Diagnóstico Primeira Infância nas Favelas da Maré, divulgado nesta quarta-feira (27) pela organização não governamental (ONG) Redes da Maré. A população de 0 a 6 anos corresponde a 12,4% dos moradores da Maré, ou o equivalente a quase 15 mil crianças. A primeira infância é considerada uma fase crucial para o desenvolvimento das crianças.

Durante a pandemia, foram aplicados diretamente 2.144 questionarios às famĂ­lias, nas residĂȘncias, além de realizadas entrevistas com profissionais de redes de proteção e apoio à primeira infância, como professores, assistentes sociais e profissionais de saĂșde. O objetivo foi traçar o panorama da situação da realidade de 2.796 crianças nessa faixa etĂĄria. Muitas famĂ­lias possuĂ­am mais de uma criança nessa idade, informou à AgĂȘncia Brasil a assistente social Gisele Martins, uma das coordenadoras do estudo. De acordo com o Censo feito em 2013 pela Redes da Maré, o complexo possui 140 mil moradores no total.

A sondagem mostra que dentro do universo pesquisado, 1.160 famĂ­lias (54,1% do total pesquisado) tiveram dificuldades com a questão da alimentação, sendo que, em 252 domicĂ­lios (11,8%), algum familiar deixou de comer para que não faltasse alimento para a criança. "A sociedade civil na Maré teve um papel muito determinante para conter os efeitos negativos da pandemia da covid-19, a exemplo da própria Redes da Maré, através da qual houve benefĂ­cios para milhares de famĂ­lias", disse Gisele. Essa foi uma importante fonte de dados para que a ONG pudesse desenvolver o próprio diagnóstico. "Ficou mais evidente que muitas famĂ­lias vivem em questão de insegurança alimentar. HĂĄ uma lacuna na oferta de polĂ­ticas pĂșblicas que não responderam de imediato à situação", explicou a coordenadora. A Redes da Maré atendeu a mais de 18 mil famĂ­lias durante a pandemia.

No campo da segurança alimentar, uma recomendação é investigar a alimentação das gestantes e bebĂȘs da Maré, devido ao elevado nĂșmero de crianças nascidas prematuras e do peso delas nos resultados da investigação quantitativa no território.

ViolĂȘncia

Em relação à segurança, o relatório constatou que 62% das operações policiais ocorreram próximo a escolas e creches, afetando o dia a dia das crianças de forma direta: 38,2% dos cuidadores afirmaram que as crianças jĂĄ presenciaram algum tipo de violĂȘncia, com nĂ­veis mais elevados encontrados nas favelas Nova Maré (54,1%) e Rubens Vaz (54%). Entre as consequĂȘncias para as crianças foram registradas perda de aula (37,1%), redução do desempenho escolar (26,1%), restrição de circulação (50,7%); prejuĂ­zos ao brincar (43,7%).

Segundo Gisele, a violĂȘncia urbana e o enfrentamento bélico que acontece pelas forças de segurança pĂșblica e pelos trĂȘs grupos armados que disputam o território, afetam o processo de desenvolvimento das crianças, o acesso a polĂ­ticas pĂșblicas, a serviços essenciais para as famĂ­lias. "A gente acredita que esse diagnóstico ajuda a visibilizar (o problema), mas é preciso dar continuidade a esse trabalho, discuti-lo, para que a gente possa desumanizar essa situação. Porque não é justo que as crianças da Maré convivam com uma realidade distinta das demais crianças da cidade. Isso precisa ser olhado com o estranhamento que merece".

Uma das recomendações do relatório, no campo da segurança, é que deve haver a desnaturalização dos processos de violĂȘncia. A polĂ­tica de segurança pĂșblica conduzida no Rio de Janeiro deve ser reavaliada com urgĂȘncia, visando construir a promoção do cuidado com crianças na Maré e a elaboração de projeto de pesquisa para investigar e intervir sobre os impactos da violĂȘncia na saĂșde mental das crianças no território.

Educação

É preciso, também, ampliar o acesso aos espaços de desenvolvimento infantil (EDIs) e a creches, uma vez que as polĂ­ticas pĂșblicas voltadas para a primeira infância são insuficientes para o volume da demanda no território, apontou Gisele. "Tem que ampliar de maneira estruturante o acesso à saĂșde, educação, assistĂȘncia social, entre outros. A gente tem que garantir que os espaços pĂșblicos estejam adequados para a presença das crianças". Isso envolve não só o enfrentamento da questão da violĂȘncia de maneira adequada, mas também levar em conta o carĂĄter prioritĂĄrio que as crianças tĂȘm, visando evitar que menores sejam mortos em confrontos.

Muitas famĂ­lias não conseguem vagas nas creches e EDIs e isso tem consequĂȘncias na organização e na dinâmica de vida dessas pessoas. As mulheres negras que, em sua maioria, são as pessoas que cuidam das crianças, se veem prejudicadas no campo dos direitos e outras possibilidades de vida, como o próprio acesso à educação, ao trabalho, à geração de renda. "Tem uma série de ações que ficam comprometidas quando se nega o direito dessas crianças às unidades". Na Maré, existem apenas seis creches municipais e 15 EDIs que não atendem à demanda das cerca de 15 mil crianças na primeira infância que hĂĄ no território, reforçou a assistente social.

Gisele chamou a atenção que os espaços pĂșblicos tĂȘm que ser adequados também para o atendimento a crianças com deficiĂȘncia ou que apresentem demandas no campo da saĂșde mental. Outro aspecto importante citado pela coordenadora é que a Maré é considerado bairro carioca desde 1994. "É o maior conjunto de favelas do Rio e a gente não tem, por exemplo, um Conselho Tutelar dentro desse território". O bairro carece também de um equipamento da assistĂȘncia social presente. Os que existem estão fora do território. Gisele destacou que sendo maior do que muitos municĂ­pios brasileiros, esse dado jĂĄ justificaria ter a presença forte e sistemĂĄtica de equipamentos do campo de proteção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes.

No campo dos direitos bĂĄsicos, mencionou a necessidade de acesso à infraestrutura, saneamento bĂĄsico, lazer, cultura e, também, ao transporte. "A gente não tem linhas do transporte pĂșblico circulando na Maré e isso dificulta de maneira determinante o acesso à cidade, às oportunidades de lazer, cultura e educação que o municĂ­pio oferece."

Cuidadores

As polĂ­ticas pĂșblicas devem considerar também as formas de cuidados adotadas pelas favelas e periferias, conforme demonstrado no relatório. HĂĄ uma predominância de mulheres cuidando das crianças na Maré: 94% dos cuidadores principais são mulheres (mães ou avós), sendo que 74,4% se autodeclaram pretas ou pardas e 68% tĂȘm entre 20 e 39 anos. Em 24% dos lares, a figura paterna (representada por pais, avô ou padrasto) inexiste no cotidiano da criança. "HĂĄ uma ausĂȘncia dos homens no processo de cuidados e também de sustento". De acordo com o relatório, a responsabilidade pelo sustento da casa é assumida por mulheres em 51,2% dos casos, enquanto figuras masculinas são responsĂĄveis em 44,7% dos lares. Em 32,8% dos domicĂ­lios, a renda familiar mensal é de até um salĂĄrio mĂ­nimo.

Gisele Martins defendeu também que as polĂ­ticas pĂșblicas olhem para isso de forma mais responsĂĄvel e menos moralista. "Porque, algumas vezes, a gente observa polĂ­ticas que querem incidir na forma como as famĂ­lias cuidam, como se houvesse padrões de cuidados". Sustentou que existem vĂĄrias formas de cuidados que tĂȘm de ser consideradas. "Cabe ao Estado garantir direitos, para que essa população possa fazer isso da maneira mais adequada. Mas o que a gente observa é que tem uma série de negligĂȘncias que vão aĂ­ se conformando de maneira histórica que tĂȘm de ser vistas."

SaĂșde

Na ĂĄrea da saĂșde, o relatório recomenda ampliar o atendimento, com mais unidades bĂĄsicas e especialidades médicas, viabilizando a realização de exames bĂĄsicos no interior das favelas; investir em programas e ações de formação nas ClĂ­nicas da FamĂ­lia da Maré para que recursos e estratégias comprovadamente eficazes no acompanhamento do desenvolvimento integral das crianças sejam validados, entre os quais estão a Caderneta da Criança e Brasileirinhos e Brasileirinhas SaudĂĄveis; apoiar a vigilância em saĂșde no território da Maré e sustentar as indicações de rastreamento que se fizerem necessĂĄrias.

O levantamento aponta que 96,7% das famĂ­lias afirmaram que filhos e netos possuem Caderneta da Criança e 92% usam esse instrumento principalmente para a vacinação. Entretanto, 64,6% declararam enfrentar algum tipo de dificuldade no acesso ao direito à saĂșde e a equipamentos pĂșblicos na Maré.

Outras indicações incluem reduzir a taxa de mortalidade neonatal e de crianças menores de cinco anos, através da expansão do acesso à saĂșde bĂĄsica, por meio da promoção dos cuidados adequados às gestantes e da oferta de vacinação completa para as crianças, entre outras.

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