PolĂ­cia levantamento

Estudo da PUC-PR mapeia violências contra pessoas em situação de rua

Por Agência Brasil

11/09/2023 às 12:04:42 - Atualizado hĂĄ
Foto: Reprodução internet

Um estudo desenvolvido na PontifĂ­cia Universidade Católica do ParanĂĄ (PUC-PR) analisou casos envolvendo violĂȘncia contra pessoas em situação de rua. Foram mapeados episódios ocorridos na Região Metropolitana de Curitiba, entre maio e novembro do ano passado. A maioria das ocorrĂȘncias envolveu violĂȘncia fĂ­sica.

O levantamento foi feito com base em denĂșncias coletadas pelo Observatório Estadual de Direitos Humanos da População em Situação de Rua do ParanĂĄ, criado em 2021 através da articulação de entidades sociais, grupos acadĂȘmicos e os conselhos profissionais de Psicologia e Serviço Social. No perĂ­odo analisado, ocorreram 30 casos. Cada um deles poderia envolver simultaneamente denĂșncias de diferentes formas de violĂȘncia.

A anĂĄlise dos dados foi realizada na dissertação de mestrado de Isabele Cristine Gulisz. Ela pondera: "destaca-se que esses nĂșmeros não condizem com a totalidade das ocorrĂȘncias, considerando os inĂșmeros casos de violações de direitos que ocorrem diariamente contra essa população, os quais, infelizmente, não chegam em sua maioria ao conhecimento do Observatório".

O professor da PUC-PR, Rodrigo Alvarenga, que orientou a pesquisa, chama atenção para o perfil mais recorrente dos denunciantes.

"A gente percebeu que a maior parte são pessoas que estavam na rua entre seis meses e um ano. Pelo empobrecimento, acabaram nessa situação e estão mais propensas também a denunciar. Porque, muitas vezes, uma pessoa que jĂĄ estĂĄ hĂĄ 10 ou 20 anos em situação de rua nem acredita mais na denĂșncia. JĂĄ desistiu de procurar os seus direitos."

A violĂȘncia fĂ­sica foi a mais denunciada, representando 22% do total. Em seguida, aparecem as denĂșncias de discriminação (18%), de violĂȘncia psicológica (18%), de negligĂȘncia (17%), e de violĂȘncia institucional (15%). Outras categorias somaram 10%. Dentro de violĂȘncia institucional, foram consideradas denĂșncias envolvendo abuso policial, abuso de autoridade, higienismo, retirada de pertences, descaso de atendimento, remoção forçada e superlotação de abrigos.

"Tem certas violĂȘncias relacionadas aos equipamentos pĂșblicos que a gente considera ser resultado da discriminação, da negligĂȘncia e da violĂȘncia institucional. Nos espaços de acolhimento sempre tem denĂșncia de muquirana e percevejo. As pessoas ficam todas picadas por insetos. Os responsĂĄveis por esses espaços falam que a dedetização estĂĄ em dia, mas hĂĄ um problema meio generalizado que leva as pessoas, mesmo numa cidade fria como Curitiba, a não aceitar ir para uma unidade de acolhimento nem no inverno", exemplifica Alvarenga.

Foram constatados ainda que cinco casos envolveram mortes de pessoas em situação de rua. Em trĂȘs deles, as causas não foram identificadas. Um envolveu um crime de homicĂ­dio, mas o estudo não obteve informações do agressor. O outro caso, a suspeita é de hipotermia. Segundo a denĂșncia que chegou ao Observatório Estadual de Direitos Humanos da População em Situação de Rua do ParanĂĄ, a vĂ­tima teve os seus pertences tomados pela Guarda Municipal dois dias antes.

"Na noite do óbito os termômetros apontavam para 6ÂșC e a vĂ­tima foi supostamente encontrada em posição fetal, tentando manter a temperatura do corpo", registra o estudo.

A atuação da Guarda Municipal também é citada em anĂĄlise feita sob um ângulo racial. Ela aparece como a principal autora de violações contra homens pretos em situação de rua. Considerando todos os 30 casos mapeados, 47% das vĂ­timas foram pessoas pardas, 41% pretas e 12% brancas.

"Me parece que o mais importante, para nós enquanto grupo de pesquisa, é perceber que as violações de direitos humanos que ocorrem de forma sistemĂĄtica não são exatamente abusos de um guarda municipal ou um policial em particular. São abusos que ocorrem em função do tipo de operação designada pelo poder pĂșblico com relação à população em situação de rua. Então os servidores pĂșblicos ou os próprios guardas são empurrados para fazer uma tarefa que é higienista. Acabam sendo designados para remover pessoas e essa questão da remoção forçada é um dos principais problemas, porque é uma violação de direitos", diz Rodrigo Alvarenga.

Segundo ele, as violações são praticadas muitas vezes com a participação de responsĂĄveis pela assistĂȘncia social. Ele diz que, não apenas na região metropolitana de Curitiba como em diversas cidades do Brasil, hĂĄ relatos de iniciativas higienistas conduzidas por quem deveria zelar pelos direitos dessa população.

"São operações que seriam de abordagem social e limpeza da cidade, mas na prĂĄtica se trata de remover as pessoas em situação de rua de locais que são pĂșblicos e dos cartões-postais da cidade", lamenta Alvarenga.

Exclusão

Em sua dissertação, Isabele observa que direitos fundamentais e humanos da população em situação de rua são constantemente negados e violados, mantendo-os excluĂ­dos e marginalizados pela sociedade em geral. Essas pessoas também são usualmente tachadas como indivĂ­duos criminosos, vagabundos e perigosos. No entanto, são elas que se veem constantemente em situação de perigo, risco e vulnerabilidade, estando sujeitas a diferentes formas de violĂȘncia: fĂ­sica, sexual, psicológica, patrimonial, institucional, etc.

Isabele também chama a atenção que o problema dessas pessoas que chegam à situação de rua é multifacetado, pois elas concentram simultaneamente vulnerabilidades sociais, psicológicas, fĂ­sicas, emocionais e econômicas. No entanto, são frequentemente responsabilizadas por sua condição, a partir de discursos que as culpabilizam.

Geralmente enfrentam a falta de possibilidades reais de oferta de recursos e polĂ­ticas pĂșblicas que auxiliem no processo de superação da situação de rua. A pesquisadora também observa que a violĂȘncia contra as pessoas em situação de rua é naturalizada pela sociedade.

"Compreender as formas de violĂȘncia que afetam a população em situação de rua contribui não somente para dimensionar o problema e pensar em possĂ­veis soluções pontuais e individuais, mas também auxilia na criação de espaços de discussão sobre a cidade, os direitos, as desigualdades, a justiça e a própria sociedade."

Retrato Nacional

Para analisar a situação de forma mais aprofundada, o estudo também reuniu dados de outros levantamentos. Segundo uma pesquisa realizada em 2018 na Universidade Federal do ParĂĄ (UFPA), o Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Material ReciclĂĄvel (CNDDH) registrou entre 2010 e 2014 cerca de 2,5 mil denĂșncias recebidas em todo o paĂ­s envolvendo violações de direitos, como agressões, assassinatos, abuso de autoridade e de instituições.

Também neste mapeamento, a violĂȘncia fĂ­sica apareceu como a mais denunciada, representando 34,4% do total, seguida da violĂȘncia institucional, em 24,1%. A negligĂȘncia apareceu em 16,3% das denĂșncias e a violĂȘncia psicológica em 16,1%. Foi registrado ainda um total de 327 casos de homicĂ­dios de pessoas em situação de rua em 2013 e 248 casos em 2014.

Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinam), gerido pelo Ministério da SaĂșde, reforçam esse quadro. Ele mostra que, entre 2015 e 2017, foram registrados no paĂ­s 17.386 atendimentos de casos de violĂȘncia motivada em razão da condição de situação de rua da vĂ­tima.

Em relação às formas de violĂȘncia, a de maior predominância nos registros foi a fĂ­sica, com 92,9%. Posteriormente aparecem a violĂȘncia psicológica e moral com 23,2% e a violĂȘncia sexual com 3,9%. Sobre os autores da violĂȘncia, desconhecidos foram os principais acusados, com 34,9%, seguido de amigos ou conhecidos, com 31,5% dos casos. No recorte racial, pessoas negras foram alvos mais frequentes, com 54,8%.

Covid-19

A população em situação de rua cresceu na Ășltima década em um ritmo muito superior ao crescimento vegetativo da população brasileira. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), saiu de 90.480 em 2012 para 281.472 em 2022. Um aumento de 211%. Considerando apenas os trĂȘs Ășltimos anos dessa série, entre 2020 e 2022, houve um salto de quase 67 mil novas pessoas em situação de rua.

Este Ășltimo perĂ­odo engloba a crise sanitĂĄria decorrente da disseminação mundial da covid-19. No ano passado, como parte do desenvolvimento do estudo, Rodrigo Alvarenga e Isabele Cristine Gulisz publicaram em conjunto um artigo cientĂ­fico chamando atenção para violações de direitos durante a pandemia. Eles observaram que o isolamento social e as medidas de segurança adotadas para proteger a população não foram acompanhadas de ações que minimizassem os impactos sofridos pelas pessoas em situação de rua.

O artigo analisa em destaque o contexto de Curitiba, onde o caso foi parar na Justiça. Uma ação foi movida pela Defensoria PĂșblica do ParanĂĄ para exigir que o municĂ­pio garantisse direitos bĂĄsicos durante a pandemia, tais como acesso a serviços pĂșblicos e vagas suficientes em unidades de acolhimento.

"Sem ĂĄgua e banheiros pĂșblicos para realização de sua higiene pessoal e hidratação, com restaurantes populares e comércios fechados, sem itens de segurança como mĂĄscaras, luvas ou ĂĄlcool gel, a vida de quem se encontra em situação de rua tornou-se rapidamente sacrificĂĄvel. Expostos à contaminação, sede, fome e abandono do poder pĂșblico, a vulnerabilidade em face da repressão e violĂȘncia policial se intensificaram", escreveram.

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