PolĂ­tica Economia

Concurso do Senado restringe vagas que podem ser disputadas por negros

Por Notícias AO Minuto

12/04/2023 às 09:00:27 - Atualizado hĂĄ
Notícias AO Minuto

A lei de cotas em concursos pĂșblicos -aprovada em 2014 pelo Congresso- reserva 20% das vagas para candidatos negros, mas afirma que eles disputam as vagas reservadas e as de ampla concorrĂȘncia ao mesmo tempo.

Assim, de acordo com a lei, candidatos pretos e pardos que tĂȘm nota para serem aprovados pela lista geral do concurso, dentro do nĂșmero de vagas oferecidas à ampla concorrĂȘncia, devem ser excluĂ­dos da lista de cotas.

A partir do Ășltimo concurso feito pelo Senado, no segundo semestre do ano passado, 42 pessoas foram convocadas para o cargo de analista legislativo com especialidade em administração.

A Educafro afirma, no entanto, que, dos 8 negros nomeados, apenas 2 precisariam realmente das cotas raciais; os outros 6 jĂĄ estariam classificados de qualquer maneira.

A entidade diz assim que, na prĂĄtica, o Senado transformou o piso de 20% de vagas reservadas para negros em um teto, e fez com que o critério inclusivo se tornasse "critério de exclusão".

Em resposta ao questionamento da Educafro, a Advocacia do Senado elaborou um parecer de 32 pĂĄginas em que defende que a nomeação foi feita corretamente, seguindo a lei de cotas.

No documento, o Senado afirma que a lei não traz "de forma especĂ­fica o procedimento a ser observado para a realização das nomeações" e que, por isso, é preciso "obter a interpretação mais harmônica ao sistema".

Assim, para cumprir o mĂ­nimo de 20% de negros, a Advocacia diz que a comissão do concurso decidiu convocar um negro a cada trĂȘs vagas.

Com isso, candidatos pretos e pardos que tinham nota para entrar sem o sistema de cotas acabaram excluĂ­dos da lista de ampla concorrĂȘncia -o que, consequentemente, fez com que candidatos que efetivamente poderiam ser convocados dentro do percentual de 20% fossem preteridos.

O Senado argumentou ainda que o sistema é mais benéfico para os candidatos negros porque a ordem de nomeação do funcionĂĄrio pĂșblico é incorporada à ficha funcional e, futuramente, pode ser usada como critério de desempate.

"Na hipótese de o candidato ter logrado ĂȘxito na classificação de ampla concorrĂȘncia e, simultaneamente, na classificação de candidatos negros, observar-se-ĂĄ, no momento da convocação (nomeação) a regra que melhor lhe beneficiar", escreveu a comissão examinadora.

No caso concreto, o primeiro candidato negro aprovado estava na 10ÂȘ posição da lista geral. Com o entendimento do Senado, ele foi o 3° a ser convocado, mas pela reserva de cotas. Um dos problemas, segundo a Educafro, é que o candidato jĂĄ seria chamado independentemente da lei (assim como outros 5 que estavam nas posições de nĂșmeros 14, 24, 28, 30 e 31).

Desde a nomeação, candidatos que se sentem prejudicados tĂȘm acionado a comissão examinadora do concurso pĂșblico, sem sucesso. Agora, a Educafro tenta a intervenção do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da mesa diretora.

No documento, assinado pelos advogados Irapuã Santana e Felipe Monnerat Solon de Pontes, a entidade afirma que o exemplo usado pelo Senado (de trĂȘs vagas) é diferente do caso concreto, e diz que a aplicação da lei é singela.

"Na prĂĄtica, as longas explicações da comissão [examinadora] e da Advocacia apenas evidenciam o duplo twist carpado hermenĂȘutico -na feliz expressão do ministro Ayres Britto- que transformou a cota de 20% de vagas reservadas em verdadeiro teto, impossibilitando que mais candidatos negros viessem a se inserir nos quadros desta Casa."

Os advogados argumentam ainda que, mesmo que a lei desse margem para o entendimento da comissão examinadora (o que, segundo eles, não é caso), o Senado deveria adotar a interpretação mais benéfica aos candidatos negros porque a intenção da lei é aumentar o nĂșmero de pretos e pardos no funcionalismo.

"Ora, entre 2 (duas) interpretações possĂ­veis da norma, por óbvio deve ser adotada aquela que melhor atende à sua finalidade inclusiva e aos princĂ­pios constitucionais que dão fundamento de validade à polĂ­tica pĂșblica de inclusão criada pelo Congresso Nacional", dizem.

Ciente do impasse, o primeiro-secretĂĄrio da mesa diretora, senador Rogério Carvalho (PT-SE), pediu um parecer à consultoria legislativa do Senado.

No documento, assinado em 15 de março e obtido pela reportagem, a consultoria do Senado reforçou o entendimento da Educafro e afirmou que a lei de cotas não precisa ser aperfeiçoada, mas apenas cumprida.

No parecer, a consultoria ressalta que o objetivo maior da legislação é ampliar o nĂșmero de servidores e empregados pĂșblicos negros, e afirma que nenhuma interpretação "que conduza à redução do mĂĄximo nĂșmero possĂ­vel de candidatos negros nomeados deve ser admitida".

"No pior dos cenĂĄrios, sob a ótica da construção de uma sociedade inclusiva e plural, ao menos 20% das vagas seriam ocupadas por negros, na hipótese de nenhum candidato negro ser aprovado nas vagas destinas à ampla concorrĂȘncia", diz.

"Felizmente não é isso que temos observado. Tem crescido de forma significativa o nĂșmero de candidatos negros aprovados nas vagas destinadas a ampla concorrĂȘncia, como demonstra o resultado do concurso pĂșblico do Senado Federal 2022/2023", conclui.

Para resolver o impasse, a Educafro propõe que o Senado cancele a nomeação de seis candidatos não cotistas ou convoque mais candidatos cotistas -o que obedeceria a proporção definida em lei.

Na manifestação enviada ao presidente do Senado, a Educafro ressalta que prefere essa alternativa "uma vez que o objetivo de todos é a inclusão de pretos ou pardos, e não a exclusão de quem quer que seja".

O presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Distrito Federal, Beethoven Nascimento de Andrade, afirma que o Senado desvirtuou a polĂ­tica afirmativa e reduziu o acesso de negros.

"O que se percebe é um desvirtuamento da polĂ­tica afirmativa, a pretexto da benevolĂȘncia da banca avaliadora em lançar os candidatos em 'melhores' posições, o que soa absurdo", diz à Folha.

"Ao agir assim, a banca de avaliação não apenas desvirtua a polĂ­tica de cotas, mas lança ao limbo toda a luta inclusiva, pois passa a informação à sociedade de que negros possuem 'vagas especiais' exclusivas para negros, o que jĂĄ é uma quimera social aos que desconhecem e atuam contra polĂ­ticas afirmativas."

Procurado pela reportagem, o Senado afirmou que "cumpre integralmente a legislação referente a cotas para candidatos negros e pessoas com deficiĂȘncia" e que o parecer da Advocacia "corroborou o entendimento adotado pela administração".

"Quanto à nomeação dos candidatos do atual concurso, o Senado Federal cumpriu todas as disposições normativas relacionadas à matéria, não podendo prosperar a alegação de que houve erro na convocação dos aprovados", disse em nota.

O Senado também enviou o documento elaborado em resposta à Educafro e destacou o trecho em que diz que a metodologia usada "garante maior estabilidade e previsibilidade à lista de nomeação, concretizando-se os princĂ­pios da isonomia e impessoalidade".

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