PolĂ­tica

Advogados de agressores anexam fotos de vítimas de estupro usando biquíni, e defensoras denunciam 'violência simbólica' e falta de ética

Por G1

17/02/2023 às 05:56:06 - Atualizado hĂĄ
Divulgação/Agência Câmara de Notícias

Advogadas criminalistas de São Paulo que atuam na defesa de vĂ­timas de violĂȘncia sexual e de gĂȘnero denunciam que advogados de acusados tĂȘm anexado fotos das mulheres vestidas de biquĂ­ni em processos penais com o objetivo de descredibilizar as vĂ­timas.

"A finalidade argumentativa dessas fotos era dizer que a vĂ­tima não parecia suficientemente triste, deprimida, com estresse pós-traumĂĄtico por ter postado fotos de biquĂ­ni", apontou Maira Pinheiro, advogada criminal e dos direitos das mulheres.

A defensora conta que, na Ășltima semana, atuou em trĂȘs casos de violĂȘncia contra a mulher — sendo dois de estupro e um de lesão corporal e cĂĄrcere privado — em que a defesa dos agressores utilizou essa mesma linha de defesa.

Lidando com processos muito similares, a advogada Ana Paula Braga, advogada especializada em direitos das mulheres, disse que hĂĄ uma tentativa de construir um pensamento de que determinadas condutas devem ser tratadas como abuso de prerrogativa da defesa, mas que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) resiste em aceitar a tese.

"Tem que fortalecer institucionalmente para que a OAB também oriente os advogados, faça essa capacitação em gĂȘnero para que esse tipo de postura não seja mais adotado e visto como natural e permissivo, porque o direito de defesa é amplo, mas não é absoluto", destacou.

Em nota, a OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil da secional São Paulo) disse que "casos que violem condutas éticas devem ser direcionados ao TED (Tribunal de Ética e Disciplina) da entidade, onde serão apurados sob sigilo, e eventualmente aplicadas as sanções cabĂ­veis".

Se provocado, o juiz de cada caso deve definir se a defesa agiu de mĂĄ-fé ou não em sua tese. O MP também pode se manifestar para que a dignidade da mulher não seja violada.

ViolĂȘncia simbólica e slut-shaming

Para Maira, a conduta adotada pelos advogados dos supostos agressores configura violĂȘncia simbólica, que seria um tipo de assédio judicial por meio de tĂĄticas abusivas, com "traços de violĂȘncia de gĂȘnero".

Ao g1, ela afirmou que foi a defesa "mais suja" que viu na carreira e que a linha argumentativa adotada se baseia na prĂĄtica do slut-shaming:

"É uma estratégia de descredibilizar a vĂ­tima a partir de uma lógica de duplo padrão moral, em que a mulher, a partir do momento em que se situa na dicotomia entre santa e promĂ­scua, qualquer coisa que ela tenha a dizer tem menos credibilidade. Nada tem a ver com os fatos em discussão."

"Isso surge para comprovar, entre muitas aspas, que a alegação da vĂ­tima sobre o abalo emocional em consequĂȘncia da violĂȘncia é falsa, jĂĄ que ela estaria ótima — também entre aspas — postando foto de biquĂ­ni", explicou.

No meio da advocacia criminal, segundo Maira, hĂĄ uma corrente que acredita que "o ĂĄpice da democracia é que vale tudo no exercĂ­cio da defesa", mas a advogada não vĂȘ desta forma.

Em janeiro deste ano, a atriz Luana Piovani afirmou que o ex-marido, o surfista Pedro Scooby, abriu um processo contra ela em Portugal e incluiu na ação fotos em que a ex-mulher aparece nua.

"Eu cheguei aqui [em Portugal] no começo da semana e tinha um processo aqui. Ou seja, o Pedro abriu um processo contra mim, e marcou uma audiĂȘncia na semana que vem. Ele estĂĄ querendo me calar", diz ela em vĂ­deo publicados nas redes sociais.

Conduta ilegal ou antiética?

Apesar de entender que a prĂĄtica é antiética, Maira Pinheiro avalia que a conduta ainda não é considerada essencialmente ilegal e que hĂĄ espaço para mudanças:

"Assim como o Supremo Tribunal Federal proibiu o uso da legĂ­tima defesa da honra em casos de feminicĂ­dio enquanto tese de defesa legĂ­tima no jĂșri, certas estratégias que configuram violĂȘncia simbólica deveriam ser vedadas e sujeitas a sanções éticas. Entendo que hĂĄ litigância de mĂĄ-fé, mas nunca vi ninguém ser multado por isso."

Silvia Chakian, promotora de Justiça de Enfrentamento à ViolĂȘncia contra a Mulher do Ministério PĂșblico de São Paulo, argumenta que a tĂĄtica de defesa adotada pelos advogados dos supostos agressores é inaceitĂĄvel:

"É um absurdo, não pode ser admitido. É uma forma de violĂȘncia institucional. No processo penal, o réu tem direito à defesa, mas essa defesa não é ilimitada. O limite é a dignidade dessas mulheres e precisa ser respeitado".

Chakian explica que, quando se estĂĄ diante de uma acusação de violĂȘncia de gĂȘnero ou sexual, a estratégia da defesa é tentar descredibilizar a denĂșncia e a palavra da vĂ­tima, concentrando-se em trĂȘs pontos principais:

Negar que o crime aconteceu;

Dizer que a culpa não foi do acusado, "que a relação foi consentida ou que a mulher, de certa forma, quis ou pareceu querer";

E dizer que o fato "não foi tão grave assim, que não foi relevante, como forma de minimizar e até normalizar um comportamento que é violĂȘncia".

"VocĂȘ vai ver essas estratégias absurdas de tentativa de enquadramento do comportamento da vĂ­tima como se houvesse um padrão esperado para uma mulher que sofre uma violĂȘncia dessa natureza para que ela seja considerada uma "verdadeira vĂ­tima"", disse ela.

"Como se, por exemplo, todas as mulheres que sofrem um trauma dessa natureza tivessem que reagir da mesma maneira. Isso é um absurdo, porque o trauma é uma experiĂȘncia Ășnica. A gente não pode admitir que essas mulheres sejam vĂ­timas de novas violĂȘncias quando elas estão buscando justiça, que é o que estĂĄ acontecendo", completou.

Para Silvia, a prĂĄtica também é antiética e, além disso, pode configurar violĂȘncia institucional — revitimização, violĂȘncia psicológica, danos emocionais.

"O Ministério PĂșblico, que tem conhecimento desses fatos, deve buscar que esse tipo de prova não seja juntado no processo e que a dignidade dessas mulheres não seja violada."

Segundo Silvia, cabe ao Ministério PĂșblico, nesse tipo de caso, pedir primeiro a retirada imediata do processo de imagens da vĂ­tima ou outras provas que não tenham relevância ou pertinĂȘncia com a acusação. "Porque não interessa foto de biquĂ­ni, imagem da vĂ­tima em situação de lazer pós denĂșncia, isso não autoriza absolutamente ninguém a fazer ilações discriminatórias ou que revitimizem a vĂ­tima", reforça.

"Um eventual descumprimento pode ensejar até violĂȘncia institucional e crime contra a honra por parte da defesa do acusado. O MP deve requerer a aplicação do artigo 400-A da Lei Mariana Ferrer, 14.245/21, que trata da responsabilidade do JuĂ­zo em evitar prĂĄticas dessa natureza, que atentem contra a dignidade da mulher vitima de violĂȘncia", afirma a promotora.

"O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de GĂȘnero [do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)] tem é um instrumento fundamental, importante, que a gente precisa avançar na implementação porque ele precisa ser de conhecimento de todos, precisa ser aplicado. É da responsabilidade de todos que integram o sistema de Justiça observar os termos do protocolo. Não é só do promotor, não é só do juiz, é também do advogado que defende o réu."

O protocolo em questão é a Recomendação CNJ n. 128/2022, que orienta a magistratura a compreender a perspectiva de gĂȘnero para superar estereótipos e preconceitos em seus julgamentos.
Fonte: G1
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