As crĂticas globais levaram a China a divulgar novos e mais amplos dados relacionados à Covid-19. Com isso, houve um gigantesco aumento no nĂșmero de mortes em função da doença, totalizando quase 60 mil casos somente desde o mĂȘs de dezembro de 2022, quando o governo encerrou abruptamente a radical polĂtica Zero Covid em todo o paĂs. As informações são da agĂȘncia Reuters.
Para se ter ideia do que a mudança de abordagem significa, o governo chinĂȘs relatava pouco mais de cinco mil mortes por Covid ao longo de toda a pandemia. Pelo novo critério, semelhante ao adotado na maioria dos paĂses, Beijing passou a considerar também as mortes por uma combinação do coronavĂrus com outras doenças. Antes, somente vĂtimas de insuficiĂȘncia respiratória ou pneumonia eram consideradas.
Jiao Yahui, chefe do escritório de administração médica da Comissão Nacional de SaĂșde (NHC, na sigla em inglĂȘs), disse no sĂĄbado (14) que 59.938 pessoas morreram por problemas ligados à Covid-19 entre 8 de dezembro de 2022 e 12 de janeiro de 2023. Dessas mortes, 5.503 foram causadas por insuficiĂȘncia respiratória ou pneumonia somente neste perĂodo, o que evidencia a imprecisão dos nĂșmeros anteriores.
Ainda assim, os novos nĂșmeros podem continuar subnotificados. No final do ano passado, a empresa britânica de anĂĄlise de dados de saĂșde Airfinity divulgou uma estimativa segundo a qual cem mil pessoas teriam morrido devido à doença em dezembro. E afirmou que o pico do surto ocorreria em 23 de janeiro, com 25 mil mortes diĂĄrias. Até abril deste ano, 1,7 milhão de pessoas morreriam de Covid na China.
A discrepância entre os dados levou a Organização Mundial da SaĂșde (OMS) a contestar publicamente os as autoridades chinesas. "Existem algumas lacunas de informações muito importantes que estamos trabalhando com a China para preencher", disse na semana passada Maria Van Kerkhove, lĂder técnica de Covid-19 na agĂȘncia.
Junto dos novos nĂșmeros, o governo chinĂȘs divulgou também que o pico do surto jĂĄ passou. Mais uma vez, esse otimismo contraria a anĂĄlise da Airfinity, segundo a qual o paĂs tem por volta de 23 mil mortes por dia atualmente, de acordo com a revista Newsweek. No total, enquanto Beijing fala em 60 mil mortes desde dezembro, a empresa britânica calcula cerca de 584 mil.
A fim de entender melhor a situação no paĂs asiĂĄtico, a OMS pediu que "esse tipo de informação detalhada continue a ser compartilhada conosco e com o pĂșblico". E retomou um tema espinhoso ao destacar "a importância da cooperação e transparĂȘncia mais profundas da China na compreensão das origens da pandemia de Covid-19".
Em julho do ano passado, Beijing disse que não autorizaria a OMS a empreender uma nova investigação sobre a origem da doença, pedido feito à época pelo diretor-geral do órgão, Tedros Ghebreyesus. "Não aceitaremos tal plano de rastreamento de origens, pois, em alguns aspectos, desconsidera o bom senso e desafia a ciĂȘncia", disse na ocasião Zeng Yixin, vice-ministro da NHC.
O atual surto de Covid na China começou no final de novembro e piorou a partir de 7 de dezembro, quando o governo suspendeu subitamente os radicais bloqueios antes impostos à população para controlar a propagação da doença, a polĂtica Zero Covid.
Entre as medidas de flexibilização, doentes assintomĂĄticos ou com sintomas leves são autorizados a se isolar em casa, não mais em instalações do governo. Testes de PCR e o aplicativo de monitoramento de saĂșde deixaram de ser obrigatórios para acessar locais pĂșblicos. JĂĄ os bloqueios de rua, que antes atingiam distritos inteiros, agora são menores, concentrados em andares ou edifĂcios especĂficos.
Um dos problemas do afrouxamento das medidas é o fato de que os cidadãos ficaram trancados durante muito tempo, o que reduziu entre os chineses a imunidade natural encontrada em outros paĂses. Aumenta a preocupação a baixa taxa de vacinação entre os idosos, sendo que apenas 40% das pessoas a partir dos 80 anos receberam a terceira dose da vacina.
O governo chinĂȘs também não aprovou o uso no paĂs de nenhuma vacina produzida no exterior, limitando seus cidadãos à inoculação com os imunizantes da Sinovac e da Sinopharm. Para especialistas, porém, o nĂvel de imunidade fornecida pelas vacinas da China é mais baixo que o das ocidentais, que usam a tecnologia de RNA mensageiro, mais moderna.
Um estudo publicado em dezembro pela revista de medicina Lancet em Singapura mostra que as vacinas chinesas, que usam a tecnologia do vĂrus inativado, mais antiga que a do RNA mensageiro, levam a uma probabilidade quase duas vezes maior de o indivĂduo inoculado desenvolver Covid-19 grave.