PolĂ­tica

Marcos Lisboa afirma: Brasil está no meio de uma crise severa

Por Bem Paraná

02/01/2023 às 05:15:45 - Atualizado hĂĄ
Bem Paraná

Um dos principais nomes da ĂĄrea econômica do primeiro governo Lula, Marcos Lisboa avalia que o Brasil estĂĄ no caminho de uma nova crise severa se o governo não adotar um "freio de arrumação". Na leitura dele, o PaĂ­s lida com um cenĂĄrio preocupante de descontrole de gastos pĂșblicos e enfraquecimento das regras fiscais.

"Eu temo que, talvez, a gente tenha que enfrentar uma nova grave crise para poder começar a superar os problemas que estão sendo construĂ­dos", afirma Lisboa, hoje presidente do Insper.

Entre 2003 e 2005, Lisboa ocupou o cargo de secretĂĄrio de PolĂ­tica Econômica no ministério então liderado por Antonio Palocci. Ele descreve a sua participação no governo petista da época mais como um "acidente do que uma intenção".

"Agora estĂĄ se fazendo uma aposta em uma certa visão de mundo de que o papel da polĂ­tica pĂșblica é apoiar e estimular investimento – pĂșblico e privado -, que isso vai gerar crescimento econômico e que, com o crescimento, a conta serĂĄ paga. É uma aposta feita sem muita evidĂȘncia", critica.

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

O que mudou no cenĂĄrio econômico desde que Lula deixou a presidĂȘncia e que ele precisa prestar atenção?

A partir de 2008, o Brasil apostou naquela agenda de estimular o investimento com subsĂ­dios e direcionamentos. O PaĂ­s ficou mais protegido, com maior concessão de benefĂ­cios para alguns setores. O resultado foi um baixo crescimento e uma crise fiscal que hoje é mais grave do que hĂĄ 20 anos. Mas aĂ­ teve um ponto de melhora e vĂĄrios agravantes. O de melhora é que, com a grave crise que começou em 2014, o PaĂ­s resolveu adotar algumas reformas importantes: reforma trabalhista, redução de subsĂ­dios ao setor privado, marco legal do saneamento, reforma da PrevidĂȘncia.

Qual foi o aspecto de piora?

O aspecto trĂĄgico do Brasil é, que quando as coisas começam a melhorar, a gente anda para trĂĄs. O PaĂ­s teve dois anos de pandemia, e a economia reagiu melhor do que o esperado, mas, na sequĂȘncia disso, veio uma quantidade impressionante de retrocessos. Eu e o (economista) Marcos Mendes sistematizamos 42 medidas que foram aprovadas nos Ășltimos dois anos, sendo 12 delas emendas constitucionais, como colocar semicondutor com proteção na Constituição, auxĂ­lio-taxista, auxĂ­lio-caminhoneiro, proteção para etanol, distribuição de benefĂ­cios. Isso é jogar dinheiro da sociedade no mar para beneficiar alguns.

VĂȘ o novo governo preocupado com essa questão?

A bancada da esquerda, e do PT em particular, votou a favor de vĂĄrias dessas medidas. A esquerda e a direita no Brasil votaram a favor da retomada dessa agenda patrimonialista. Votaram pelo orçamento secreto, votaram para garantir benefĂ­cios para grupos de interesse. Esquerda e direita no Brasil são muito mais parecidas do que as pessoas imaginam.

O sr. participou do primeiro governo Lula. O que o fez participar naquele momento e o que tem de diferente agora?

Aquele momento foi mais um acidente do que uma intenção. O Brasil vivia um momento difĂ­cil, uma crise de confiança grave, taxa de juros alta, prĂȘmio de risco alto, dĂ­vida razoavelmente elevada. Fiquei muito surpreso com o convite para trabalhar naquele governo, mas havia uma agenda. Houve um acordo sobre uma agenda – diferente da esperada -, liderada pelo ministro (Antonio Palocci). A gente começou com um ajuste fiscal forte. O Banco Central teve autonomia para conduzir a polĂ­tica monetĂĄria. Isso gerou dificuldades no curto prazo, mas a economia voltou para o eixo e, em seis meses, as coisas estavam indo bem. Tinha uma série de propostas que tecnicamente não paravam em pé, como o Fome Zero. Elas fracassaram, mas o pragmatismo do presidente entrou em ação. Ele falou: "Se o que o pessoal que me acompanha hĂĄ tanto tempo propôs deu errado, vamos pensar diferente". E aĂ­ a ideia de focalizar a polĂ­tica social e criar o Bolsa FamĂ­lia – que foi tão criticado pela esquerda – parou em pé. Acho que foi mais fruto das circunstâncias e de algumas pessoas que foram muito importantes naquele perĂ­odo, que convidavam ao diĂĄlogo, como o Luiz Gushiken (ministro da Secretaria de Comunicação do governo Lula, morto em 2013). Com a Casa Civil (à época comandada por José Dirceu), havia uma conversa construtiva.

Falta esse pragmatismo agora e pessoas como Gushiken?

Agora estĂĄ se fazendo uma aposta em uma certa visão de que o papel da polĂ­tica pĂșblica é apoiar e estimular investimento – pĂșblico e privado -, que isso vai gerar crescimento econômico e que, com o crescimento, a conta serĂĄ paga. É uma aposta feita sem muita evidĂȘncia. Pelo contrĂĄrio: que projetos grandes iniciados em 2008, 2009 e 2010 deram certo? Ferrovias, a grande Petrobras que iria virar uma das maiores empresas do mundo, a indĂșstria naval? O que deu certo daquilo? É uma visão complicada de polĂ­tica pĂșblica, porque ela vem com uma narrativa que não se preocupa muito em ter evidĂȘncias. Acho que é preocupante e que não estão atentando para as repercussões disso. O Brasil é um paĂ­s que tem uma volatilidade imensa hĂĄ algumas décadas. Isso custa crescimento. Essa irresponsabilidade com a polĂ­tica pĂșblica tem um custo social imenso.

A gente pode viver um baixo crescimento com esse cenĂĄrio?

A gente estĂĄ vivendo um baixo crescimento hĂĄ mais de 40 anos exatamente por essas oscilações, por mudanças bruscas de regra. Como é que não conseguimos ter uma governança das estatais? Como se aprova mudança nas estatais em algumas horas, sem debate pĂșblico? Qualquer discussão de polĂ­tica pĂșblica deveria ter um protocolo.

Acha que isso terĂĄ continuidade?

Isso estĂĄ tendo continuidade, porque a esquerda apoiou essa agenda. Essa agenda não gerou divergĂȘncia entre a esquerda e a direita no Brasil. VocĂȘ promete desenvolvimentismo e o que entrega é o velho patrimonialismo brasileiro de grupos de interesse abocanhando nacos do Estado.

Em relação ao incentivo do Estado para investimento, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a polĂ­tica monetĂĄria é a que vai impulsionar a economia. Como vĂȘ essa sinalização?

Sinalizar no discurso que não acha que é o gasto (pĂșblico) que vai impulsionar a economia é um bom sinal. Seria melhor se fosse acompanhado na prĂĄtica. (É preciso) dizer: "A gente tem de cuidar do social. Vamos apoiar um Bolsa FamĂ­lia melhor e, por isso, vamos reduzir subsĂ­dios daqui e dali, cortar despesas e falar para o JudiciĂĄrio que não dĂĄ para ter mais aumento agora." Se o discurso casasse com a prĂĄtica, seria um avanço.

O sr. chamou o Haddad para ser professor no Insper. O que o chamou atenção nele?

No Insper, as decisões são colegiadas. Fernando Haddad tem um histórico acadĂȘmico, foi prefeito, foi candidato a presidente, tem um conhecimento e uma vivĂȘncia de polĂ­tica pĂșblica que qualquer boa universidade do mundo acolhe. Isso ajuda até na formação de novos gestores: quais foram os problemas que vocĂȘs enfrentaram? Qualquer boa universidade faz isso com pessoas que foram relevantes na polĂ­tica pĂșblica e no setor privado.

Mas como o sr. o vĂȘ como profissional?

Não falo de pessoas.

E sobre a estratégia de Ministério? Parece querer repetir o que foi feito antes: um polĂ­tico no comando e nomes técnicos embaixo. Isso é capaz de ser refeito?

Eu vou discutir agenda. O dia em que tiver uma agenda estruturada, um diagnóstico com evidĂȘncia empĂ­rica e propostas concretas, aĂ­ a gente discute. Fora isso, é cair na conversa fĂĄcil. O que é relevante é saber qual reforma tributĂĄria vai apoiar. Vai ser a PEC 45? Ótimo.

Se fala na possibilidade de misturar a PEC 45 e a 110. Como vocĂȘ vĂȘ essa possibilidade?

Qualquer mistura com a PEC 110 só piora a reforma. A PEC 110 começa com uma série de exceções, de casos particulares, regimes especiais, tributação diferenciada. Temo que o que a gente assistiu nos dois Ășltimos anos é, de fato, um Congresso muito sensĂ­vel a grupos de pressão. O setor de serviços vai aceitar pagar imposto como todo mundo?

O que falta para o PaĂ­s? Parlamentar preocupado com a polĂ­tica pĂșblica ou o governo apontar qual é a agenda?

Foi um descaminho institucional imenso na Ășltima década. Eu acho que o fracasso da polĂ­tica no Brasil 10 anos atrĂĄs – um pouco mais -, com um governo muito incompetente tecnicamente e na polĂ­tica?

O sr. se refere ao governo Dilma?

Sim. Era uma agenda incrivelmente atrapalhada, ineficaz, de pouco diĂĄlogo e tecnicamente superficial. Naquela época, o Congresso foi se apropriando dos poderes do Executivo. Começou com a emenda individual impositiva, veio a emenda de bancada e culminou nessa coisa inacreditĂĄvel que o Brasil inventou, que é a emenda de relator. O Executivo ficou mais fraco. Na Ășltima eleição, foi impressionante como o Congresso se apropriou de verbas. Com o fundo eleitoral, por exemplo, tem de explicar para o estrangeiro que o Brasil dĂĄ US$ 1 bilhão para os partidos disputarem a eleição, fora o fundo partidĂĄrio, fora o horĂĄrio eleitoral gratuito. VocĂȘ acabou elegendo quem era aliado dos caciques eleitorais, quem tinha dinheiro para fazer campanha. É a nossa superficialidade usual: quer uma solução fĂĄcil para um problema difĂ­cil, não estuda muito e tem uma ideia de quinta rapidamente.

Como resolver isso?

Não sei

Acha que tem alguém tentando resolver isso?

Olha, a gente tem falado sobre a questão das emendas de relator, dessas distorções institucionais, da retomada do estado patrimonialista, sobretudo nos Ășltimos dois anos, hĂĄ bastante tempo. Nem a esquerda nem a direita quis enfrentar o problema. No passado, quando a crise ficava severa, a sociedade pressionava, com as divergĂȘncias e as dificuldades, por reformas duras. Na hora que a coisa fica boa, a gente volta ao descontrole. Acho que o Brasil vive esse ciclo, independentemente se é esquerda ou direita. São as circunstâncias que fazem a agenda. Temo que, talvez, a gente tenha de enfrentar uma nova grave crise para poder começar a superar os problemas que estão sendo construĂ­dos.

Durante o governo Dilma, o sr. alertou para a questão fiscal. Como vĂȘ a situação agora?

No fim de 2012, era claro que iria dar uma crise. Na época, minha dĂșvida era se isso iria gerar uma década perdida de novo. JĂĄ hĂĄ alguns anos eu falo que a minha dĂșvida é se serĂĄ apenas uma década perdida ou mais do que isso. Houve um freio de arrumação no governo Temer, naquela imensa crise. Algumas reformas boas foram feitas e o PaĂ­s interrompeu aquela crise severa, mas bastou interromper aquela crise para os grupos organizados, com apoio da esquerda e da direita, se realinhassem para voltar a captura do Estado. A consequĂȘncia vai vir nos próximos anos.

Estamos caminhando para outra crise severa?

Esse risco existe e ele se agravou nas Ășltimas semanas. A continuar essa expansão do desequilĂ­brio das contas pĂșblicas, a dĂ­vida pode sair de controle no curto prazo, e o risco é de um aumento da inflação e das taxas de juros no médio prazo, com impactos recessivos sobre a economia.

O governo eleito tem proposto fazer o ajuste com por meio da revisão das desonerações. Qual é a avaliação do sr.?

Um ajuste fiscal do tamanho que precisa ser feito passa por uma mobilização do governo e aprovações do Congresso. A capacidade discricionĂĄria do Ministério da Fazenda foi muito reduzida, com a grande quantidade de desonerações e concessões de benefĂ­cios e aumentos de gastos que foram aprovados nas Ășltimas semanas. No Brasil, desoneração significa rever o Simples, as deduções de saĂșde, rever as desonerações do setor privado. Agora, teve a PEC dos enfermeiros, com maiores gastos. O Brasil estĂĄ caminhando na direção contrĂĄria, de criação de novas desonerações, de ampliação do desequilĂ­brio por meio de leis e ampliação dos benefĂ­cios. A capacidade do governo, em particular da Fazenda, de fazer um ajuste por meio de desonerações e corte de gastos, é bem menor agora do que hĂĄ algumas semanas.

E um ajuste via aumento de impostos?

Também é mais difĂ­cil do que em outros paĂ­ses. Metade da arrecadação tem que ser destinada para governos locais que, por força de lei, são obrigados a aumentar os gastos. Em geral, para cada um ponto de ajuste fiscal, a carga tributĂĄria de impostos deve aumentar dois pontos.

O sr. vĂȘ alguma sinalização positiva no novo governo?

A maior esperança é o pragmatismo de uma parte da liderança da esquerda se as coisas começarem a desandar. Se ficar nesse discurso de nós contra eles, o mercado contra a gente, essa falĂĄcia de que o mercado é um sindicato, alguém que a gente negocia? Não existe isso. O mercado é composto por pessoas, fundos de investimentos, de previdĂȘncia, que tĂȘm a obrigação de cuidar dos recursos de quem vai se aposentar, seus investidores, fundos de pensão.

Por enquanto, então, não tem nada que o sr. acredite estar indo na direção correta?

Tem um histórico que mostra que, quando dĂĄ muito errado, o pragmatismo aparece. Mas a dĂșvida é: vão reconhecer erros rapidamente ou vão demorar a reconhecĂȘ-los?

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte: Bem ParanĂĄ
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