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Como deter os ataques neonazistas nas escolas e nas universidades?

Por Isto É

05/12/2022 às 06:16:12 - Atualizado hĂĄ
Isto É

Pelas redes sociais e na deepweb, considerada o submundo da internet, grupos extremistas se articulam e recrutam mais militantes; e células nazistas tĂȘm crescido pelo mundo. No Brasil, aumentam os ataques de carĂĄter neonazista em escolas e universidades: de sĂ­mbolos pichados na parede, como na USP e na Unifesp esta semana, até o uso da suĂĄstica pelo atirador que matou trĂȘs professoras e uma aluna em dois colégios de Aracruz (ES) na semana passada.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), grupos neonazistas jĂĄ se tornaram uma "ameaça transnacional" e se aproveitaram da pandemia para expandir suas redes. Segundo a antropóloga Adriana Dias, que acompanha esses movimentos, no ano passado eram 530 células neonazistas no Brasil e, neste ano, 1.117. Para especialistas, os ataques ao ambiente escolar são reflexo desse crescimento, de forma geral, mas também pelo fato de as instituições de ensino serem, historicamente, espaços de disputa de ideologias.

Gestores educacionais relatam ser difĂ­cil prever até que ponto mensagens rabiscadas podem crescer para uma violĂȘncia de maior escala, mas sabem que são um sinal de alerta. Por isso, acionam autoridades policiais e tentam conscientizar a comunidade acadĂȘmica, aprimorar canais de denĂșncia e prestar acolhimento.

De 1° de julho a 30 de novembro, o Observatório Judaico de Direitos Humanos contabiliza 150 menções na imprensa de eventos violentos do tipo em estabelecimentos de ensino – não necessariamente são 150 casos, pois a entidade aponta que é necessĂĄrio aprofundar a checagem para filtrar eventuais ocorrĂȘncias repetidas. O Estadão listou ao menos dez ataques do tipo em instituições de ensino entre a Ășltima semana de outubro e o dia 1° em quatro Estados: Santa Catarina, São Paulo, Minas e EspĂ­rito Santo.

Em Contagem (MG), um colégio pĂșblico foi depredado e teve as paredes pichadas com suĂĄsticas e referĂȘncias a Adolf Hitler. Uma exposição sobre o mĂȘs da ConsciĂȘncia Negra também foi destruĂ­da. Testemunhas relataram à polĂ­cia que a diretora foi ameaçada, vasos de plantas ficaram despedaçados e cadeiras foram jogadas no pĂĄtio. JĂĄ a Federal de Santa Catarina (UFSC) encontrou mensagens nas paredes e foi alvo de carta apócrifa com ameaças. No Brasil, a apologia ao nazismo é crime previsto na Lei do Racismo (7.716/1989). A regra prevĂȘ reclusão de um a trĂȘs anos e multa

Especialistas destacam ser preciso esforço de educação antinazista, com formação crĂ­tica. Mas as escolas não podem estar sozinhas. A solução inclui também identificar e reprimir infratores, bem como ações para coibir conteĂșdos discriminatórios em redes sociais.

HĂĄ diversidade de ideologias e diferenças entre os grupos neonazistas. "TĂȘm ideologias excludentes e supremacistas, e que apontam determinados grupos que compõem a sociedade brasileira como alvo, que podem ser judeus, mas também negros, mulheres, grupos polĂ­ticos de determinado lado ou espectro", descreve Daniel Douek, cientista social e diretor do Instituo Brasil-Israel.

"Eles se organizam de vĂĄrias formas. Em especial, usam as redes sociais para defender suas ideias e, hĂĄ uns dez anos, mais a deepweb", comenta Adriana. "Neste Ășltimo de eleição, devido à escalada ferrenha do ódio, muitos grupos que estavam silenciosos emergiram", destaca a antropóloga, que também vĂȘ a impunidade e o crescimento da misoginia como fatores que explicam o cenĂĄrio.

"Pesquisas mostram que eles nem se conhecem muito entre si. Ele só se articulam via rede", complementa Lia Vainer Schucman, professora de Psicologia da UFSC. E o trabalho dela mostra que esse problema não começou recentemente. Em seu mestrado, em 2003, ela havia identificado dez células dentro da próprio instituição.

Para Douek, o uso de referĂȘncias nazistas por figuras pĂșblicas também agrava o problema. "O caso mais emblemĂĄtico talvez tenha sido do secretĂĄrio (nacional) da Cultura que foi Exonerado e fez discurso com as mesmas palavras do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels", cita ele, em alusão à demissão de Roberto Alvim em janeiro de 2020. O ex-secretĂĄrio reproduziu em um vĂ­deo estética usada pelo governo de Hitler entre os anos 1930 e 1940, na Alemanha.

Espaço de disputa

A escolha de instituições de ensino para ataques é simbólica, explica Lia Vainer Schucman. Segundo ela, isso ocorre porque a escola sempre foi um espaço de "disputa cultural de ideologias". Ao mesmo tempo, ela vĂȘ um movimento de represĂĄlia. "O maior campo de resistĂȘncia à extrema-direita é a universidade."

A grande prevalĂȘncia de ataques em escolas também pode estar associada à repercussão dos casos, que ganham atenção da mĂ­dia e das redes sociais. Estudos americanos jĂĄ mostram que tiroteios em escolas podem ter um efeito de "violĂȘncia contagiosa".

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Juventude e insegurança

Entre autores de recentes ataques, aparecem jovens homens brancos. "A juventude é o momento em que as pessoas procuram grupos para se sentirem pertencentes", explica Lia. Ela avalia que a busca pelos grupos neonazistas parte, muitas vezes, de ressentimento ao ver que, aos poucos, as minorias sociais ganham espaço. Segundo ela, grande parte desse movimento "vem da ideia de que o homem branco estĂĄ perdendo lugar no mundo, o que não é verdade."

Silvia Colello, professora da Faculdade de Educação da USP, também vĂȘ impactos da pandemia. "Com os jovens ficando em casa, isso acirrou um pouco o posicionamento autocentrado, a intolerância; ao mesmo tempo em que ficaram afastados de uma intervenção escolar de socialização", complementa.

A volta às salas de aula após a covid, conforme mostrou o Estadão em agosto, foi marcada por parte dos alunos com comportamento mais agressivo ou problemas de convĂ­vio social. Segundo pesquisa do Instituto PenĂ­nsula com escolas pĂșblicas e privadas, de junho, mais de 70% dos professores relatam "dificuldades de relacionamento" das crianças e adolescentes.

O que fazer?

Até que ponto a violĂȘncia verbal ou por imagens, com sĂ­mbolos nazistas nas redes e ameaças nas paredes, pode se tornar letal, é difĂ­cil dizer. "Se hĂĄ iniciativa de se dirigir pela escrita ou pela linguagem simbólica, para passar para a ação, o limite é tĂȘnue", alerta Silvia.

O primeiro passo, dizem os especialistas, é envolver autoridades de segurança. Ao mesmo tempo, é preciso oferecer atendimento psicossocial e espaços de conversa sobre o fato. O acolhimento de vĂ­timas (que pode ser uma pessoa visada por ameaça ou aqueles de determinado grupo ou identidade ao qual é feito ataque) e seus familiares também é essencial.

Nos casos em que o autor é identificado, Silvia Colello faz ressalvas sobre expulsar o aluno quando se trata do ensino bĂĄsico. "Escola é espaço de formação. Acho problemĂĄtico quando lida só com a com a coerção. Tem de chamar o sujeito para discutir, chamar as famĂ­lias e tudo mais. Mas, no âmbito da universidade, sou a favor de polĂ­tica mais diretiva. Justifica expulsão, pois estamos falando de adultos."

Especialistas defendem ainda investir em educação antinazista, com formação crĂ­tica sobre o tema, bem como campanha nacionais que busquem combater a glorificação ao nazismo feita por esses grupos. Mas destacam que a educação não serĂĄ capaz de, sozinha, solucionar problema tão complexo.

Lia Vainer Schucman destaca que é preciso esforço de autoridades para identificar infratores e aplicar sanções, além de desarticular células. Empresas responsĂĄveis por redes sociais e aplicativos também precisam remover conteĂșdos desse tipo com celeridade. "A desnazificação fica complexa nesses novos meios de comunicação, ainda mais quando eles funcionam por meio algoritmos", pondera.

UFSC incentiva denĂșncia e aprova polĂ­tica de enfrentamento ao racismo

Os Ășltimos meses foram marcados por tensões na UFSC, narra a vice-reitora Joana Passos. Em setembro, conta, uma aluna quilombola e um estudante negro foram vĂ­timas de pichações racistas no Centro de Educação.

Em outubro, o FantĂĄstico, da TV Globo, revelou uma operação da polĂ­cia que prendeu cinco suspeitos de elo com atividades neonazistas, entre eles alunos da instituição. No dia seguinte, rabiscos antissemitas foram achados no banheiro do Centro de CiĂȘncias JurĂ­dicas e houve mais dois casos parecidos no mesmo mĂȘs. Depois, carta apócrifa com ameaças nazistas foi encontrada nas paredes do câmpus de Florianópolis.

Joana destaca que em todos os casos a administração não tratou como casos isolados e fez denĂșncia formal às autoridades. "Não podemos negligenciar essas manifestações, achando que são só pichações em banheiro", diz.

Ao mesmo tempo, a instituição iniciou campanha antirracista e antinazista nos câmpus, com peças publicitĂĄrias e vĂ­deos, além de estimular a denĂșncia de qualquer incidente, ao divulgar fluxos de denĂșncia que alunos, professores e servidores podem seguir, nos murais e redes sociais.

A instituição aprovou ainda a PolĂ­tica de Enfrentamento ao Racismo Institucional – que incluĂ­ o nazismo como uma das formas de discriminação a ser combatida. Joana explica que o documento, além de facilitar a identificação de atos discriminatórios e dar orientações sobre denĂșncia e acolhimento de vĂ­timas, mira mudanças estruturais na universidade. Uma das frentes é aperfeiçoar a metodologia das cotas para servidores e docentes negros. "Queremos formar engenheiros antirracistas, médicos antirracistas, não só o pessoal das ciĂȘncias humanas e sociais antirracistas. Precisamos de uma sociedade antirracista", frisa.

O caso de Aracruz

Ao Estadão, o secretĂĄrio da Educação capixaba, Vitor de Angelo, destaca que ainda não hĂĄ como confirmar relação do adolescente com uma célula nazista. O que se sabe, conta, é que ele portava um adesivo com o sĂ­mbolo da suĂĄstica nos dois braços. "O que isso significa ainda não sabemos. Se é admiração, simpatia, ligação orgânica, fonte de inspiração ou o quer quer que seja, só a investigação policial vai determinar."

Na quarta-feira, 30, o governo apresentou ações emergenciais que cada pasta deve executar após o ataque. De Angelo avalia que ainda é "prematuro" apontar a necessidade de trabalho especĂ­fico de combate ao nazismo no âmbito escolar, mas a equipe se debruça, no momento, em pensar em como trabalhar violĂȘncia e intolerância no ano letivo de 2023.

"Me parece mais pertinente essa discussão, porque quando falamos de nazismo, falamos de uma experiĂȘncia histórica concreta marcada no tempo, que agora se renova na forma de neonazismo. Mas quando pensamos o neonazismo como forma de intolerância e de violĂȘncia, abarcamos algo muito maior, que me parece ser aquilo do que estamos tratando: crime de ódio", explica.

Ao contatar que as violações são reflexo das "contradições da própria sociedade", destaca que a solução do problema não pode ficar apenas sob a responsabilidade da educação, mas precisa de envolvimento de outras instituições, como famĂ­lia e segurança pĂșblica. "A violĂȘncia e a intolerância não começam na escola, e não terminarão ali", alerta. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte: Isto É
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