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O que mata a democracia é a lógica do curral

Por Da Redação

18/07/2022 às 05:39:20 - Atualizado há

O eleitor que tem fome, que não tem emprego, que não tem saúde e, principalmente, que não tem confiança no sistema político, tem pressa. Não se interessa por projetos maiores, ideologias, ou mesmo questões centrais para a sociedade como a própria democracia. Não há nada de irracional aqui. É puro pragmatismo. Enquanto discutimos espantalhos, como “polarização”, não percebemos que o maior entrave ao amadurecimento da democracia brasileira está nas práticas e medidas que despolitizam os debates e, o pior, não vemos o que é feito para piorá-las.

Em uma democracia plena, as ações estatais, especialmente as sociais, são institucionalizadas. Deixam de ser vistas como favores prestados por alguém e passam a ser tratadas como direitos. Todos sabem que não deixarão de acontecer, independentemente de quem seja eleito. O acesso a uma consulta médica, a uma defesa jurídica ou a um emprego deixa de depender do acesso ao vereador, deputado, ou prefeito. Passa a ser institucional. Para isso, é necessário que o serviço público seja fortalecido e não precarizado.

Não vamos esquecer que ainda tramita no senado a PEC 32 que propõe uma reforma administrativa capaz de transformar o serviço público em um espaço quase exclusivo para ocupação por livre indicação dos governantes. Impossível não lembrar do filme “ Curral”, de Marcelo Brennand, quando um candidato conversa com eleitores sobre a possibilidade de ajudá-los com empregos na prefeitura. Nesse contexto, não se discute o enfrentamento estrutural do desemprego, mas a mera atuação clientelista. 

O mesmo problema pode abranger questões coletivas. Não é raro que o trabalho de auxílio à organização de uma comunidade seja seguido de uma tentativa de torná-la dependente do político ou cabo eleitoral. No mesmo filme citado, há o exemplo de uma comunidade sem acesso à água, em que o problema se resolve com o envio esporádico de caminhões pipa, que geram um sentimento de gratidão (e possivelmente voto) a quem o envia, em vez de se estruturar o acesso regular à água.  A gratidão pela chegada regular da água duraria pouco, porque ela passaria a ser naturalizada. Mas, as Instituições devem atuar pela emancipação.

Outro exemplo, escancarado recentemente, é a despolitização do uso dos recursos públicos através da explosão de emendas individuais, principalmente, a partir do chamado orçamento secreto. A personalização do dinheiro que deixa de ser vinculado ao Estado e passa a ser associado a cada parlamentar dificulta a realização de obras estruturantes e favorece as pequenas ajudas localizadas. Passa a haver cada vez menos programas de incentivo a agricultura familiar e cada vez mais entregas de tratores em uma comunidade que prometer votos. Sem falar na porta aberta a uma corrupção ainda maior.

Outro aspecto bastante pernicioso para o amadurecimento do nosso país é o constante esforço de demonização da política. Quando a atividade parlamentar é tratada, principalmente na imprensa, como algo intrinsecamente sujo, por que os eleitores confiarão na discussão de programas complexos? Porque não se interessarão apenas pelo que vislumbrem como benefícios individuais imediatos. E se prevalecer essa desconfiança, quais serão os candidatos com mais chances de se eleger, se não aqueles que praticam exatamente o jogo sujo. O moralismo, paradoxalmente, contribui para a imoralidade.  
 
Para uma democracia plena, não basta que haja o direito a votar e ser votado. É necessário também, entre outras coisas, que o exercício desse direito seja acompanhado da discussão de grandes temas. É bom que haja polarização entre esquerda e direita, entre maior ou menor intervenção estatal na economia, entre modelos diferentes de educação, saúde, segurança pública, entre projetos de país, de Estado, de Município, ou até de bairros. Ruim não é a polarização, mas sim a violência, o racismo, o machismo, o desprezo à vida, a fome e a infantilização do debate.
  
A principal lição que os últimos anos nos deram é que as instituições têm que ser fortalecidas, mesmo quando incomodam. O povo precisa saber que tem saúde porque existe o SUS, tem acesso à justiça porque existe Defensoria Pública do Estado e da União, tem educação porque existe a escola pública, tem água porque é obrigação. Não dá mais para vivermos a lógica do curral. 

Rafson Ximenes é Defensor Público Geral da Bahia

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