A soma desses casos retratam o que ela intitula como "catĂĄstrofe silenciosa", isso porque, segundo Lidiany, se os inquéritos policiais não apontarem a perspectiva de feminicĂdio isso dificultarĂĄ o trabalho do Ministério PĂșblico. A advogada, jornalista e integrante do Movimento Negro de Manaus, Luciana Santos, também expressa uma anĂĄlise que vai de encontro ao posicionamento da pesquisadora Lidiane.
"Se a gente for pegar não só feminicĂdios, mas a violĂȘncia contra a mulher em geral, os casos voltados contra as negras são superiores em relação às brancas e amarelas. Esses nĂșmeros são indicativos, mas não a realidade total, pois muitas vezes o registro da cor da vĂtima no Boletim de OcorrĂȘncia não é feito corretamente. Isso é um comum nas delegacias de todos os Estados", dispara Luciana.
Quando se trata de violĂȘncia contra a mulher negra, a ativista atenta que não é possĂvel desvincular gĂȘnero, raça e classe social, que por serem questões relacionadas, juntas potencializam a chance da mulher negra ser incluĂda como uma das maiores vĂtimas de violĂȘncia que resulta em morte.
"Considerada uma das partes mais vulnerĂĄveis da população, mulheres negras são as maiores vĂtimas justamente porque estão na base da pirâmide. VulnerĂĄveis por simplesmente serem mulheres, por serem negras e automaticamente passando por situações de racismo. Quanto mais pobre, mais suscetĂvel ela vai estar à margem da proteção do estado", declara Luciana.
A advogada aproveita para pontuar sobre vulnerabilidades especĂficas e como as leis precisam estar preparadas e formuladas para entender estas demandas. Ela cita como exemplo a Lei Maria da Penha, que completou 15 anos em agosto. A lei é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das trĂȘs legislações mais avançadas do mundo no combate aos crimes contra as mulheres.
"A Maria da Penha é uma das melhores legislações do mundo, mas serĂĄ que ela consegue abranger todas as necessidades das mulheres negras e também indĂgenas? Pois elas tĂȘm certas especificidades que não as mesmas se vocĂȘ pensar numa mulher branca, de classe média alta. Temos que pensar como as polĂticas pĂșblicas estão sendo feitas, e talvez precise voltar um pouco mais a essas minorias", explica a ativista.
A morte da jovem Geordana Nataly Sales, de apenas 20 anos, morta a facadas na madrugada de 1Âș de setembro, no municĂpio de Ananindeua, no ParĂĄ, é um exemplo que integra a lista de mulheres negras que tiveram a vida brutalmente ceifada.
O crime aconteceu durante a madrugada e, segundo informações, o ex-namorado de Geoardana, identificado como LĂșcio Magno Quadros, não aceitava o fim do relacionamento de quatro anos. No momento do encontro, ele teria desferido as facadas contra Geordana. Magno foi preso em flagrante pela PolĂcia Civil do ParĂĄ no mesmo dia em que cometeu o crime.
Ainda segundo o Atlas da ViolĂȘncia 2021, em dez anos, o percentual de possĂveis assassinatos contra mulheres brancas, amarelas e indĂgenas diminuiu 26,9% no perĂodo, apresentando uma queda de 1.636 para 1.196 casos. Dados do 15Âș AnuĂĄrio Brasileiro de Segurança PĂșblica apontam que, em 2020, duas em cada trĂȘs vĂtimas de feminicĂdio eram mulheres negras, o que representou 61,8% das mortes, seguidas de 36,5% brancas, 0,9% amarelas e 0,9% indĂgenas.
Vale ressaltar que os dados do ano de 2020 abordam o quantitativo de notificações oficiais de violĂȘncia contra meninas e mulheres durante o perĂodo da pandemia de Covid-19. Na ocasião, o Estado do Mato Grosso era primeiro do ranking, com média de 3,6 mortes a cada 100 mil mulheres; seguido de Roraima e Mato Grosso do Sul, com trĂȘs feminicĂdios por 100 mil mulheres.
As menores taxas ficaram com o Distrito Federal, que apresentou 0,4 mortes por 100 mil; seguido do Rio Grande do Norte, com 0,7 por 100 mil; São Paulo e Amazonas, com 0,8 mortes a cada 100 mil mulheres. Segundo dados publicados na pĂĄgina oficial da Secretaria de Segurança PĂșblica do Estado do Amazonas, (SSP), de janeiro até julho deste ano, cinco casos de feminicĂdios foram cometidos em Manaus, porém, os dados não especificaram quantas vĂtimas seriam ou não negras.