PolĂ­cia FeminicĂ­dio

Feminicídio: arma de fogo provocou 51% das mortes violentas de mulheres nos últimos 20 anos

Por Revista Cenarium

05/08/2021 às 16:33:40 - Atualizado hĂĄ


SÃO PAULO – Nos Ășltimos 20 anos, 51% das mulheres vĂ­timas de violĂȘncia letal foram mortas por disparo de armas de fogo, segundo levantamento inédito feito pelo Instituto Sou da Paz (ISP) a partir de dados dos sistemas de notificação de violĂȘncia do Ministério da SaĂșde. Em 2019, ano dos dados mais recentes do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), utilizado no estudo, o percentual de mulheres assassinadas com emprego de arma de fogo fica um pouco abaixo, em 49%.

O perfil dessas mortes por emprego de arma de fogo aponta para uma maioria de mulheres negras (70,5%), jovens (51,8% tinham até 29 anos de idade) e da região Nordeste, que concentra 43% dos homicĂ­dios de mulheres por violĂȘncia armada.

A desproporção do assassinato de mulheres negras, que representam 7 a cada 10 mortes, mas 5 de cada 10 brasileiras, evidencia mais um aspecto perverso do chamado racismo estrutural, que historicamente torna vulnerĂĄveis as populações pretas e pardas do Brasil.

Fonte: MS/SVS/CGIAE – Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM; População: Pnad C – IBGE/ Diest – IPEA)

Em 2019, a taxa de mulheres negras mortas por disparos de arma de fogo (2,13/100 mil) foi o dobro da taxa de mulheres não negras (1,04/100 mil).

Quando essas mortes são divididas por local da ocorrĂȘncia da violĂȘncia letal, enquanto a taxa de morte por arma de fogo dentro de casa é quase a mesma entre mulheres negras (0,5/100 mil) e não negras (0,4/100 mil), fora do contexto doméstico, a taxa para as negras (1,2) é o dobro do que para não negras (0,5).

*Dados de 2019 Fonte: MS/SVS/CGIAE – Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM; População: Pnad C – IBGE/ Diest – IPEA)
*Dados de 2019 Fonte: MS/SVS/CGIAE – Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM; População: Pnad C – IBGE/ Diest – IPEA)

"Essa é a primeira vez que se faz a anĂĄlise do papel da arma de fogo na violĂȘncia contra a mulher, que tem tido papel significativo na morte de mulheres por agressão, com impacto desproporcional sobre as mulheres negras", diz Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

Para ela, os dados apontam para a vulnerabilidade imposta à população negra no Brasil e também para a insegurança da mulher na circulação por determinados espaços urbanos.

"Os dados de violĂȘncia letal e não letal armada contra a mulher no Brasil indicam que a recente proliferação de armas no paĂ­s deve ser um fator de risco para as brasileiras", afirma Carolina.

O Brasil vive um derrame de armas de fogo desde que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) editou decretos que flexibilizaram a posse e o controle de armas, a partir de janeiro de 2019. Os efeitos foram imediatos. Em 2018, eram registradas pela PolĂ­cia Federal 46 armas por dia no paĂ­s. Em 2019 e 2020, foram, em média, 387 registros diĂĄrios.

Com isso, em dezembro de 2020, o Brasil chegou à marca de 2.077.126 armas legais particulares, ou 1 para cada 100 brasileiros, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança PĂșblica (FBSP).

"HĂĄ quem argumente que, com mais acesso a armas, as mulheres podem se defender melhor sozinhas. Mas é uma falĂĄcia afirmar que mulheres vão passar a resolver conflitos apelando para a violĂȘncia ou vão colocar armas debaixo do travesseiro para se defenderem de um marido agressor", diz Marisa Sanematsu, diretora de conteĂșdo do Instituto PatrĂ­cia Galvão. "O mais provĂĄvel é que a presença de armas aumente o risco de violĂȘncia contra mulheres."

Pesquisa Datafolha de 2019 apontou que 75% das mulheres brasileiras se posicionavam pela proibição da posse de armas por entenderem que elas ameaçam a vida das pessoas. Entre homens, essa proporção era de 57%.

O relatório do Sou da Paz sobre violĂȘncia armada apontou que, em 2019, 1 a cada 4 mulheres (26%) assassinadas por violĂȘncia bélica estava dentro de suas casas. Entre homens, essa proporção foi de 11%.

Para Sanematsu, quando o assassinato de uma mulher ocorre dentro de sua residĂȘncia, é preciso "acender uma luz vermelha porque este é um forte indicativo de feminicĂ­dios Ă­ntimos que ocorrem no contexto de violĂȘncia doméstica".

Dados da saĂșde focam na vĂ­tima que buscou atendimento ou foi encaminhada ao serviço de medicina legal, ao contrĂĄrio dos da segurança pĂșblica, que se baseiam no boletim de ocorrĂȘncia e buscam identificar o autor da violĂȘncia. Não é possĂ­vel, portanto, a partir desses bancos do Datasus, identificar casos de feminicĂ­dio.

"Precisamos estabelecer a relação entre posse de arma de fogo e o risco de violĂȘncia doméstica", afirma Sanematsu. "A presença de uma arma de fogo em casa pode inibir a vĂ­tima de denunciar as violĂȘncias que sofre, levando a mulher a se submeter, calada, a agressões fĂ­sicas, psicológicas e sexuais que a tornam refém dentro de sua própria casa."

Levantamento feito pela Faculdade de SaĂșde PĂșblica da Universidade Harvard (EUA) aponta que, no contexto norte-americano, armas de fogo em casa costumam ser mais usadas para intimidar parceiros e parceiras Ă­ntimas do que para a defesa de crimes.

Ao analisar dados também do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que reĂșne notificações compulsórias de outros tipos de violĂȘncia que não resultaram em morte e que foram atendidas no sistema da saĂșde, o Sou da Paz identificou a crescente participação de armas de fogo em casos de violĂȘncia não letal —fĂ­sica, sexual ou psicológica— contra a mulher.

*Dados de 2019 Fonte: Ministério da SaĂșde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Ne

"Chama a atenção que, em 2019, 40% das mulheres que foram tipo de algum tipo de violĂȘncia não letal envolvendo arma de fogo estavam em casa no ato da agressão, o que faz da residĂȘncia o principal local de agressões entre as ocorrĂȘncias atendidas no sistema de saĂșde", diz Cristina Neme, coordenadora de projetos do ISP e uma das autoras do relatório.

Segundo Neme, a violĂȘncia armada não letal em 2019 ocorreu no ambiente doméstico em boa parte dos casos notificados de agressão fĂ­sica, em que 41% das violĂȘncias ocorreram dentro de casa, mas também nos episódios de violĂȘncia sexual (33%) e psicológica (53%).

Para a diretora-executiva do Sou da Paz, uma medida importante para a proteção dessas mulheres e a prevenção de novos episódios de agressões, que podem escalar para a violĂȘncia letal, estĂĄ na aplicação da lei nÂș 13.880, de outubro de 2019, que alterou a Lei Maria da Penha.

A lei estabelece que, em caso de violĂȘncia doméstica, a autoridade policial precisa verificar se o agressor possui arma de fogo, notificar à PolĂ­cia Federal ou ao Exército, que concedem porte ou posse de armas no Brasil, e determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob poder do agressor.

*Dados de 2019 Fonte: MS/SVS/CGIAE – Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM; População: Pnad C – IBGE/ Diest – IPEA)

Para ela, essa medida é especialmente importante quando se observa nos dados do Datasus que 1 a cada 4 mulheres que buscam atendimento médico para casos de agressão armada jĂĄ deram outras entradas no sistema por episódios de violĂȘncia.

"Essa violĂȘncia de repetição mostra que a saĂșde falha no momento do atendimento da mulher vĂ­tima da violĂȘncia porque a mulher volta a procurar o sistema para o mesmo problema", avalia Marisa Sanematsu.

"Sabemos que os serviços de saĂșde são a principal porta de entrada dessas vĂ­timas e podem ser a porta de saĂ­da de uma relação violenta. Mas, para isso, os profissionais de saĂșde precisam estar capacitados, ter condições objetivas de trabalho para se envolver nesse atendimento e ter para onde encaminhar o caso: uma rede multidisciplinar estruturada", pontua. "Do contrĂĄrio, vai se limitar a curar as lesões e notificar o sistema, sem agir na prevenção da repetição e do agravamento dessa violĂȘncia."

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