O câncer de próstata é o 2Âș tipo de câncer mais comum entre homens, atrĂĄs apenas dos tumores de pele não-melanoma. No entanto, 1 em cada 7 indĂviduos do sexo masculino no Brasil ainda teme o exame de toque — o mais indicado para avaliar a saĂșde da próstata. O preconceito é a principal barreira para a adesão às polĂticas pĂșblicas de saĂșde do homem
Os nĂșmeros divulgados são de um levantamento acerca da percepção masculina sobre saĂșde, conduzido pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), a cada 38 minutos morre um brasileiro vĂtima do câncer de próstata. Para o triĂȘnio 2023-2025, a entidade estima a ocorrĂȘncia de 71.730 novos casos.
De acordo com o médico endocrinologista e pesquisador FlĂĄvio Cadegiani, questões estruturais, como o machismo profundamente enraizado, são um verdadeiro obstĂĄculo em um paĂs onde o exame clĂnico como o toque retal é de suma importância, inclusive por conta da dificuldade de se realizar exames de sangue e de imagem.
Cadegiani reforça que o exame deve ser repetido anualmente por homens acimas dos 40 anos. O preconceito com o toque retal atrasa o diagnóstico de próstata. Quando os sintomas começam a aparecer — mais comumente dificuldade de urinar ou presença de sangue na urina —, é sinal de que o câncer jĂĄ estĂĄ muito avançado.
"Quando vocĂȘ diagnostica com câncer de próstata por um toque retal, a chance de cura é muito maior do que quando a pessoa começa a apresentar outros sintomas ou descobre a doença devido aos de alguma metĂĄstase", diz o pesquisador.
O jornalista Sérgio Riede foi diagnosticado com câncer de próstata em 2019. Era assintomĂĄtico e realizava anualmente a coleta de sangue. Para contar sua experiĂȘncia e conscientizar outros homens sobre a importância do tratamento, Riede escreveu o livro "Câncer, Eu? – Memórias Alegres de um Medo Profundo". A obra conta desde o diagnóstico, preparativos para a cirurgia, o pós-operatório e a recuperação do jornalista.
"Se eu não fosse uma pessoa que fizesse exames regularmente, possivelmente eu teria um câncer mais problemĂĄtico, que atingiria outras partes — e com um tratamento muito mais difĂcil", relata.
Riede conta que sua escrita até mesmo salvou vidas. Após ler sobre sua história de recuperação, seis de seus amigos resolveram realizar o teste e descobriram o câncer de próstata em estĂĄgio inicial.
"Eu e todos eles estamos com a doença totalmente controlada, graças ao diagnóstico precoce", conta.
A famĂlia do servidor pĂșblico Rubens Andrade, 45 anos, tem histórico de câncer de próstata. Ele conta que o avô e o irmão mais velho foram diagnosticados com a doença. Desde então, Rubens realiza o check-up anualmente.
"Eu acho que foi criado ao longo dos anos um mito cultural sobre isso que se o homem fizer o exame do toque, o exame com urologista, vai ferir sua integridade. Então isso feriria sua vida sexual. Na verdade, o toque salva a vida do homem — e não interfere em nada a sua masculinidade e na vida sexual dele", afirma.
Para Paulo Milione, psicólogo clĂnico e neuropsicólogo, os prejuĂzos deste preconceito também se estendem ao campo da saĂșde mental.
"O homem tem um temor de falar das suas dores existenciais. Diante disso, questões emocionais tomam uma dimensão e provocam no sujeito um sofrimento psĂquico muito grande, que acaba por atravessar das suas questões sexuais", diz.
Para FlĂĄvio Cadegiani, faltam polĂticas pĂșblicas mais abrangentes para a detecção precoce. O médico considera crucial adotar uma abordagem mais proativa em termos de detecção precoce por meio de polĂticas pĂșblicas. Se pensado de forma pragmĂĄtica, além dos aspectos mais subjetivos da saĂșde, a medida reduziria os custos na saĂșde pĂșblica por reduzir a necessidade de tratamentos adicionais.
"Novembro Azul deveria ser obrigatório", finaliza. "Infelizmente, no Brasil, a saĂșde pĂșblica para o homem se resume apenas à câncer de próstata, sendo que o paĂs é campeão de um dos cânceres mais raros do mundo, o de pĂȘnis".
Ainda conforme o pesquisador, minorias como homens que fazem sexo com homens, não-cis e trans, homens não brancos e homens com obesidade são ainda menos acolhidos, investigados e tratados.
"São, portanto, inĂșmeros os problemas relacionados à saĂșde do homem causados pelo mal do machismo estrutural, que nesse caso se volta contra os próprios homens nas mĂșltiplas negligĂȘncias de saĂșde", completa.