"Com toda essa onda de violĂȘncia que culminou nessa frenética troca de tiros hĂĄ pouco tempo, estão todos morrendo de medo. A sensação geral dos moradores é de medo, muita angĂșstia e pânico", relata um morador da Barra – bairro próximo a região de Calabar — que prefere não se identificar.
"Sempre andei de forma muito tranquila e despreocupada, independente do horĂĄrio na região, mas hoje a sensação é que estamos vivendo um medo constante. É uma violĂȘncia que nós não estĂĄvamos acostumados e não sabemos como lidar", completa o morador.
De acordo com esse morador, houve confrontos no Ășltimo final de semana entre uma facção criminosa que atua na localidade, e um grupo rival que tenta invadir e tomar a região.
Os confrontos entre facções criminosas e forças de segurança no estado cresceram nos Ășltimos meses em bairros periféricos de Salvador e municĂpios próximos à capital. Entre os dias 1Âș de setembro a 2 de outubro, foram registradas pelo menos 71 mortos em confrontos envolvendo a polĂcia no estado e facções — sendo 68 delas de suspeitos de envolvimentos com crimes e uma de um policial federal, o agente Lucas Caribé e mais dois policiais militares, segundo a polĂcia militar do estado.
De acordo com a PolĂcia Civil da Bahia, um dos suspeitos de envolvimento na morte do policial federal Lucas Caribé foi morto durante confronto com a polĂcia na segunda-feira (2), na cidade de Catu, a 70 km de Salvador. Em nota, a PolĂcia Civil informou que Alexsandro dos Santos Santana estava em um imóvel desde o ataque que resultou na morte do policial federal, em 15 de setembro.
Para o especialista em segurança pĂșblica e membro do Fórum Brasileiro de Segurança PĂșblica CĂĄssio Thyone esses nĂșmeros refletem o aumento de registros de ondas de violĂȘncia que vĂȘm ocorrendo nas Ășltimas semanas no estado.
"O estado da Bahia não tem feito a lição de casa, no que diz respeito a tratar a segurança pĂșblica com a prioridade e com as ações assertivas que a gente espera que o estado viesse a fazer. Os Ăndices de criminalidade na Bahia estão realmente ruins, são vĂĄrios Ăndices não só de crimes letais, como homicĂdios, tem a questão da letalidade da polĂcia também, feminicĂdio e outros", destaca.
Na avaliação do Presidente da Comissão de Segurança PĂșblica da OAB/MG e advogado criminalista, Berlinque Cantelmo, além da disputa territorial por parte de facções criminosas, a violĂȘncia no estado estĂĄ atribuĂda à queda do efetivo das polĂcias.
"Nós vivenciamos não só no estado da Bahia, mas em vĂĄrios estados da federação, uma nefasta queda do efetivo das polĂcias. E com esse tipo de deficiĂȘncia tanto do ponto de vista de gestão quanto do ponto de vista também social, nós temos que enxergar o aumento indistinto da criminalidade nesse sentido, além da ausĂȘncia de investimento estrutural nas agĂȘncias investigativas nas agĂȘncias persecutórias — o que não é diferente no estado da Bahia", afirma.
Para Cantelmo, é preciso haver uma intervenção maior por parte do Ministério PĂșblico.
"Dada a gravidade, é preciso uma alocação de repressão qualificada maior com estratégia de dominação de pontos de foco relacionados, inclusive a gerĂȘncia das organizações criminosas, uma intervenção maior por parte do Ministério PĂșblico, inclusive, talvez até por parte da PolĂcia Federal, com uma medida de despatrimonialização dessas organizações criminosas. Atacar diretamente os agentes financiadores, não só de modus operandi criminosos, mas também de agentes paralelos, que servem para dar determinada roupagem de licitude para organizações criminosas voltadas, inclusive, a atividades de lavagem de dinheiro", explica.
O ministro da Justiça e Segurança PĂșblica, FlĂĄvio Dino, chegou a afirmar que não hĂĄ possibilidade de uma intervenção federal na Bahia para conter a onda de violĂȘncia crescente no estado. Segundo Dino, a medida só deve ser tomada quando o governo estadual não age.
A declaração foi dada após a cerimônia de concessão da medalha da Ordem do Mérito, no grau de Grã-Cruz, ao Padre JĂșlio Lancellotti, realizada no domingo 24 de setembro, em São Paulo.
Na ocasião, o ministro da Justiça afirmou que a situação na Bahia "é um dos maiores desafios da segurança pĂșblica no Brasil". "Nós temos conversado com o governador (Jerônimo Rodrigues) , com o secretĂĄrio de segurança (Marcelo Werner), para que haja um aperfeiçoamento, um aprimoramento dessas ações. É um quadro muito desafiador, muito difĂcil", afirma.
De acordo com o advogado criminalista, deve partir do governador do estado solicitar o Ministério da Justiça em busca de apoio em uma intervenção na segurança pĂșblica. O especialista ainda ressalta que, em um primeiro momento, o governo federal deve aguardar a implementação efetiva do Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc), que vinha sendo elaborado havia trĂȘs meses, no Ministério.
O Enfoc foi lançado na segunda-feira (2) e deve funcionar como um "projeto de reestruturação integrado entre as forças de segurança do paĂs, com a perspectiva de estruturação financeira das agĂȘncias de inteligĂȘncia e da alocação de efetivo em determinados locais no paĂs com demandas preeminentes".