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Criminalização do aborto põe em risco saúde e vida de mulheres no país, destacam especialistas

Por Brasil de Fato

22/09/2023 às 09:35:43 - Atualizado hĂĄ

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve iniciar o julgamento da descriminalização do aborto nesta sexta-feira (22). Caso seja aprovada, o aborto deixarĂĄ de ser crime no paĂ­s, o que pode trazer repercussões positivas em diversos aspectos da saĂșde pĂșblica. Isto porque a estigmatização e criminalização do aborto no paĂ­s tĂȘm repercussões diversas na saĂșde e na vida das mulheres, meninas e pessoas que gestam. A mais visĂ­vel delas, talvez, seja os altos Ă­ndices de mortalidade materna, a maior parte, por causas evitĂĄveis – como as mortes em decorrĂȘncia de abortos inseguros.

Elaine Passos, psicóloga especialista em Psicologia Hospitalar, mãe e atuante na ĂĄrea de Direitos Sexuais e Reprodutivos no Sistema Único de SaĂșde (SUS) na Bahia, destaca que as mortes em decorrĂȘncia de aborto inseguro são mais comuns entre as populações mais pobres, por isso mesmo é importante tratĂĄ-las como uma questão de saĂșde pĂșblica.

Por falta de condições financeiras ou por medo de acessar serviços não legalizados, grande parte das mulheres que desejam interromper uma gestação acabam por realizar procedimentos inseguros que levam a hemorragia e infecções. Por medo de represĂĄlias, nem todas elas buscam o serviço de saĂșde mesmo em casos de complicações graves.

"Em caso de hemorragia, de infecção, dor intensa, elas podem, sim, após a tentativa [de aborto], recorrer aos serviços de saĂșde. Não só podem como devem buscar esses serviços de saĂșde. LĂĄ, elas tĂȘm o direito, sim, de ter atenção humanizada ao abortamento prevista jĂĄ em norma técnica. E não podem ser discriminadas", ressalta Elaine.


Sigilo médico

Para essas mulheres, assim como para qualquer outro paciente, o sigilo médico é um direito garantido por legislações brasileiras. LĂ­via Almeida, membro do NĂșcleo dos Direitos das Mulheres na Defensoria PĂșblica da Bahia, explica que a equipe médica não pode denunciar essas mulheres, muito menos ela pode ser presa durante o atendimento médico. "Profissional de saĂșde não tem dever de polĂ­cia judiciĂĄria. Então, eles não devem investigar essa mulher", lembra.

Elaine Passos explica que, independentemente do motivo que levou ao adoecimento, qualquer pessoa tem o direito ao atendimento médico de qualidade e livre de violĂȘncias. "A saĂșde é direito de todos independente da condição em que a saĂșde foi degradada, ela precisa ser recuperada com todo conforto e qualidade de atendimento que a população merece", afirma.


Mesmo as mulheres que tĂȘm direito a realizar aborto legal sofrem com repercussões da criminalização no paĂ­s / AgĂȘncia BrasĂ­lia

A defensora pĂșblica LĂ­via Almeida explica ainda que, em casos que o serviço de saĂșde aciona a polĂ­cia por suspeitar que a paciente realizou um aborto, são os profissionais do serviço que cometem um crime. "Esses e essas profissionais que tĂȘm esse tipo de conduta é que podem ser responsabilizados criminalmente por violação de sigilo [com base] no Código Penal", diz.
Ela acrescenta que os processos criminais que estão sendo iniciados contra as mulheres com base em provas colhidas através da quebra do sigilo da paciente não tĂȘm sido levados adiante na justiça por uso de prova ilĂ­cita. E qualquer pessoa que, ao buscar serviço de saĂșde, sofra alguma situação como essa, deve procurar a Defensoria PĂșblica de sua cidade para ter a defesa adequada e garantir que esse processo não prospere. "Essas ações penais, que porventura sejam iniciadas, tĂȘm sido invalidadas pelos tribunais superiores", explica.

Ainda assim, as duas profissionais apontam que, infelizmente, as equipes não tĂȘm atendido adequadamente essas mulheres. LĂ­via Almeida ressalta que o estigma impede, inclusive que o aborto seja um tema tratado nas faculdades de Medicina e de Direito, ainda que seja um fato social e se refira à saĂșde e à vida das mulheres, meninas e pessoas que gestam.

"A gente tem feito esse trabalho de educação em direitos, trazendo para as mulheres a informação sobre seus direitos, a informação sobre essa segurança que elas possam sentir em procurar o serviço de saĂșde nos casos legais. E também passado aos profissionais a segurança necessĂĄria de que eles não estão cometendo crime", acrescenta a defensora pĂșblica.


Serviços legais

Tanto LĂ­via Almeida quanto Elaine Passos apontam que a criminalização e o estigma do aborto tĂȘm consequĂȘncias também para as pessoas que tĂȘm direito a realizar o aborto nos casos previstos em lei – violĂȘncia sexual, risco de morte para gestante e anencefalia do feto.

Elaine destaca ser comum as mulheres que realizaram aborto legal chegarem ao serviço de psicologia em um sofrimento muito solitĂĄrio e enfrentando ainda a falta de credibilidade dos órgãos e serviços pĂșblicos que deveriam fazer o acolhimento precoce, principalmente, das vĂ­timas de violĂȘncia sexual.

"Em sua grande maioria, elas não registram ocorrĂȘncia policial, pois consideram ou que vão ser mal recebidas, maltratadas neste serviço; ou que isso não vai se desdobrar em investigação, em punição para os responsĂĄveis pela violĂȘncia. É um momento muito solitĂĄrio de um sofrimento intenso", conta.

A psicóloga acrescenta uma outra grave consequĂȘncia dessa estigmatização: a ideação suicida entre as mulheres que chegam ao serviço de psicologia antes de realizar a interrupção legal da gravidez. "Devido à questão cultural da criminalização do aborto, dos discursos religiosos que são transmitidos a elas nos contextos mais diversos de que aborto é crime, que é moralmente condenĂĄvel, que gera castigos transcendentais, elas chegam ponderando que não podem vivenciar aquela gestação, mas também não podem abortar e que a Ășnica saĂ­da é tirar a própria vida", conta.



A criminalização tem repercussões mais graves entre as mulheres negras e em maior vulnerabilidade social / Fernando Frazão/ AgĂȘncia Brasil

Por isso mesmo, Elaine destaca a importÃÂąncia do acolhimento psicológico realizado a essas mulheres no SUS. "Vai ser, muitas vezes, a primeira oportunidade da pessoa poder falar abertamente num contexto não punitivo, acolhedor sobre sua experiĂȘncia", diz. E explica que isso tem uma importÃÂąncia fundamental para que essas mulheres comecem a elaborar essa situação e em algum momento consigam sair da condição de vĂ­timas mais para uma condição de superação dos danos generalizados em sua vida causados por essa violĂȘncia.

LĂ­via Almeida explica ainda que tanto a negativa de atendimento nos casos de aborto legal, quanto algumas condutas que os serviços possam adotar com pessoas que realizaram um aborto sem amparo legal são consideradas violĂȘncia obstétrica. Ela cita os exemplos de conduta como obrigar que essa mulher ouça batimentos cardĂ­acos do, mostrar uma ultrassonografia, tentar convencer por qualquer modo aquela pessoa a não realizar o procedimento, tentar de alguma forma julgar ou criminalizar aquela mulher.

"Isso é considerado violĂȘncia obstétrica, e ela também pode buscar a Defensoria PĂșblica para que atue também na responsabilização civil do profissional e também do estabelecimento de saĂșde", acrescenta.


ViolĂȘncia sexual

As profissionais explicam também que mulheres, meninas e pessoas que gestam que engravidaram em decorrĂȘncia de violĂȘncia sexual não precisam apresentar registro policial para terem acesso ao direito ao aborto legal. Além disso, os avanços cientĂ­ficos da medicina jĂĄ permitem que essa interrupção pode ser feita em qualquer idade gestacional.

"Numa situação de violĂȘncia sexual, o primeiro lugar que essa vĂ­tima deve buscar é o atendimento à saĂșde. Existe uma lei federal, a Lei do Minuto Seguinte, que determina que todo o estabelecimento hospitalar deve prestar o primeiro atendimento de forma urgente, prioritĂĄria e acolhedora às mulheres vĂ­timas de violĂȘncia sexual", LĂ­via Almeida.

Neste atendimento, que deve acontecer, preferencialmente, nas primeiras 72h após a violĂȘncia, as mulheres tĂȘm direito de receber atendimento de profilaxia para evitar infecções sexualmente transmissĂ­veis e também a contracepção de emergĂȘncia para evitar uma gravidez.

Nem sempre, as vĂ­timas procuram o serviço de saĂșde neste intervalo por medo de sofrer com uma abordagem não acolhedora, como pontuado por Elaine Passos. E buscam o serviço somente quando se descobrem grĂĄvidas. Nesse caso, ela explica que o serviço de psicologia estĂĄ disponĂ­vel para as pacientes em todas as etapas do processo, desde o primeiro atendimento até mesmo após a realização da interrupção, caso assim desejem.


Objeção de consciĂȘncia

Quer seja no atendimento a pessoas que farão aborto legal ou que precisam de atendimento após um procedimento sem amparo legal, muitos profissionais tĂȘm argumentado o direito à objeção de consciĂȘncia para não realizar o atendimento. A objeção de consciĂȘncia é um direito previsto no Código de Ética Médica de acordo com o qual o profissional pode recursar determinado atendimento por convicções internas, individuais.

A defensora pĂșblica, LĂ­via Almeida, no entanto, explica que esse não é um direito absoluto e também não é um direito do estabelecimento de saĂșde como um todo. "O médico pode fazer isso desde que não represente uma situação de urgĂȘncia/emergĂȘncia, ou seja, não represente um risco que importe risco de vida àquela paciente e também desde que haja outro profissional apto a fazer esse atendimento", conta.

Ela acrescenta ainda que, ao comunicar à paciente sua recusa, o médico não pode constrangĂȘ-la nem tampouco tentar forçĂĄ-la a mudar sua decisão, mas sim encaminhĂĄ-la a outro profissional que faça o acolhimento de forma humanizada.

*Esta reportagem foi produzida com o apoio do Edital Futuro do Cuidado.

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