Segundo Advocacia-Geral da União, órgão atuarĂĄ no combate à desinformação. Não hĂĄ no ordenamento jurĂdico brasileiro esse conceito; assunto estĂĄ em debate no Congresso Nacional. Criação da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia provoca discussão sobre o papel da AGU no combate à desinformação
Portaria normativa da Advocacia Geral da União (AGU) publicada no "DiĂĄrio Oficial da União" desta sexta-feira (20) institui grupo de trabalho para elaborar a regulamentação da Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia.
"Institui Grupo de Trabalho no âmbito da Advocacia Geral da União, com a finalidade de obter subsĂdios e contribuições das organizações da sociedade civil e dos poderes pĂșblicos para auxiliar na elaboração da regulamentação da Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia", diz o texto.
Ainda de acordo com a portaria, as reuniões do grupo de trabalho poderão ocorrer de modo hĂbrido, presencial ou virtual e os debates entre os representantes e convidados terão a duração de trinta dias, prorrogĂĄveis por ato do Advogado Geral da União. Depois, a minuta de regulamentação elaborada serĂĄ submetida à consulta pĂșblica.
A criação da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia foi anunciada por Jorge Messias, advogado-geral da União, em 2 de janeiro, quando ele assumiu o cargo. Segundo Messias, a procuradoria é uma reação à onda de fake news e atentados contra as instituições pĂșblicas dos Ășltimos anos. Segundo o advogado-geral da União, o órgão vai ajudar a defender a democracia e combater a desinformação usada como arma polĂtica contra os atos pĂșblicos.
Não hĂĄ, no entanto, o conceito de desinformação no ordenamento jurĂdico brasileiro, o que fez a criação da procuradoria virar alvo de polĂȘmica. Esse assunto ainda estĂĄ em debate no Congresso Nacional, que terĂĄ que aprovar uma legislação que estabeleça a clara distinção entre desinformação e opinião.
Segundo o publicado no DOU, o grupo de trabalho terĂĄ a seguinte composição:
I - O Procurador-Geral da União, que o presidirĂĄ;
II - Dois representantes indicados pelo Advogado-Geral da União; e
III - um representante da Secretaria-Geral de Consultoria.
§ 1Âș Serão convidados a participar do Grupo de Trabalho um representante, titular e suplente, indicado pelos seguintes órgãos e organizações da sociedade civil:
I - Ministério da Justiça e Segurança PĂșblica;
II - Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania;
III - Secretaria de Comunicação Social da PresidĂȘncia da RepĂșblica;
IV - Conselho Nacional do Ministério PĂșblico;
V - Conselho Nacional de Justiça;
VI - Ordem dos Advogados do Brasil;
VII - Associação Brasileira das Emissoras de RĂĄdio e Televisão;
VIII - Associação Nacional de Jornalistas;
IX - Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo;
X - Associação Brasileira de Imprensa; e
XI - Federação Nacional de Jornalistas.
§ 2Âș Constituirão o Grupo de Trabalho os seguintes representantes da comunidade acadĂȘmica e cientĂfica:
I - Professor Dr. Ademar Borges de Sousa Filho;
II - Professor Dr. Alaor Carlos Lopes Leite;
III - Professor Dr. Daniel Sarmento;
IV - Professor Dr. Gustavo Henrique Justino de Oliveira;
VI - Professor Dr. João Gabriel Madeira Pontes;
VII - Professor Dr. Juraci Lopes Mourão Filho;
VIII - Professor Dr. Leonardo Avritzer;
IX - Professor Dr. Marcelo Cattoni de Oliveira;
X - Professor Dr. Mauro de Azevedo Menezes;
XI - Professor Dr. Martonio Mont' Alverne Barreto Lima; e
XII - Professor Dr. Marco Aurélio Ruediger.
§ 3Âș O Advogado Geral da União e o presidente do Grupo de Trabalho poderão ainda convidar, para participar das reuniões e propor colaborações, entre outros, representantes:
I - de outros órgãos e entidades pĂșblicos ou privados especialistas na matéria em discussão;
II - de agĂȘncias de checagem; e
III - de entidades representativas de classe do Poder JudiciĂĄrio e das funções essenciais à Justiça.
O que diz a AGU
Atendendo a um pedido do Jornal Nacional em 5 de janeiro, a AGU enviou por escrito a definição do termo sob a ótica do governo federal:
"No caso especĂfico do que serĂĄ objeto de atuação da AGU, a desinformação se caracteriza por fatos inverĂdicos ou supostamente descontextualizados levados ao conhecimento pĂșblico de maneira voluntĂĄria com objetivo de prejudicar a adequada execução das polĂticas pĂșblicas, com real prejuĂzo à sociedade".
A AGU também apontou que hĂĄ decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto. Esses precedentes, segundo a AGU, balizarão a atuação da nova Procuradoria.
Debate
A criação da procuradoria provocou um debate sobre o poder do governo para tomar decisões sobre o tema via Advocacia-Geral da União.
HĂĄ dĂșvidas sobre a conveniĂȘncia e o poder de atuação dela para dizer o que pode ser punido como desinformação em uma campanha contra uma polĂtica pĂșblica. Ou o que é crĂtica e opinião sobre o assunto.
À GloboNews, o professor de direito pĂșblico da Universidade de São Paulo (USP), Floriano de Azevedo Marques, disse que essa função assumida pela AGU na luta contra a desinformação caberia melhor ao Ministério PĂșblico.
"Essa discussão da desinformação, ela vai num nĂvel ainda superior, que é o interesse nem só do estado, mas da própria sociedade, que pela constituição, tem como principal guardião o Ministério PĂșblico. Então, eu acho que essa atribuição cabe mais como iniciativa judicial ao Ministério PĂșblico do a que a Advocacia PĂșblica", afirmou Marques.
A AGU apontou, ainda na nota enviada ao Jornal Nacional, que "sob nenhuma hipótese a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia cercearĂĄ opiniões, crĂticas ou atuarĂĄ contrariamente às liberdades pĂșblicas consagradas na Constituição Federal".
"Ao contrĂĄrio, sua atuação serĂĄ, exatamente, para proteger essas liberdades. Por fim, ressalta-se que a divulgação de informação com erro não intencional não é desinformação", completou.
Segundo a AGU, a Procuradoria "não tem papel de polĂcia e a decisão final sempre serĂĄ da Justiça".
A AGU afirmou também que a liberdade de opinião não serĂĄ afetada e que a imprensa serĂĄ aliada, com participação inclusive das agĂȘncias de checagem para verificar conteĂșdos mentirosos.