Entidades que defendem a transparĂȘncia das informações pĂșblicas estão preocupadas com a possibilidade de o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) impor sigilo sobre dados de doadores eleitorais e de pessoas que prestem serviços para campanhas polĂticas.
A discussão se dĂĄ num processo em que o TSE analisa a aplicação da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) no contexto eleitoral.
A corte criou um grupo de trabalho e tem colhido sugestões sobre o tema. Ainda não hĂĄ prazo para julgamento em plenĂĄrio.
A falta de decisão sobre o assunto ligou o alerta de organizações que integram o Fórum de Direito de Acesso a Informações PĂșblicas.
Na Ășltima quarta-feira (16), elas tiveram uma audiĂȘncia com o ministro Edson Fachin, atual relator do caso e presidente do TSE a partir do dia 22.
No encontro, relataram o receio de que uma determinada leitura da LGPD leve a corte a privilegiar a proteção dos dados pessoais em detrimento da transparĂȘncia, subvertendo o princĂpio da Lei de Acesso à Informação (LAI) segundo o qual a publicidade deve ser a regra, e o sigilo, a exceção. Na avaliação dessas organizações, seria um retrocesso.
O advogado Marcelo Issa, da TransparĂȘncia PartidĂĄria, defende que os dados sobre doadores são de interesse pĂșblico. "É fundamental para um voto consciente o eleitor ter conhecimento de quem são os financiadores de uma candidatura", afirma.
Além disso, diz ele, a divulgação de dados que permitam identificar doadores e prestadores de serviços ajuda no controle social exercido pela imprensa e pela sociedade civil.
"É um papel auxiliar em relação aos órgãos oficiais no que se refere à pesquisa de indĂcios de irregularidades no financiamento eleitoral, por exemplo. IndĂcios esses que nem sempre viriam à tona se não fosse esse trabalho", diz Issa.
Como a LGPD não tem nenhuma regra especĂfica sobre doações eleitorais, cabe ao TSE arbitrar o conflito entre o princĂpio da privacidade e o do interesse pĂșblico.
Por meio da assessoria de imprensa, o tribunal afirmou que a transparĂȘncia dos dados de interesse pĂșblico ou coletivo é regulada pela LAI e que a LGPD trata de dados pessoais.
"Cada uma tem um âmbito de atuação. (?) O TSE entende que a LAI e a LGPD devem ser interpretadas em conjunto, de forma sistemĂĄtica e à luz da Constituição."
Enquanto essa interpretação não chega, continua valendo a publicidade das Ășltimas eleições.
Juliana Sakai, da TransparĂȘncia Brasil, lembra que o STF (Supremo Tribunal Federal) jĂĄ decidiu que é legal divulgar salĂĄrios de servidores na internet e que isso poderia ser usado para balizar o debate sobre dados de doadores.
"Se por acaso os dados não forem mais abertos, a gente não vai mais conseguir rastrear como os doadores estão se movimentando, para onde estĂĄ indo o dinheiro de quem. Não vai ser possĂvel enxergar as autodoações. Não vai dar para saber se a pessoa estĂĄ respeitando as restrições legais", diz ela.
A Lei Eleitoral fixa um limite de 10% dos rendimentos brutos do doador no ano anterior ao do pleito. A mesma lei determina que os partidos, na prestação de contas, divulguem nome e CPF dos colaboradores e os respectivos valores repassados.
Em contrapartida, a LGPD caracteriza como sensĂveis os dados relativos a filiação partidĂĄria. Por esse motivo, no ano passado o TSE decidiu retirar do ar as bases de dados com essas informações.
Na época, Simone Trento, juĂza auxiliar da presidĂȘncia do TSE, afirmou que muitas pessoas relataram ao tribunal que tinham perdido oportunidades de emprego por serem filiadas a um partido.
Sakai e Issa consideram a medida um equĂvoco, por suprimir o acesso a informações relevantes para anĂĄlises sobre os partidos polĂticos, e defendem que ela seja revista.
A advogada Ana Tereza Basilio, presidente do Ibradados (Instituto Brasileiro de Estudos em Proteção de Dados), não vĂȘ espaço para essa revisão. De acordo com ela, os dados sobre filiação partidĂĄria só podem ser disponibilizados com a devida autorização do detentor.
Além disso, Basilio, que foi juĂza do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, afirma que a divulgação indiscriminada dos patrocinadores de campanhas acabaria por revelar dados que a LGPD classifica como sensĂveis.
Até por isso, ela diz: "Creio que haverĂĄ uma mudança procedimental no tratamento dos dados, mas sem deixar de atender ao princĂpio da transparĂȘncia".
Destacando que a publicidade dos financiamentos de campanhas é um avanço democrĂĄtico, Basilio diz que o sigilo não necessariamente compromete a transparĂȘncia.
"O desafio agora é encontrar um ponto de equilĂbrio entre a preservação dos dados sensĂveis das pessoas e a transparĂȘncia nas eleições", diz.
"É certo que as estruturas necessĂĄrias para a fiscalização do processo eleitoral, como tribunais eleitorais, continuarão tendo acesso aos dados e fiscalizando o processo de financiamento", afirma Basilio.
Gregory Michener, professor da FGV-Ebape (Escola Brasileira de Administração PĂșblica e de Empresas do Rio de Janeiro), diz que, nessa tensão entre o direito de saber que estĂĄ financiando candidaturas e o direito à privacidade, não é prudente buscar uma solução de transparĂȘncia total ou de sigilo absoluto.
"A solução encontrada no CanadĂĄ, por exemplo, é que uma doação acima de C$ 200 [cerca de R$ 800] implica transparĂȘncia pĂșblica. Abaixo dessa quantia, fica privada", diz Michener.
Outra opção, diz ele, é combinar um teto com opções de publicidade: a) transparĂȘncia de nome; b) transparĂȘncia de CPF; c) nenhuma transparĂȘncia. Com isso, os órgãos de controle teriam uma média da transparĂȘncia entre os partidos e poderiam apertar o cerco sobre aqueles que se desviassem muito do padrão.
Ele também fala em transparĂȘncia voluntĂĄria como uma alternativa. "Muitos querem ser reconhecidos por sua doação. Não podemos assumir que todo mundo prefira a privacidade."
O QUE DIZEM AS LEIS
Constituição
- Protege a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem e os dados pessoais, inclusive nos meios digitais.
- Assegura a todos o acesso à informação e estabelece que a publicidade é um dos princĂpios da administração pĂșblica e de qualquer dos Poderes da União, como o JudiciĂĄrio.
Lei Eleitoral (lei 9.504/1997) - Diz que os partidos polĂticos e os candidatos são obrigados, durante as campanhas eleitorais, prestar contas de doações recebidas, informando nome, CPF ou CNPJ dos doadores e os respectivos valores doados.
Lei de Acesso à Informação (lei 12.527/2011) - Tem como diretrizes a observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção, a divulgação de informações de interesse pĂșblico, independentemente de solicitações, e o fomento ao desenvolvimento da cultura de transparĂȘncia na administração pĂșblica.
- Estabelece que é dever do Estado garantir o direito de acesso à informação.
Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/2018) - Tem o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade.
- Considera dado pessoal sensĂvel: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião polĂtica, filiação a sindicato ou a organização de carĂĄter religioso, filosófico ou polĂtico, dado referente à saĂșde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.
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