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Plano de Poder: Teologia do Domínio e Igreja Universal - I

Abaixo a sutileza! No ano da graça de 2008, o autointitulado bispo Edir Macedo e o administrador de empresas Carlos Oliveira lançaram um livro que pode ser criticado por inúmeras razões, mas certamente não por excesso de sutileza: Plano de Poder.


Abaixo a sutileza!

No ano da graça de 2008, o autointitulado bispo Edir Macedo e o administrador de empresas Carlos Oliveira lançaram um livro que pode ser criticado por inúmeras razões, mas certamente não por excesso de sutileza: Plano de Poder. Assim: sem tirar nem pôr. Na cara dura, constrangimento algum, escrúpulo nenhum. Objeto nada obscuro de desejo, aqui se trata do poder político com o propósito de impor uma ordem teonomista.

(Olhos nos olhos: quero ver o que você faz.)

Se a explicitude do título impressiona, a desinibição do subtítulo beira a desfaçatez: Deus, os cristãos e a política. A circularidade tautológica do projeto fundamentalista vem à superfície, pois é como se o livro de Nikolas Ferreira aludisse ao manifesto da dupla Macedo e Oliveira: O cristão e a política. O plural é reduzido ao singular porque, na mentalidade do jovem templário de Belo Horizonte, o mundo é monocromático, e tudo que não seja espelho de suas convicções deve ser repudiado.

Abramos o livro. Pronto para a experiência?

Logo na segunda página da "Introdução" descobre-se o eixo do ensaio:

"Já na Criação, no livro do Gênesis, Deus nos dá uma aula de planejamento, organização e execução de uma ideia. Desde o início de tudo, Ele nos esclarece de sua intenção estadista e de formação de uma grande nação".[1]

Rito de passagem entre a Teologia da Prosperidade e a Teologia do Domínio, nessa manipulação vulgar da crença sincera de aproximadamente 40 milhões de fiéis, Deus desempenha papéis distintos, porém complementares na percepção distorcida de pastores-políticos, empreendedores da fé alheia.

De um lado, Deus é convertido na imagem de gestor de negócios, autêntico "coach de performance", CEO da multinacional mais tentacular do universo. Sua Masterclass é nada menos do que a Criação – e, claro está, "desde o início de tudo". Ora, teologicamente, os autores deveriam ter escrito "desde sempre", vale dizer, antes mesmo do tempo humano, "sem início" datável, na diferença fundadora entre existir e Ser. Contudo, esqueçamos a pouca familiaridade do bispo Macedo com questões filosóficas. O importante é que essa inesperada "aula de planejamento" resulte em lucros, no falso milagre mundano da multiplicação do dízimo.

De outro lado, um território novo é palmilhado na referência a um Deus "estadista", formador de "uma grande nação" – e agora o singular se impõe de maneira definitiva, não há mais espaço para pluralidades e dissensos. Afinal, como se lê numa frase que antes parece inglês mal traduzido:

"Na verdade, o universo antecede algo muito maior. O homem não foi criado por causa do universo, pelo contrário, o universo, sim, foi criado por causa do e para o homem".[2]

Reelaboração em tom menor da interpretação forjada pelo nacionalismo cristão do versículo 28 do primeiro capítulo do Gênesis, como discutimos em coluna anterior,[3] atribuindo ao homem o domínio sobre todas as coisas. Acredite se quiser, o negacionismo climático de boa parte dos adeptos do fundamentalismo religioso apoia-se nessa hermenêutica de alfaiate.

Colocada em segundo plano, a Teologia da Prosperidade pavimentou o caminho para a ascensão da Teologia do Domínio. Cofres abarrotados, contas bancárias recheadas, por que não se assenhorear de uma vez por todas do próprio Palácio? Mas não tomá-lo de assalto! Melhor sitiá-lo, pouco a pouco, até que suas chaves, por assim dizer, tornem-se parte do espólio da despolitização da pólis.

(Olhos nos olhos: quero ver o que você diz.)

O retorno

"João! De novo? A leitura fundamentalista bem pode ser deliberadamente fraudulenta – estou de acordo. Mas, no seu caso, não ocorrerá o oposto? Sem se dar conta, você comente o pecado da superinterpretação: qualquer vírgula, mesmo a mais inocente, vira uma tese em suas mãos!"

É possível! Posso deixar a vida me levar e terminar buscando somente o que desejo encontrar. Em sua confiança sem limites, Picasso inverteu com satisfação o Evangelho de Mateus – "Pedi e vos darão, buscai e encontrareis, batei e vos abrirão; pois quem pede recebe, quem busca encontra, a quem bate lhe abrem"[4] –, afirmando, "Não busco, encontro". Mais modesto, ou mais realista, proponho a consulta de duas ou três passagens para nossa avaliação. Vamos lá?

"Desde os primórdios da humanidade o ser humano vem lutando por espaços, por domínio e estabelecimento do poder".[5]

Três termos-chave destacam-se, descortinando a estrutura do pensamento dos autores: lutando, domínio e poder, num resumo vertiginoso do plano político aludido no título. A ideia de uma guerra permanente cai como uma luva na visão do mundo bélica que sustenta a extrema direita e, sobretudo, o militarismo, que se imiscui em todas as esferas da vida social. Daí, a ênfase no domínio, correlato objetivo da terra em transe da disputa sem trégua pelo poder político.

Você ainda não está convencido?

É justo.

Sigamos na leitura.

"Logo após ter formado o homem – leia-se Adão –, separado, à Sua imagem e semelhança, o Senhor disse: '(…) tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra' (Gênesis 1:28).

A resposta está aí, pois essa passagem bíblica menciona claramente um reino e domínio terreno e não após a morte dos filhos de Deus".[6]

Essa perícope, extraída do primeiro capítulo do Gênesis, não diz o que os criativos autores acreditam. No versículo imediatamente anterior, o "homem" não é gerado "separado", porém junto com a mulher:

"E Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou".[7]

Por isso, a dupla Macedo e Oliveira ardilosamente suprime o início do versículo citado – "E Deus os abençoou e Deus lhes disse", isto é, ao homem e à mulher –, a fim de sugerir uma versão que somente atribui o "domínio" ao "homem".

Ao mesmo tempo, a ênfase no caráter terreno, histórico, do reino e do domínio, palavras-imã que atraem toda e qualquer oportunidade de implementar um projeto de poder político, obrigou a uma transferência teológica, cujas consequências apenas se agravaram com a interseção da Teologia do Domínio com a extrema direita e o militarismo.

(Mais angustiado que um goleiro na hora do gol.)

 

O Novo Testamento não é aqui

O nacionalismo cristão em seu berço norte-americano realizou uma opção decisiva. A ordem teonomista almejada deve subordinar o Estado à lei divina. No entanto, não se trata de uma apreensão completa das Escrituras, porém de uma adesão irrestrita a uma leitura deturpada do Antigo Testamento. No ensaio programático de Gary North, discutido em colunas anteriores,[8] a escolha é assumida numa síntese que vale por longos tratados não lidos: "'Princípios da Bíblia' é um eufemismo para a lei do Antigo Testamento".[9]

O livro-manifesto Plano de Poder ilustra à perfeição o modelo, que implica obliterar o Novo Testamento, ou seja, a figura de Jesus, em favor do Antigo Testamento, isto é, seus inúmeros reis e líderes políticos e militares, com destaque para o pecador ungido, o rei Davi.

(Espere um pouco: nas próximas colunas retorno ao tema.)

Por que esse abandono pouco disfarçado da mensagem do Novo Testamento? Edir Macedo revela com a alegria de quem crê firmemente no seu plano de poder:

Ainda nos dias atuais, há muitas pessoas que, apesar de confessarem uma fé cristã, não conseguem identificar e assimilar o objetivo de Deus sobre esse aspecto para o seu povo (o projeto de poder político de nação).

Não nos enganemos pela aparência fenomenológica desses parênteses estratégicos. O alvo é bem concreto e obedece à risca a estratégia dos dois passos definida com irretocável brutalidade por Gary North. Na tradição local, a dicção permanece idêntica.

Lamentavelmente, esse senso de percepção tem faltado a muitos cristãos, que hoje já somam no Brasil uma população de cerca de 40 milhões de pessoas que vem crescendo a cada dia (esse dado aproximado é referente ao número de evangélicos só no Brasil, e não no mundo). É um enorme potencial, mas essas pessoas, em sua maioria, encontram-se como um gigante adormecido.[10]

O projeto de poder político depende diretamente do enorme potencial representado pelo número sempre crescente de novos fiéis que serão atraídos para os propósitos da Teologia do Domínio.

Tudo fica mais meridiano ao mapearmos as fontes do argumento da dupla Macedo e Oliveira: o tema da próxima coluna.

 

 

[1] Edir Macedo com Carlos Oliveira. Plano de Poder. Deus, os cristãos e a política. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2008, p. 8.
[2] Idem, p. 9.
[3] Ver, "Teologia do Domínio: Fundamentos – I": https://iclnoticias.com.br/teologia-do-dominio-fundamentos-i/
[4] Mateus 7:7-8. Bíblia do Peregrino. Op. cit., p. 2332.
[5] Edir Macedo com Carlos Oliveira. Plano de Poder. Op. cit., p. 11, grifos meus.
[6] Idem, p. 12, grifos meus.
[7] Gênesis 1:27-28. Bíblia do Peregrino. Luís Alonso Schökel (organização e notas). São Paulo: Editora Paulus, 2a edição, 2006, p. 17.
[8] Ver, "Teologia do Domínio: Fundamentos – II": https://iclnoticias.com.br/teologia-do-dominio-fundamentos-ii/
[9] Gary North. "The Intellectual Schizophrenia of the New Christian Right". In: James B Jordan. The Failure of the American Baptist Culture. Christianity and Civilization. N° 1, Spring 1982. Geneva Divinity School, p. 40. Tradução de José Luiz Rangel.
[10] Edir Macedo com Carlos Oliveira. Plano de Poder. Op. cit., p. 20, grifos meus.

 

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