SaĂșde Doenças raras

O longo caminho de pacientes de doenças raras até tratamento

Por Isto É

29/02/2024 às 09:43:23 - Atualizado hĂĄ
Foto: Reprodução internet

Por ser incomum, o 29 de fevereiro é o dia dedicado a consciĂȘncia sobre tais patologias, que acometem cerca de 13 milhões de pessoas somente no Brasil.De acromegalia a Zimmermann-Laband, são pelo menos 8 mil tipos de doenças raras em todo o mundo. HĂĄ um critério para agrupĂĄ-las: de acordo com a Organização Mundial da SaĂșde (OMS), uma doença é considerada rara quando atinge até 65 pessoas por 100 mil indivĂ­duos. Mas considerando que são milhares essas patologias, faz sentido o mote adotado por aqueles que trabalham na conscientização da questão: "somos raros, mas somos muitos".

O dia 29 de fevereiro, justamente por ser uma data que só acontece a cada quatro anos, é considerado o Dia Mundial das Doenças Raras. A ideia, proposta em 2008 pela Organização Europeia de Doenças Raras, acabou sendo incorporada em boa parte do mundo, inclusive no Brasil, como uma forma de chamar a atenção para essas enfermidades.

Segundo o médico João Bosco de Oliveira Filho, coordenador do Programa de Medicina de Precisão do Hospital Israelita Albert Einstein e pesquisador-chefe do projeto Genomas Raros, hĂĄ estudos americanos que apontam para a existĂȘncia de 9,6 mil doenças raras. "Individualmente elas são incomuns, mas pelo nĂșmero elevado de patologias, como um grupo, elas são bastante relevantes", argumenta.

Só no Brasil estima-se que pelo menos 13 milhões de pessoas tenham alguma delas — é a mesma quantidade dos pacientes de diabetes. Devido à própria diversidade de doenças, não hĂĄ como chegar a um total de quantos não são diagnosticados — mas especialistas acreditam que sejam a maioria. "Não conseguimos mensurar de forma correta para responder as duas perguntas, pois não hĂĄ um cadastramento dos acometidos neste momento", afirma Regina Próspero, CEO do Instituto Vidas Raras.

Calcula-se que, dentre todos os tipos de doenças raras, 30% dos pacientes morrem antes dos cinco anos de idade. "75% delas afetam crianças, 80% tĂȘm origem genética e 90% delas não tĂȘm cura, mas podem ter um tratamento", acrescenta Próspero.

"E, quando se considera as doenças genéticas, 99% delas são doenças raras", frisa a bióloga geneticista Liya Regina Mikami, da Faculdade Evangélica Mackenzie do ParanĂĄ e coordenadora do grupo de pesquisas Investigação Molecular de Patologias. "É importante salientar que esse total de doenças raras pode ser ainda maior, pois devido à sua raridade e variabilidade clĂ­nica, muitos afetados não são diagnosticados."

Ela lembra que, embora a lista seja grande, algumas dessas doenças são um pouco mais conhecidas do pĂșblico em geral, como a atrofia muscular espinhal, a hemofilia e a esclerose lateral amiotrófica (ELA).

Longo caminho do diagnóstico ao tratamento

Pacientes com enfermidades raras enfrentam dificuldades que vão do diagnóstico ao tratamento em si. "Muitas vezes é uma odisseia diagnóstica", diz Oliveira Filho. "Como as patologias são incomuns, eles chegam nos médicos de serviços primĂĄrios e não tĂȘm o reconhecimento da doença. Então é uma caminhada longa."

"Existe o diagnóstico nos centros de excelĂȘncia, que pode ser feito por sequenciamento genético de Ășltima geração, considerando as doenças de causas genéticas. Mas a maioria das pessoas não tem acesso a esses centros", pontua a geneticista Mayana Zatz, do Instituto de BiociĂȘncias da Universidade de São Paulo (USP). "Então eles passam de médico em médico, de serviço em serviço, fazendo uma série de exames desnecessĂĄrios que não ajudam no diagnóstico."

Uma vez identificada a enfermidade, vem a saga em busca de tratamento. "É a segunda barreira: é comum não haver um medicamento especĂ­fico. Como são raras, essas doenças não são do interesse da indĂșstria farmacĂȘutica", diz Oliveira Filho. "Economicamente, é pouco viĂĄvel."

"Pela raridade, não hĂĄ dados cientĂ­ficos suficientes para se determinar prognóstico e sobrevida e, predominantemente, não hĂĄ tratamento especĂ­fico e o manejo clĂ­nico então visa a minimizar os sintomas e melhorar a qualidade de vida do paciente", resume Mikami.

Próspero lembra também que os medicamentos indicados costumam ser de alto custo. "Dificilmente alguma doença rara tem um tratamento que o paciente possa pagar sozinho", afirma.

"Os custos são extravagantes. Por exemplo, a amiotrofia espinhal tem um custo de quase R$ 7 milhões por paciente", reforça a geneticista Zatz.

Mikami contextualiza esse ciclo vicioso, lembrando que o desenvolvimento de um medicamento pela indĂșstria farmacĂȘutica envolve grandes investimentos. Isto, por um lado, justifica economicamente o desinteresse na criação de fĂĄrmacos para doenças raras. Por outro, torna o produto final extremamente caro, nos casos em que é desenvolvido.

As pesquisas também enfrentam dificuldades, até mesmo para encontrar um nĂșmero considerĂĄvel de pacientes e analisĂĄ-los como amostragem cientĂ­fica. "O estudo é dificultado pelo baixo nĂșmero de afetados, o que demanda uma cooperação internacional em que pesquisadores do mundo todo juntam suas amostras para um estudo global", afirma Makumi.

PolĂ­tica nacional de atenção integral

Mas hĂĄ boas notĂ­cias para os afetados no Brasil. Com a publicação, em 2014, de uma portaria especĂ­fica, o paĂ­s passou a ser um dos poucos no mundo com uma polĂ­tica nacional de atenção integral a esses pacientes. O documento traz as diretrizes do atendimento via Sistema Único de SaĂșde e institui incentivos financeiros de custeio — hĂĄ a previsão de verbas adicionais para instituições de saĂșde com equipes especializadas em doenças raras, por exemplo.

"Temos muito a comemorar", comenta Próspero. "A portaria 199 veio para nos guiar e tem feito seu papel. Mas nossa jornada não tem fim. Muitos milhares de brasileiros precisam de ajuda. É um caminho inglório e que necessita de apoios."

A portaria possibilitou a criação de centros de referĂȘncia em todo o paĂ­s. "Esses serviços tĂȘm acesso a um pouco mais de recurso e a alguns testes genéticos que não estão disponĂ­veis em outros centros", compara Oliveira Filho. "Mas ainda não tĂȘm acesso a ferramentas genéticas modernas, como as que temos no projeto Genomas Raros."

Graças a uma parceria firmada entre o Einstein e o Ministério da SaĂșde, o projeto capitaneado por Oliveira Filho realiza, sem custo, sequenciamento genético de materiais obtidos de 22 desses centros de referĂȘncia mantidos pelo SUS.

No âmbito das pesquisas, Oliveira Filho ressalta que trabalhos recentes vĂȘm desenvolvendo terapias gĂȘnicas que se apresentam como tratamentos eficientes em muitos casos. "São de custo altĂ­ssimo", diz ele.

Por fim, pensando no longo prazo, uma estratégia é o chamado aconselhamento genético, em que casais com altas chances de terem filhos portadores de doenças raras são orientados. "Uma solução é o acesso à reprodução assistida, para depois selecionar fetos sem a doença. Isso faria parte de uma iniciativa para diminuir a carga genética com marcadores de doenças raras", afirma Oliveira Filho.

Um trabalho assim estĂĄ prestes a ser iniciado pela USP. Zatz conta que a ideia é triar casais em idade reprodutiva com potencial de desenvolvimento de doenças recessivas — aquelas que só aparecem se a criança receber um gene recessivo do pai e um gene recessivo da mãe para a mesma enfermidade. "Vamos detectar casais em que ambos são portadores de genes para uma mesma doença antes de eles terem uma criança afetada", detalha.

Na primeira fase, serão 5 mil casais participantes. A geneticista espera que, a partir dos primeiros resultados, o projeto se torne uma polĂ­tica de estado. "Ou seja, que possamos oferecer a todos os casais em idade reprodutiva a possibilidade de saber se eles tĂȘm risco aumentado de vir a ter filhos com doenças genéticas graves", vislumbra.

Fonte: Isto É
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