Geral conflito

Voluntários franceses na Ucrânia "ressuscitam" e desmentem relatório da Rússia sobre "mercenários" mortos

“Para os russos, eu já morri duas vezes”, comenta Franck, com um sorriso sarcástico em meio à densa barba.

Por Da Redação

27/01/2024 às 17:10:44 - Atualizado há

“Para os russos, eu já morri duas vezes”, comenta Franck, com um sorriso sarcástico em meio à densa barba. “Por sorte, não são mortes muito graves, porque eu ressuscito”, ironiza este combatente da Legião Internacional Ucraniana, em conversa com a AFP.

Este homem robusto, de 50 anos, que aceitou falar da linha de frente e mostrar seu rosto por Skype, mas sem fornecer seu sobrenome, é um dos supostos “mercenários” franceses que a Rússia garante ter eliminado em um bombardeio em Kharkiv, no leste da Ucrânia, na madrugada de 17 de janeiro.

O Ministério da Defesa da Rússia afirmou, com uma grande operação de comunicação, que tinha “eliminado” cerca de 60 combatentes, “a maioria deles cidadãos franceses”, e ferido outros 20.

Paris viu nesse anúncio “uma manobra coordenada da Rússia” para propagar informações falsas relacionadas com a França, que aumentou recentemente seu apoio armamentista à Ucrânia.

Canais de Telegram e ativistas pró-Kremlin difundiram maciçamente várias listas, entre elas uma que supostamente revelava a identidade de uns 30 “mercenários franceses mortos”.

Nela aparece Franck, que, no outono boreal de 2022, já tinha sido declarado morto por um meio de comunicação russo, em um vídeo visto pela AFP.

“Perdi minha câmera GoPro em uma trincheira na província de Zaporizhzhia (sul). Utilizaram minhas imagens, mescladas com outras de cadáveres, para dizer que todo o meu grupo tinha morrido”, relata.

A AFP também encontrou e entrevistou outros dois cidadãos franceses que figuravam nessas listas.

Os três denunciam uma “propaganda falsa” para “desacreditar” seu compromisso como voluntários junto às forças ucranianas, que desde fevereiro de 2022 resistem à invasão russa.

Esses ex-militares franceses, que não estavam em Kharkiv no momento do ataque, negam taxativamente que sejam “mercenários”.

– Listas geradas por ChatGPT –

Béranger Minaud, que se apresenta com seu nome real e com quem a AFP se reuniu em 25 de janeiro próximo aos Alpes franceses, afirma que deixou a Ucrânia em setembro de 2023, após ficar ferido em combate.

“Para mim, é totalmente impossível que 50 combatentes franceses estejam no mesmo lugar e no mesmo momento na Ucrânia”, explica este ex-motorista de entregas de 45 anos, que se envolveu em trabalhos humanitários antes de pegar em armas para “deter os massacres” de civis na ex-república soviética.

“É difícil acreditar que somos mais de 50 neste momento. E os que conheço estão dispersos em unidades à direita e à esquerda”, diz este homem magro e com cavanhaque grisalho, mostrando seu passaporte e sua carteira militar ucraniana.

Fontes de segurança da França estimam que há por volta de uma centena de voluntários franceses na Ucrânia.

“Essas listas são absurdas. Estão nelas outros caras que conheço que estiveram na Ucrânia, mas que retornaram à França há bastante tempo”, acrescenta em conversa por WhatsApp outro homem, de 43 anos, que se autodenomina Sly e que luta atualmente “no sul ucraniano”.

Segundo Franck, que conversou com pessoas de Kharkiv da região de Donbass, onde ele atua como franco-atirador, “o bombardeio daquela noite não atingiu nenhum edifício militar, mas infraestrutura civil. Dezenove civis ficaram feridos, mas isso é tudo”. Este número é próximo dos 17 civis feridos informados pelas autoridades locais.

Algumas identidades nas listas são falsas, segundo fontes diplomáticas e militares francesas, uma das quais afirmou que algumas listas “geradas por ChatGPT” produziram nomes rocambolescos como “Air Jordan”, nascido em 1986 e já falecido.

“Mesclam o verdadeiro e o falso […] com elementos verificados sobre a presença de franceses na Ucrânia”, acrescenta.

Xavier Tytelman, consultor e redator-chefe da revista francesa sobre aeronáutica Air et Cosmos, diz ter feito contato com uma dúzia de membros franceses da Legião Internacional Ucraniana cujos nomes apareciam nessas listas, “todos muito vivos”.

A França não nega a presença de alguns de seus cidadãos nas fileiras do Exército ucraniano, mas rejeita a insinuação russa de que teria envolvimento no recrutamento deles.

A palavra “mercenário”, escolhida por Moscou, não é aleatória. Um mercenário é alguém que combate a serviço de um poder estrangeiro em troca de remuneração, algo passível de cinco anos de prisão na França.

É também o termo utilizado pela França para denunciar as atividades do grupo paramilitar russo Wagner, acusado há anos por Paris de cometer crimes de guerra na África.

– Mesmos deveres, mesmos soldos –

Desde o começo da guerra, o presidente ucraniano Volodimir Zelensky incentivou a adesão de voluntários estrangeiros à “Legião Internacional” para lutar contra os russos.

“Mercenários, nazistas… Isso também faz parte das notícias falsas propagadas pelos russos!”, protesta Sly, membro de um batalhão de infantaria do Exército regular ucraniano.

“Todos viemos defender causas diferentes aqui. Alguns queriam ação, adrenalina, outros vieram por razões humanitárias ou políticas, mas se estivéssemos aqui por dinheiro, se saberia.”

“Para mim era impossível ficar de braços cruzados olhando pela televisão os bombardeios, famílias inteiras perdendo tudo e ficando na rua, a duas horas de avião da minha casa”, explica Sly. “A Ucrânia é a porta de Europa”, ressalta.

Os combatentes estrangeiros firmam contratos formais com o Exército ucraniano e têm um documento com seus nomes que especifica as unidades onde estão lotados e o material bélico que devem receber.

“Temos os mesmos direitos e deveres dos soldados ucranianos, com a diferença de que podemos ir embora quando quisermos, e recebemos exatamente o mesmo soldo”, destaca Béranger Minaud.

O pagamento mensal é de 20.000 grívnias (cerca de 2.600 reais), ao qual se soma o equivalente a cerca de 2.650 dólares (13.000 reais) por cada mês transcorrido na linha de frente.

“Parece um pouco com a Legião Estrangeira francesa”, estima Franck, que, assim como outros combatentes “de todas as nacionalidades”, luta há quase dois anos junto de seus irmãos de armas ucranianos.

O voluntário garante que não lhe incomoda ser objeto de informações falsas da “propaganda russa”. “Assumo totalmente o que faço”, declara.

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Fonte: Isto É
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