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Garimpo desacelera, mas cresce 7% na TI Yanomami em 2023, apontam organizações; entidades cobram 'Plano de Proteção Territorial' ao governo

Por Brasil de Fato

26/01/2024 às 10:00:27 - Atualizado há

Em nota técnica publicada nesta sexta-feira (26), lideranças da Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima (RR), denunciaram um conjunto de situações que ainda marcam a área mais de um ano após o decreto presidencial que formalizou o estado de calamidade pública no local. De acordo com a Hutukara Associação Yanomami, o garimpo reduziu o ritmo de crescimento da atividade no território, mas ainda assim conseguiu crescer 7% no período. Além disso, a entidade afirma que a ação dos invasores segue inviabilizando uma das principais demandas da população local: o atendimento de saúde.

O relato da organização é subscrito também pela Associação Wanassedume Ye'kwana (Seduume), pela Urihi Associação Yanomami e conta com apoio de técnicos do Instituto Socioambiental (ISA) e do Greenpeace. O grupo afirma que, por conta da presença ainda constante do garimpo, o alastramento de enfermidades infectocontagiosas, a contaminação por mercúrio e a violência seguem afetando duramente a população local, que engloba 384 comunidades.

Os estragos causados pelo garimpo ilegal na área são materializados em números: foram registradas 308 mortes na TI no ano passado, sendo 129 delas por doenças infecciosas, 63 por males de ordem parasitária e 66 ocasionados por doenças respiratórias. "Em muitas regiões, a cobertura vacinal não atinge nem metade das crianças, tanto as com menos de 1 ano quanto as de 1 a 4 anos", acrescenta o documento.

As entidades apontam ainda a preocupação com a desnutrição e afirmam que, mesmo com a ampliação do atendimento a crianças de até 5 anos por parte da Vigilância Alimentar e Nutricional em relação a 2022 e 2021, o Estado brasileiro ainda não chegou a todo o segmento, pois as equipes hoje abarcam apenas 84,5% da população-alvo.

Houve ainda, nas comunidades, pelo menos sete assassinatos resultantes de conflitos diretos envolvendo arma de fogo introduzidas na TI por garimpeiros. "Enquanto garimpeiros insistem na atividade ilegal, profissionais de saúde se sentem intimidados e não conseguem acessar comunidades mais vulneráveis. Indicação para resolver situação é a imediata retirada de invasores em conjunto com plano territorial e apoio a comunidades que desejem mudar para locais mais distantes das consequências do garimpo", defende a nota.

Em vídeo divulgado pela Huturuka, o presidente da entidade, Davi Kopenawa Yanomami, chama a atenção para problemas colaterais gerados pelo garimpo ilegal na TI. "Máquina [de exploração de minérios] estraga tudo, derruba floresta, bota veneno na água e [contamina] os peixes. Peixe é nosso alimento. Nós não temos loja, como vocês têm na cidade [e ficam] guardando as comidas. Água é comida. Vocês têm água encanada na sua casa. Nós não precisamos de água encanada. Precisamos de panela de barro. É assim que funciona a cultura Yanomami", desabafa.

Meio ambiente

O grupo de organizações chama atenção ainda para a devastação ambiental ocasionada pelo garimpo: os 7% de crescimento verificados na área de atuação dos invasores impactaram um total de 5.432 hectares da TI em 2023. "Esse número representa uma desaceleração na taxa de crescimento da área degradada, em comparação com o avanço dos últimos anos, nos quais a taxa de incremento anual foi de 42% (2018-2019), 30% (2019-2020), 43% (2020-2021), 54% (2021-2022). Porém, este incremento revela também que a atividade ilegal continua operando com intensidade no território", afirma a nota técnica.

Outra preocupação do grupo é com o avanço dos garimpeiros no que se refere ao uso de tecnologias de comunicação que servem para sofisticar os métodos de exploração da terra e enganar os fiscais estatais que atuam na área. Na nota técnica, a Hutukara destaca que desde outubro de 2018 realiza por conta própria uma vigilância sobre a TI através da interpretação de imagens de satélite.

Segundo a organização, especialistas averiguam as imagens e mapeiam os tipos de área devastada, por isso a entidade consegue acompanhar os dados em detalhes de forma permanente. "Ao todo, são 21 regiões (de um total de 37) com registros de desmatamento associado ao garimpo. Dessas regiões, o Sistema de Alertas da TI Yanomami 2 confirmou a presença garimpeira em pelo menos 13", informa a Hutukara.

Recomendações

Com base no panorama traçado, a entidade faz coro para que as autoridades mantenham o que chama de "perspectiva holística para a superação da crise", com ações multilaterais de atenção à TI que englobem serviços de saúde, infraestrutura, recursos humanos e planejamento. A Huturuka e seus parceiros traçam, no documento, um conjunto de recomendações dirigidas ao governo Lula.
Entre elas estão a "retomada urgente" dos trabalhos de desintrusão de garimpeiros, o fortalecimento de ações integradas, a elaboração de um "Plano de Proteção Territorial" que inclua bloqueio fluvial e controle do espaço aéreo, soluções de patrulhamento da área, um plano para capacitar e engajar indígenas nas ações de vigilância do território, força-tarefa para o controle da malária, ampliação de parceiras técnicas com organizações de saúde, entre outros aspectos.
"Nossas autoridades do Brasil precisam olhar mais o meu povo Yanomami porque o meu povo é reconhecido no Brasil e fora. Precisamos, [com o apoio das] autoridades – deputados, senadores, ministros que cuidam do Meio Ambiente, da Defesa –, pressionar o chefe dos garimpeiros, que também nunca foi preso. Tem que botar na cadeia quem está errado, que está fazendo muito mal para o povo indígena brasileiro", apela Davi Kopenawa.

Balanço do governo

Em balanço divulgado no final de 2023, o governo informou que o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública, instalado para ações emergenciais de enfrentamento da crise, realizou mais de 13 mil atendimentos aos indígenas encontrados em "grave situação de abandono".

Como parte das ações, também foram enviados 4,3 milhões de unidades de medicamentos e insumos, e aplicadas 52.659 doses de vacinas. Ao todo, 1.850 profissionais de saúde mobilizados, atuando em escala, aponta o levantamento.

No começo deste ano, o governo anunciou uma série de medidas para reforçar as ações na TI Yanomami. Entre elas, a presença permanente de militares no território e a criação de um espaço de governança integrado dos órgãos federais, em Roraima, batizado de "Casa de Governo".

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