Educação Novo Ensino MĂ©dio

Entidades civis questionam pressa para análise de PL que altera Novo Ensino Médio; Câmara vota mérito nesta semana

Por Brasil de Fato

18/12/2023 às 10:30:31 - Atualizado hĂĄ

Lideranças da sociedade civil organizada do campo progressista tĂȘm criticado duramente a velocidade da tramitação da proposta que altera o Novo Ensino Médio (NEM), que teve a urgĂȘncia aprovada na Ășltima terça (12) no plenĂĄrio da Câmara dos Deputados. O texto deverĂĄ ter o mérito apreciado nesta semana. A celeridade na avaliação do texto tem sido articulada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e pelo relator da medida, Mendonça Filho (União-PE), em associação com outros aliados.

A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), por exemplo, questiona a velocidade da votação no apagar das luzes de 2023, quando as escolas estão fechadas e com os estudantes em férias. A entidade aponta que o contexto não favorece a disseminação dos debates sobre o texto em anĂĄlise na Câmara e, consequentemente, afeta o nĂ­vel engajamento da classe estudantil. "Nós achamos que o ideal seria ele ser votado posteriormente à ConferĂȘncia Nacional de Educação, porque [os parlamentares] iriam ouvir novamente a sociedade civil", afirma a presidenta da entidade, Jade Beatriz. O evento ocorre no final de janeiro.

O debate sobre a rapidez da tramitação começou com o próprio Ministério da Educação (MEC), autor do Projeto de Lei (PL) 5230/2023, que enviou a proposta ao Congresso Nacional no final de outubro com tarja de urgĂȘncia constitucional. Trata-se de uma prerrogativa do Poder Executivo que faz com que o texto precise ser avaliado por cada casa legislativa em até 45 dias. Não sendo apreciado dentro desse intervalo de tempo, o PL tranca a pauta, impedindo a anĂĄlise de outras propostas para que tenha prioridade na votação.

O atropelo desagradou Lira e o centrão e também gerou problemas para o próprio governo Lula, que viu o PL atrapalhar os planos da gestão neste final de ano no Congresso. Diante da falta de acordo sobre o texto e de um acĂșmulo de pautas econômicas – consideradas prioritĂĄrias para a administração petista – a serem votadas até o dia 22, quando o Legislativo oficialmente entra em recesso, o MEC acabou retirando a urgĂȘncia constitucional na Ășltima segunda (11) para liberar a pauta de votações. Foi também uma forma de tentar esfriar os Ânimos dos grupos crĂ­ticos à proposta.

O fantasma da urgĂȘncia, no entanto, voltou à cena logo no dia seguinte, quando Lira decidiu colocar o texto sob anĂĄlise. A iniciativa foi interpretada no mundo polĂ­tico como uma espécie de vingança. Além de o texto do governo gerar controvérsias com diferentes grupos partidĂĄrios, deputados se queixaram de falta de diĂĄlogo do MEC com as lideranças da Casa para fazer as costuras necessĂĄrias ao projeto logo após a chegada do texto à Câmara.


Estudantes pedem revogação do Novo Ensino Médio na Avenida Paulista, em São Paulo / FOTO: @XuniorL/Junior Lima

"Não justifica essa urgĂȘncia, haja vista que qualquer alteração [no NEM] seria para iniciar em 2025 ou 2026. Ter pedido o regime de urgĂȘncia é um equĂ­voco enorme porque o PL jĂĄ entrou no Congresso com a marca da ausĂȘncia de debate que a matéria exige. Em primeiro lugar, errou o governo ao encaminhar [o texto] com pedido de urgĂȘncia, interditando uma discussão aprofundada, que envolveria ouvir estudantes, profissionais de educação, entidades cientĂ­ficas, a sociedade em geral", avalia a professora Mônica Ribeiro, coordenadora do Observatório do Ensino Médio, da Universidade Federal do ParanĂĄ (UFPR).

Também coordenadora da "Rede Em Pesquisa", que reĂșne 24 grupos de estudiosos em educação pelo paĂ­s, a professora vĂȘ ainda outros erros no jogo polĂ­tico em torno da matéria. "Quando o governo Lula retirou a urgĂȘncia constitucional, por exemplo, ele fez isso tardiamente. A relatoria jĂĄ havia sido designada para o Mendonça Filho havia bastante tempo. A gente sentiu aĂ­ uma ausĂȘncia de articulação do MEC junto ao Congresso para dar um trato mais adequado a matéria."

ConteĂșdo

As polĂȘmicas sobre o PL não se encerram no debate sobre o rito de tramitação: hĂĄ também dissidĂȘncias relacionadas ao conteĂșdo. Em geral, o campo progressista discorda da versão apresentada por Mendonça Filho. A principal divergĂȘncia diz respeito à carga horaria de aulas. Com a reforma, que entrou em vigor em 2022, a lei passou a prever uma base curricular comum de aulas de 1,8 mil horas, considerando portuguĂȘs, matemĂĄtica e inglĂȘs como disciplinas obrigatórias na grade. A norma também fixa que deve haver 1,2 mil de matérias opcionais, aquelas que compõem os itinerĂĄrios formativos das escolas.

O PL do MEC propõe que espanhol, educação fĂ­sica, artes, quĂ­mica, biologia, história, geografia, sociologia e filosofia sejam também matéria obrigatórias e que, para isso, a base curricular comum aumente para uma carga de 2,4 mil horas de aula. O projeto reduz ainda para 600 o total de horas das disciplinas opcionais. No relatório apresentado à Câmara, Mendonça reduziu a carga das obrigatórias para 2,1 mil e ampliou para 900 as que ficam a critério dos alunos.

Ex-ministro da Educação do governo Temer e um dos arquitetos polĂ­ticos da reforma do ensino médio, aprovada pelo Legislativo em 2017, o deputado propõe um modelo mais próximo da reforma original de seis anos atrĂĄs. Por conta disso, também não tem atendido a alguns pontos defendidos pelo campo progressista e que se tornaram motivo de pressão sobre os parlamentares para que o relatório seja alterado no plenĂĄrio.


Em 2022, Brasil teve 7,9 milhões de matrĂ­culas no ensino médio, segundo Censo Escolar/ Wilson Dias / AgĂȘncia Brasil

"Nós estamos rodando todos os gabinetes, conversando com os deputados e pedindo que eles coloquem as 2,4 mil horas, e o espanhol como matéria obrigatória, que o Mendonça também tirou", exemplifica a presidenta da Ubes. "O problema é que o retorno que a gente tem é que o relator estĂĄ irredutĂ­vel e, de fato, ele estĂĄ. Nós tivemos uma reunião com ele e ele falou 'não' para absolutamente tudo que a gente pediu", queixa-se a dirigente.

Por conta disso, entidades como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e a Ubes se articulam para ampliar a pressão sobre os deputados nesta terça-feira (19), em um protesto conjunto marcado para ocorrer na porta da Câmara. "Nós não vamos desistir. Estamos mobilizados para fazer essa ação", diz Jade Beatriz.

Manutenção das desigualdades

Para o professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e também integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a pressão tem grande relevância no atual contexto porque o projeto compromete balizas consideradas importantes para a garantia de uma educação de qualidade. É o caso, por exemplo, da escolha por um modelo que não penalize as escolas pĂșblicas.

Ele lembra que, no atual contexto, nem sempre essas unidades conseguem ofertar aos alunos todos os itinerĂĄrios formativos previstos na reforma do Ensino Médio. O educador teme os efeitos negativos que uma eventual aprovação final do PL pode trazer para os secundaristas. "O que estĂĄ em jogo para os adolescentes neste momento, concretamente, é viver sob a desigualdade ou não. Se de fato o Congresso reiterar essa reforma do ensino médio, o Brasil vai cristalizar as desigualdades educacionais."

Resposta

O Brasil de Fato tentou ouvir o deputado Mendonça Filho por telefone, mas as ligações não foram atendidas. O mesmo procedimento foi feito em relação ao MEC. Por meio de sua assessoria de imprensa, o ministério disse que "o PL encaminhado ao Congresso não é do MEC, e sim uma construção conjunta a partir de consulta pĂșblica, que ouviu mais de 150 mil estudantes e professores, e com participação de entidades" da sociedade civil.

A pasta afirma ter ouvido entidades como a Ubes, o Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede) e o Conselho Nacional de SecretĂĄrios de Educação (Consed), entre outras organizações. O ministério não quis comentar a questão da urgĂȘncia constitucional colocada inicialmente no PL.

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