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Proposta de nova Constituição não reverte privatização da água no Chile

Mais de 15 milhões de eleitores chilenos devem ir às urnas no próximo domingo (17) para decidir se aprovam ou não a segunda versão do novo texto constitucional do Chile, fruto de um longo processo que começou nas ruas, em 2019, e já teve várias idas e vindas políticas.

Por Da Redação

12/12/2023 às 17:36:27 - Atualizado há

Mais de 15 milhões de eleitores chilenos devem ir às urnas no próximo domingo (17) para decidir se aprovam ou não a segunda versão do novo texto constitucional do Chile, fruto de um longo processo que começou nas ruas, em 2019, e já teve várias idas e vindas políticas.

Entre centenas de artigos presentes na proposta de Carta Magna, um ponto fundamental para o país está em disputa: a privatização da água. Para Francisca "Pancha" Rodríguez, histórica militante do Partido Comunista Chileno e representante do movimento camponês Anamuri (Associação Nacional de Mulheres Rurais e Indígenas), o novo texto não reverte o atual status do recurso natural, ao contrário, piora sua condição.

"A proposta da direita é ainda mais perigosa, se esse texto for aprovado a agricultura no Chile vai desaparecer. Eu sinceramente achava que o povo não aprovaria essa Constituição, mas depois de ver o que aconteceu na Argentina, com a vitória de Javier Milei, eu acho que tudo pode acontecer", disse.

A ativista conversou com o Brasil de Fato em Bogotá, capital da Colômbia, onde participou da 8ª Conferência Internacional da Via Campesina entre os dias 01 e 08 de dezembro. Ali, Rodríguez discutiu os principais problemas do campesinato chileno, principalmente o acesso à água, que é considerada no país uma mercadoria como outra qualquer.

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"O Chile é um país privatizado. Portanto a água tem dono. A legislação da ditadura permite que as reservas de água que existem embaixo de uma terra possam ser compradas separadamente por outro dono que não seja necessariamente o mesmo dono da terra. A maioria dos registros está nas mãos dos empresários do agronegócio e da mineração", explica.

Herança da ditadura e do projeto econômico neoliberal, diversos serviços básicos no Chile são parcial ou totalmente privatizados e essa foi uma das principais características que fizeram com que milhões de pessoas fossem às ruas em outubro de 2019, em um movimento que ficou conhecido como estallido social (explosão social, em tradução livre). A onda de manifestações levou a um clima insustentável para o então presidente Sebastián Piñera e uma Assembleia Constituinte foi convocada. Parlamentares foram eleitos pelo voto direto, formando uma Convenção Constitucional majoritariamente progressista.

"Nós participamos de uma tremenda ofensiva para levar nossas propostas mais populares, trabalhamos dia e noite, com candidatadas que elegemos dos nossos movimentos", afirma Pancha. A ativista lembra das campanhas das quais "o movimento camponês esteve à frente e pôde fazer suas primeiras propostas e a que mais teve apoio foi a do direito à água, pois ela superou a quantidade de votos que precisava para entrar na discussão".

O Chile é um dos poucos países do mundo que permite a privatização total de reservas de água, o que abre espaço para o monopólio de grandes empresas do setor do agronegócio. Isso é fruto do chamado Código de Águas, elaborado nos anos 1980 ainda sob a ditadura militar de Augusto Pinochet. A legislação, como explicou Pancha, instituiu a separação dos direitos ao uso da água do uso da terra, permitindo a compra e venda do bem natural por empresários ou empresas que não necessariamente eram donas dos terrenos.

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"Foi muito difícil, muitos camponeses tinham poços em suas pequenas terras, ou se serviam de lagos e de repente essas fontes tinham donos, ou seja, empresários compraram aquelas reservas sem nem avisar quem vivia nas terras. Os camponeses começaram a ter que pagar pelo uso da água que estava em seu próprio terreno, pagavam a empresas agroexportadores e às grandes empresas mineiras", afirma.

Era essa situação que Pancha e os movimentos de luta no campo estavam combatendo quando propuseram as modificações necessárias na proposta constitucional que foi a plebiscito em setembro de 2022. O texto, na prática, encerrava a privatização da água no país e passava a considerá-la apenas como recursos natural e bem comum.

No entanto, a proposta foi rejeitada por mais de 61% dos eleitores, num grande revés para movimentos e partidos progressistas do país. "Foi uma derrota terrível", lamenta Rodríguez. "Mas apesar de ser rejeitada, essa Constituição serviu para que o país voltasse a discutir agricultura e o governo teve que voltar a negociar com o movimento camponês", argumenta.


Francisca 'Pancha' Rodríguez: 'Entender a privatização da água é uma loucura, é impossível' / Rafael Stedile/Via Campesina

Hoje, uma convenção menos popular e dominada por partidos de direita e de extrema direita apresentou uma proposta de Carta Magna mais conservadora, que mantém diversos aspectos da Constituição de Pinochet. No quesito privatização da água, apesar de afirmar que "são bens nacionais de uso público", não anula os "direitos de aproveitamento de água, os que conferem ao titular o uso e o gozo destas e permitam dispor, transmitir ou transferir tais direitos em conformidade com a lei".

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"Entender a privatização da água é uma loucura, é impossível", afirma Pancha. "O que aconteceu: a terra sem água não tem valor e não pode ser semeada. Então, os camponeses começaram a vender suas terras massivamente e a preços muito baixos. Na cidade é ainda pior, porque os preços dos serviços são muito caros e o êxodo de pessoas que saem dos campos só faz aumentar a demanda e piorar os serviços", disse.

É sobre essa e tantas outras propostas que conformam um modelo de Estado que os eleitores chilenos terão que decidir: se aprovam o novo texto ou se mantêm a velha constituição da ditadura. Para Francisca Rodríguez, "a Constituição de Pinochet vai seguir nos regendo por um bom tempo porque essa nova proposta que a direita apresenta é muito pior e, na minha opinião, eles fizeram assim justamente para que não fosse aprovada".

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