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A alegria que resiste na Cracolândia

Por Brasil de Fato

29/11/2023 às 15:25:24 - Atualizado há
Foto: Reprodução internet

Ninguém é mais presente na Cracolândia do que a igreja. Presença e amor são coisas diferentes. Há os pastores que arrebentam, puxando do pescoço, as guias que celebram compromisso com outras religiosidades. Quase todas as denominações levam comida.

O alimento é bem vindo, assim como pode ser o amparo espiritual. Mas, algumas exigem, antes de entregar as marmitas, a participação em um culto em fila indiana. Autofalantes gritam convocações ao arrependimento.

Para comer, é preciso se arrepender dessa existência em pecado. Se arrepender de não se conformar com as filas nas cadeias, nos metrôs, nos mutirões de emprego e todas as esperas que já somam mais de 400 anos. É preciso se arrepender de ter nascido.

Toda a caixa de som, com ou sem luzes coloridas, que pulsa no ritmo dos funks da moda, é uma negação disso. Um tambor em galão de água é uma afirmação de existência. Cada batida ressoa os tímpanos protegidos por vidro blindado.

Toca também, em algum lugar, nos corações daqueles que prefiram aceitar os caminhos sem chegada e sonhar imagens publicitárias. Ninguém se incomoda tanto quanto os racistas, que acreditam com todas as forças que um cachimbo é o estado final da falta de razão.

Um isqueiro acende.

Canta a boca desdentada o bafo de cachaça versos de Dona Ivone Lara. Fala de liberdade enquanto janelas são fechadas. Mexe pernas carcomidas, vai mandando a rima, viaturas passam recolhendo sua graça. De peruca, meia arrastão, sutiã rendado. Travestis desavergonhadas em meio à praça. Dança, bola, cinema, tinta, sol e água. Comida, bebida, dopamina.

Sim.

Existe prazer na Cracolândia.

Esse é o manifesto da rua às pessoas que pagam impostos, às que acreditam terem suas contas certas com deus-diabo-amigos-Estado?

"Não matarão"

"Não roubarão"

Alguém pode matar? Quem pode roubar? Vocês estão nos vendo através de um espelho de práticas? Nossa aparência ofende a sua estética?

Vulnerabilidade absoluta, necessidade de ordem, Estado falido, sociedade em caos, desordem generalizada, violência sistêmica? e desqualificam a exclusão e a desigualdade, moralizam o cotidiano alheio. Vão etiquetando e sobrepondo estigmas.

Vocês estão falando de quem e para quem? Os corpos como territórios, abertos e em estado de troca. Profanáticos, vadios e desconcertantes. O cheiro, a velocidade e as camadas! O ritmo de vidas esparramadas, dessas que dão paúra às certezas invioláveis.

No fluxo, pelo fluxo, com o fluxo, para o fluxo: onde encontramos de tudo, até amor.

Liberdade. Libertinos agem libertos, soltos, livres. Mas são libertinos. Pecadores. A contenção do prazer é tão grande quanto o controle das emoções na história humana para obter e concentrar o poder.

Formas de controlar, ao invés de viver. Eras de opressão, repressão, objetificação, mercadorizaçao do corpo - da alma - da mente. A razão se torna uma déspota esclarecida predominante nas emoções e relações dessa tal humanidade.

Doce infinitude da agonia e sofrimento, fazendo com que o sistema vigente, indigente, reticente, que nem sente, sem gente, sem planta, sem animal e tudo aquilo que nos encanta, continue em perfeito equilíbrio na sua veneração de um Status Quo, ou de de um Estado Escroto.

A Craco Resiste

*Aline Yuri Hasegawa é mãe, pesquisadora e produtora. Integra o time misto de futebol de várzea União Lapa que, juntamente com o Coletivo Rosanegra ADF e A Craco Resiste, promove ação de redução de danos com futebol no Fluxo. Militante d'A Craco Resiste.

**Daniel Mello é militante d'A Craco Resiste e faz parte da Associação Birico. É autor do livro Gargalhando Vitória - poemas da cracolândia (Editora Elefante)

***Ricardo Paes Carvalho - educador social de rua e jornalista. Militante d'A Craco Resiste.

**** Verena Carneiro: jornalista, pós-graduada em jornalismo literário. Redutora de danos pela Craco Resiste e integrante dos times mistos de várzea de São Paulo União Lapa e Rosanegra ADF -, ambos com atuação política e social por meio do futebol.

***** As opiniões expressas neste artigo não necessariamente refletem as do jornal Brasil de Fato

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