Geral Clima e Ciência

Estudo identifica misteriosos 'círculos de fadas' em mais de 200 locais ao redor do mundo

Fenômeno até então havia sido registrado apenas na Namíbia e no interior da Austrália Ocidental

Por O Globo �- Madri

29/09/2023 às 11:49:32 - Atualizado há
Círculos de fadas na Namíbia - Foto: Reprodução

Círculos estranhamente bem desenhados, com uma leve depressão em seu centro e uma borda formada por um pequeno montinho de areia. Assim são os chamados "círculos de fadas", fenômeno registrado nas paisagens desérticas e áridas da Namíbia, no sul da África, e do interior da Austrália Ocidental. O porquê e como essas formas surgem ainda é um mistério e, por isso, uma pesquisa recente decidiu procurar as respostas longe dos seus tradicionais locais de aparecimento.

Publicada na segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy os Science, a pesquisa da Universidade de Alicante, na Espanha, buscou identificar padrões de vegetação dos "círculos de fadas" (regiões áridas e/ou locais secos, com pouca precipitação) em centenas de novos locais espalhados em mais de 15 países de três continentes diferentes. Para isso, o grupo de especialistas contou com a ajuda de Inteligência Artificial (IA).


Principal autor do estudo, Emilio Guirado, do Instituto Multidisciplinar para Estudos Ambientais, apontou à CNN que essa é a primeira vez que a tecnologia, baseada em imagens de satélite, é usada em larga escala para tentar identificar padrões do círculo.


Antes da coleta, os cientistas treinaram a rede neural para detectá-los. Para isso, a equipe inseriu mais de 15 mil imagens de satélite da Namíbia e da Austrália Ocidental com metade mostrando o fenômeno e a outra metade, não.


Entendido o que era o círculo, os pesquisadores partiram então para o reconhecimento de terreno: imagens de satélite de mais de 575 mil porções de terra de todo o mundo, medindo cerca de 10 mil m², também foram inseridas na IA.


Com um histórico rico e vasto de informações, a inteligência artificial conseguiu identificar padrões de círculos que em muito se assemelham aos "círculos de fadas" conhecidos, levando em conta sua forma, tamanho, localização, densidade e distribuição. A conclusão, porém, exigiu um toque humano. Guirado explica que foi necessário destacar manualmente "algumas estruturas artificiais e naturais que não eram 'círculos de fadas' com base na interpretação das fotos e no contexto da área".


Restaram portanto 263 imagens em alta resolução, tiradas de regiões distribuídas na África — como o Sahel, Saara Ocidental e Chifre da África — em Madagascar e no centro-oeste da Ásia, que continham padrões semelhantes aos círculos da Namíbia e Austrália Ocidental.


Os cientistas também coletaram informações sobre o ambiente no qual os círculos estavam inseridos. Eles notaram que o fenômeno tinha maior probabilidade de aparecer em solos muito secos e arenosos, com alto teor alcalino e baixa concentração de nitrogênio (N).


Ainda segundo a pesquisa, também foi possível verificar que os "círculos de fadas" ajudam a estabilizar os ecossistemas nos quais aparecem, aumentando a resistência da área a eventos naturais extremos, como enchentes e secas.


Críticas ao modelo

Fazer ciência é sempre testar e duvidar de uma teoria, buscando, a partir da dúvida, avançar cada vez mais. Por isso, apesar de inovadora, a pesquisa da Universidade de Alicante levanta questionamentos e debates.


O pesquisador da Universidade de Göttingen, na Alemanha, Stephan Getzin, que estudou os "círculos de fadas" na Namíbia, disse à CNN por e-mail que de fato os círculos não são o único fenômeno a produzir essas formas na terra e que, por isso, um forte padrão de ordenamento entre elas distingue o fenômeno dos demais.


Em artigo publicado com um grupo de pesquisadores em novembro de 2021, Getzin esmiúça esse padrão, enfatizando os detalhes e mostrando os porquês desses círculos serem únicos. Por isso, ele enfatizou à rede americana, que os modelos recolhidos pelo novo estudo — do qual não está envolvido — são insuficientes.


"Os círculos de fada são definidos pelo fato de que têm, em princípio, a capacidade de formar um padrão "espacialmente periódico", sendo "significativamente mais ordenado" que outros similares — e nenhum dos padrões da pesquisa supera esse alto padrão", escreveu Getzin à CNN.


Em resposta, Guirado afirmou que não existe uma definição universal sobre o que são os círculos de fada. Ele disse que seu grupo identificou padrões ao medir individualmente o círculo e a sua forma, bem como os padrões que eles formavam de maneira coletiva, e que estes se assemelham às diretrizes estabelecidas por diversos estudos publicados.


— As métricas são praticamente as mesmas — defendeu à CNN.


Dos 263 locais registrados, alguns foram aprovados por Fiona Walsh, que estudou o fenômeno no outback australiano. A etnoecologista e pesquisadora da Universidade da Austrália Ocidental disse à CNN por e-mail que "a distribuição de padrões [dos que aparecem] na Austrália parece ser congruente com algumas das informações que reportamos anteriormente".


Possíveis origens

Guirado e seus colegas de pesquisa ainda não conseguiram bater o martelo quanto à célebre pergunta sobre o que forma esses círculos. Para os cientistas, a resposta é complexa, e os fatores imbricados nesse processo podem variar de um ambiente para o outro. O mesmo aconteceu com Getzin e Walsh.


Na Namíbia, o pesquisador alemão observou que algumas condições climáticas juntamente com a vegetação do local geraram o círculo de fadas. Ele disse que as atividades dos insetos, como os cupins, que são encontrados nessas zonas mais secas não têm impacto direto no fenômeno.


A resposta vai na mão oposta do que Walsh descobriu ao se debruçar sobre as formações desses círculos na Austrália. No caso deles, a pesquisadora contou que a ação dos cupins está diretamente ligada. Sua pesquisa contou com o apoio intenso de alguns povos aborígenes "que ilustraram esses padrões pelo menos desde a década de 1980 e disseram que os conheciam há gerações, provavelmente milênios antes", escreveu por e-mail à CNN.


"Eles são o mecanismo principal e as interpretações precisam ser centradas na dinâmica cupim-grama-solo-água", completou Walsh.


Apesar da dificuldade em encontrar a resposta, Guirado está esperançoso:


Esperamos que as informações que publicamos no artigo possam fornecer aos cientistas de todo o mundo novas áreas de estudo que resolverão novos enigmas na formação dos padrões dos círculos de fadas — disse à CNN.

Fonte: O GLOBO
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