Se faltavam informações concretas sobre os impactos da política de plataformização adotada pelo governo Ratinho Junior na rede estadual de educação, não faltam mais. Uma pesquisa pioneira realizada pela APP-Sindicato e o Instituto Pesquisas de Opinião (IPO) com educadores(as) de todo o Paraná revela os reflexos da intensa digitalização nas condições de trabalho da categoria e no processo de ensino-aprendizagem.
O levantamento traz dados alarmantes, como o grau de adoecimento e sobrecarga atrelados ao modelo, a percepção de baixa aprendizagem dos(as) alunos(as) e as deficiências estruturais da rede para atender às exigências tecnológicas. Também chama atenção o elevado número de professores(as) que se sentem assediados(as) com a pressão exercida pelo cumprimento de metas e a obrigatoriedade de uso de plataformas.
Quase a totalidade dos(as) educadores(as), 91,3%, se declaram sobrecarregados(as) com a avalanche de novas plataformas, aplicativos e meios tecnológicos somados à cobrança pelo cumprimento de metas. Já 74,3% reconhecem impactos negativos do modelo na sua saúde física e/ou mental, enquanto uma parcela maior (78,3%) afirma ter colegas que adoeceram em decorrência das dificuldades impostas pelas novas tecnologias.
Assédio e abuso
Outro dado descortina a deterioração das condições de trabalho: quatro a cada 10 educadores(as) (43%) se sentem assediados(as) e reconhecem abuso de autoridade na pressão exercida sobre a comunidade escolar para utilizar as plataformas. No cerne do problema está a imposição do modelo e a pressão pelo cumprimento de metas de uso. Sete a cada 10 entrevistados(as) (73%) se sentem obrigados(as) a adotar os meios tecnológicos impostos pela Secretaria da Educação e 95% dizem que há cobrança por metas e resultados.
"A sensação de sobrecarga de trabalho está associada à forma como vem ocorrendo a política de implantação de uso das plataformas digitais. Os(as) professores(as) estão sentindo a precarização das condições de trabalho e isso afeta a sua saúde física e emocional", avalia a socióloga Gisele Rodrigues, gerente de pesquisas do IPO.
Segundo a cientista social, a categoria não é contrária à adoção de novas tecnologias e metodologias de ensino, mas critica o excesso de plataformas, as limitações da rede e a obrigatoriedade. "A pesquisa sistematizou as várias fontes de estresse, que começam pela falta de diálogo, passam pela fragilidade dos treinamentos e pela falta de equipamentos e têm seu ápice na limitação da autonomia do educador e no estabelecimento de metas, que não estão sendo construídas de forma horizontal com a comunidade escolar", diz.
Opção, não obrigação
De fato, 90% dos(as) respondentes concordam que as plataformas deveriam ser de uso opcional nas escolas, servindo como instrumentos de apoio pedagógico e não de uso obrigatório. Os dados da pesquisa devem orientar a atuação sindical sobre o tema da plataformização da educação, uma das pautas centrais da APP e tema da última Edição Pedagógica do Jornal 30 de Agosto, que apresentou o Manifesto por uma educação humanizadora em tempos de tecnologias digitais.
"É possível outra relação com as plataformas educacionais digitais", explica a secretária Educacional da APP-Sindicato, Vanda Santana. "A pesquisa demonstra que a categoria quer outro modelo de inserção das tecnologias no ambiente escolar, dialogado e não imposto, que respeite a autonomia do(a) professor(a) para trabalhar conteúdos e sirva de suporte ao invés de ocupar o centro das atenções de estudantes e educadores(as).", complementa.
O Sindicato trabalha para abrir debate com a Secretaria da Educação sobre o tema e propor o estabelecimento de uma política que priorize a interação humana e a autonomia docente, mantendo as tecnologias como ferramentas que auxiliem o trabalho pedagógico e não como instrumentos de controle e substituição do papel dos(as) professores(as). A posição vem ao encontro de um relatório publicado na última semana pela Unesco, braço da ONU para a educação, que aponta prejuízos à aprendizagem advindos do uso excessivo de tecnologias na sala de aula.
Para Margleyse dos Santos, secretária executiva Educacional da APP, o conjunto de informações trazidas pela pesquisa reitera as reflexões já elaboradas pelo Sindicato acerca do fenômeno da plataformização e sua condução pelo governo. "Há um mal estar generalizado nas escolas. Professores(as) e pedagogos(as) tem se sentido cada vez mais coadjuvantes e menos protagonistas do processo de ensino-aprendizagem, intermediando a relação de estudantes com a tecnologia e conteúdos que já vêm prontos", afirma.
A falta de autonomia e as percepções da categoria sobre os impactos da digitalização na aprendizagem dos(as) estudantes será o tema da próxima reportagem da APP-Sindicato acerca dos resultados da pesquisa. "Devido à profundidade e extensão dos dados captados, optamos por divulgar os resultados em partes, amadurecendo as análises e fomentando o debate na categoria", detalha Vanda. Os conteúdos serão publicados semanalmente ao longo do mês de agosto.
Sobre a pesquisa
A pesquisa "Plataformização da Educação" foi realizada pelo IPO entre os dias 28 de junho e 7 de julho de 2023, com 300 professores(as), pedagogos(as) e diretores(as) da ativa sindicalizados(as) à APP. A amostra é representativa por região do estado, sexo e faixa etária e a abordagem foi conduzida por ligações telefônicas.
O estudo foi contratado pela APP-Sindicato. A Secretaria Educacional da APP trabalhou em conjunto com os(as) cientistas sociais do Instituto para desenvolver o questionário, que incluía perguntas abertas e estimuladas. Para completar as 300 entrevistas, que somaram mais de 100 horas de gravação, cerca de 6 mil educadores(as) foram contatados. A margem de erro é de 5,9% com intervalo de confiança de 95%.
Pesquisadores(as) e veículos de imprensa podem ter acesso a mais detalhamentos entrando em contato com a Secretaria de Comunicação da APP pelo Whatsapp (41) 9249-2328.
APP-Sindicato