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Coluna Fragmentos: "Temos o dobro de analfabetos"

Problema crônico no Brasil, a limitada alfabetização de nosso povo resulta do longo processo de formação nacional que teve início com a chegada dos europeus no século XVI.

Por Da Redação

02/08/2023 às 00:38:37 - Atualizado há

Problema crônico no Brasil, a limitada alfabetização de nosso povo resulta do longo processo de formação nacional que teve início com a chegada dos europeus no século XVI. Afinal, como implantar e desenvolver um sistema educacional uniforme e eficiente em um território gigantesco, formado por regiões, grupos e realidades sócio-culturais diferentes¿ Some-se a isso, as nuances temporais que envolvem tal formação. Enquanto Gilberto Freyre já tratava da existência de uma sociedade formada no nordeste açucareiro do século XVI, foi somente no século XIX que se constituiu efetivamente um conjunto social no sul do país.

Até o início do século passado é possível afirmar que a alfabetização e a escolarização estiveram ligadas a grupos sociais e a gêneros específicos. Em outras palavras: mulheres, negros, pobres urbanos, trabalhadores braçais e imigrantes – ou seja, a maioria da população – foram sistematicamente excluídos do processo de aprendizagem formal na sociedade brasileira. Até esse período, saber ler e escrever era algo que se restringia quase que exclusivamente aos homens brancos que detinham algum tipo de poder econômico ou político, sendo possível falar em uma espécie de monopólio do domínio da língua – e, portanto, do saber e do poder – por religiosos e pelas chamadas "elites" entre os séculos XVI e XIX.

Por ironia, o livro "História da Instrução Pública no Brasil", a primeira publicação nacional que tratou da questão da alfabetização (e do analfabetismo) no Brasil foi escrita por um francês – o Conde D´Eu – e dedicada ao Imperador Pedro II. A obra foi escrita em francês, idioma que, no final do século XIX era considerado universal.

É fato que Portugal tratou a questão da alfabetização e, portanto, da educação no Brasil colonial, de maneira diferente do que fez, por exemplo, a Espanha com suas colônias americanas. Os lusitanos não se preocuparam com a instalação de uma instrução pública na colônia, pelo contrário, reprimiram com hostilidade qualquer manifestação que representasse a construção de um espírito nacional e, nesse sentido, a educação foi compreendida como um elemento de conspiração antilusitana.

Coube nesse período aos padres jesuítas radicados no Brasil estruturar um acanhado sistema educacional que se preocupou, em primeiro lugar, em converter, catequizar e "regenerar" os indígenas (bem como os brancos e os mestiços nascidos na colônia) do que propriamente disseminar o saber e consolidar uma língua nacional. Estávamos ainda longe de poder falar em uma educação brasileira formal e pública.

Foi somente com a chegada de D. João VI ao Brasil, em 1822, que se tomaram as primeiras – e modestas – medidas no sentido de criar escolas e destinar recursos para a educação. No entanto, a instrução pública que então se iniciou tinha um público alvo muito bem definido: homens brancos livres. Mulheres, índios, negros e mestiços estavam fora desse universo educacional em formação. Tal projeto se manteve por todo o século XIX, sendo exceções os casos daqueles que conseguiram superar a barreira oficialmente estipulada pelo próprio Estado nacional.

Com o advento da República (1889) e com o avanço da urbanização e da industrialização no país, a educação pública ganhou novos contornos. A partir de então, passou a ser necessário instruir as pessoas, sobretudo para que fossem supridas as necessidades do mercado de trabalho emergente. Foi assim que os pobres, negros e as mulheres tiveram acesso a educação formal em nosso país, muito mais para servir do que para adquirir conhecimento ou engrandecer o espírito.

Desta forma, a história da alfabetização e da educação no Brasil, ao invés de funcionar como um elemento de integração nacional e de diminuição das diferenças sócio-culturais, serviu para aprofundar as distâncias entre brancos e negros, pobres e ricos, homens e mulheres. Esse é mais um elemento que nos ajuda a entender porque a sociedade brasileira ainda hoje convive com preconceitos diversos e porque determinadas tentativas de avanços sociais são vistas como quebra de direitos compreendidos como "naturais".

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Mobral X Pedagogia do Oprimido

Na segunda metade do século XX duas propostas de alfabetização se confrontaram no Brasil. O Mobral – Movimento Brasileiro de Alfabetização – foi implantado pelo regime militar, em 1967, preocupou-se com uma alfabetização técnica, ou seja, aquilo que popularmente denominamos de "desenhar o nome", desconsiderando realidades sócio-culturais e neutralizando o princípio da conscientização política. O Mobral estruturou-se no sentido oposto da proposta da Pedagogia do Oprimido, concebida pelo pernambucano Paulo Freire. Para esse educador, a função primeira da alfabetização é a afirmação do homem como ser humano, e, para tanto, deve ser construída a partir da valorização das experiências pessoais, das práticas culturais e das realidades sociais. Só assim, no entendimento de Freire, a alfabetização é capaz de fazer com que o indivíduo compreenda o mundo em que vive e se perceba como um ser humano livre e com amplos direitos. A primeira proposta foi chancelada pelo Estado brasileiro durante a ditadura. Freire foi exilado do país, acusado de subversão!

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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 10 de outubro de 2010.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

Fonte: A Rede
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