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'É fundamental a ocupação da universidade', diz primeira doutora indígena da UFRGS

Neste mês, Susana Kaingang tornou-se a primeira doutora indígena da UFRGS ao defender a tese "Tra(n)çando caminhos: a história de vida de Andila Kaingang", trabalho que conta a história da sua mãe.

Por Da Redação

22/07/2023 às 14:04:50 - Atualizado há

Neste mês, Susana Kaingang tornou-se a primeira doutora indígena da UFRGS ao defender a tese "Tra(n)çando caminhos: a história de vida de Andila Kaingang", trabalho que conta a história da sua mãe. Em 2020, a mesma universidade diplomou seu primeiro doutor indígena, Bruno Ferreira.

Susana vem de uma família de mulheres fortes. Além da mãe, com sólida vinculação com a luta pela terra e pela educação, tem mais quatro irmãs. Uma delas, Lucíola Belfort, foi a primeira indígena a se formar médica pela universidade gaúcha.

Hoje, a pesquisadora reside em Chapecó. Foi a solução que encontrou após o violento conflito ocorrido em 2021 na Terra Indígena Serrinha, situada no Norte do Rio Grande do Sul. Sem contar a família de Susana, outras 30 foram expulsas após denunciarem arrendamentos irregulares no solo indígena. "A Justiça já determinou a reintegração, porém é preciso de segurança para o retorno", justifica.

Foi na Serrinha que a família criou o Instituto Kaingang. Ele abriga o ponto de cultura Kanhgag Jãre, o primeiro sediado em terra indígena no Brasil. Susana conta que, com a invasão do ponto de cultura, a instituição perdeu equipamentos, documentação e pesquisas, frutos de 21 anos de trabalho.

Com mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e em Educação pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Susana é bolsista da Capes e também atua na assessoria jurídica ao Instituto Kaingang (INKA) desde 2003.

Nesta entrevista ao Brasil de Fato RS, Susana narra sua história e a história de vida da Andila, marcada por 50 anos de luta na educação escolar indígena.

Brasil de Fato RS: O que significa ser a primeira doutora indígena da UFRGS?

Susana: Se a gente for ver, na área da educação - meu título é de doutorado em educação - temos tido muitos profissionais se qualificando pensando na educação escolar indígena. É um espaço com muitos professores homens, mas muitas mulheres também. A gente sabe que, para a mulher indígena sair de uma comunidade para conseguir se qualificar existe uma luta muito específica.

Por quê? Porque a mulher indígena casa mais cedo e tem filhos mais cedo. Tem impacto desde que a gente inicia na graduação. Aconteceu comigo também. Ao ingressar na universidade você provavelmente vai estar casada, ter um marido e filhos. Quem cuidou do meu filho foi minha mãe. Ainda bem que, na cultura Kaingang, não é nada anormal as avós assumirem os netos.

Quem está em Porto Alegre está distante de muitas das comunidades situadas no Norte do Rio Grande do Sul. São seis, oito ou até 10 horas (de viagem) dependendo de ônibus que você pega. Isso afeta muito a escolarização e a qualificação e toda essa trajetória acadêmica para a mulher.

Quando ingressei no doutorado eu estava dando aulas numa escola indígena. Temos uma legislação específica sobre educação escolar indígena que assegura a questão da continuidade da formação de professores indígenas. Aí, quer dizer, se sou professora e estou dentro de uma escola indígena e fazendo mestrado ou doutorado, tenho que ter algum apoio nesse sentido.

Mas comigo aconteceu totalmente diferente. A escola indígena e a própria Secretaria de Educação, as coordenadorias, não estão, digamos, acostumadas com essa questão do pessoal dar continuidade aos seus estudos. Você tem um profissional que, às vezes, tem tantos dias em sala de aula e tantos dias na universidade. No primeiro semestre do doutorado, por exemplo, consegui fazer (só) uma disciplina. Como estava me prejudicando, pedi demissão do contrato que era emergencial.

A maior parte dos professores de escolas indígenas depende da remuneração do contrato de trabalho emergencial. Então, o que acontece? Como dependem disso, vão pensar duas vezes em investir na qualificação acadêmica porque vai gerar impacto na renda familiar.

Quando pensei em fazer o doutorado, pensei que seria na UFRGS, que tem uma trajetória dessa aproximação, inclusive pela implementação dos saberes indígenas, que é com professores indígenas...

Esses saberes indígenas que a UFRGS leva para dentro da universidade.

Inclusive a UFRGS trabalha também com os nossos mais velhos, que a gente chama em kaingang de Cofa, com saberes indígenas. Quando se pensa em educação indígena, vai lá para os saberes com os nossos velhos. Aí eles trazem o reconhecimento do saber que não é um saber reproduzido no âmbito acadêmico, dentro de todos esses critérios científicos e metodologias. É um saber que acontece milenarmente através de transmissão pela oralidade, que é o que acontece com os povos indígenas e com os Kaingang.

Eu falava até que a gente "deveria romper com toda essa colonialidade e pensar em uma tese não escrita, mas falada, defendida apenas na oralidade". Achei bem interessante porque, em toda essa construção em que eu já trabalho - o Instituto Kaingang tem 20 anos de atuação e temos o primeiro ponto de cultura sediado numa terra indígena no Brasil - gostaria que a minha tese trouxesse isso, da experiência nossa, dos registros dos grafismos Kaingang, de toda essa linguagem em uma comunicação visual e oral.

Minha tese vai virar livro, que é Trançando caminhos – a história de vida da Andila Kaingang, traz bastante documentos, fotos e imagens. E por quê? Porque a tese traduz isso, algo que diz respeito a uma metodologia de pesquisa, porque necessária para escrita da tese, mas também uma metodologia que faz parte dos nossos povos, que é a escrita falada. A partir das falas da Andila eu faço a escrita, as pontuações, as impressões sobre a trajetória de vida dela. E através da comunicação visual, porque os indígenas têm muito disso: imagem fala muito mais do que escrita.

A escrita não fala muito com a gente, mas a linguagem visual fala. Tanto que os índios gostam muito e estão adentrando, por exemplo, na produção audiovisual. A publicação da tese traz os grafismos Kaingang também, as marcas, tanto que o título "trançando caminhos ou traçando caminhos" traz uma trajetória, mas também remete aos trançados Kaingang.

É uma pesquisa que reflete muito do que somos, trazendo para universidade o que nós somos. Rompe com aquele olhar do colonizador que escreve a nossa história, e que traz na história oficial a sua maneira de ver, os seus posicionamentos.

A pesquisa em si para os povos indígenas traz uma experiência ruim, negativa. Não é só no Brasil, é ao redor do mundo. Os indígenas sempre foram objetos de pesquisa. Sempre foram vistos de uma forma subalterna. Tanto que, a maior parte das pesquisas até onde o pesquisador fala do indígena, às vezes o indígena nem sabe que foi informante de alguma coisa. Ele sempre é explorado, é sempre visto aquém. E a escrita da história de vida da Andila não. É algo onde a Andila está presente. É protagonista nesse processo.

Embora eu tenha feito a escrita como pesquisadora, a Andila traz toda a sua bagagem, a luz do seu olhar, de como que ela viu, das suas falas. A gente procura reconhecer a autoria, a participação, o protagonismo dela, e tudo isso marca esse momento em que estamos na universidade, que é a retomada da universidade, a demarcação como a gente fala. A demarcação desse território, com os nossos saberes, com a nossa forma de ver o mundo, com as nossas lutas.

A história oficial não traduz isso. Se você for olhar a história dos povos indígenas nesses mais de 520 anos, não vai ver a história oficial trazendo o olhar do indígena. A gente faz formação de professores, trabalha com alunos também. Eles ficam surpresos. Aprendem uma coisa na sala de aula e o material que os professores usam vai sempre reforçar os estereótipos.

Uma visão de um índio genérico, que é aquele que só usa cocar, que mora em oca lá na Amazônia. Isso para a gente, principalmente Kaingang, é altamente prejudicial. Boa parte da sociedade não indígena nem reconhece indígenas no Sul. Ou vai criando aquela visão [de que] índio é aquele vagabundo, preguiçoso, é o que bebe, só em retomada de terra. E aí tem uma questão bem complexa: a sociedade não indígena não consegue entender o direito territorial indígena porque não entende o valor da cultura indígena.

Como uma sociedade assim vai conhecer o valor da cultura indígena se, desde criança, recebe valores que vão manter uma visão preconceituosa e racista? Por isso, a escola, seja indígena, seja não indígena, tem potencial para contribuir com a ruptura de preconceito, com o reconhecimento da cultura do outro, do diferente.

A história de vida da Andila traduz isso. São mais de 50 anos de luta. Ela fez parte da primeira turma de formação de monitores bilíngues. Foi uma experiência pioneira na América Latina na década de 1970, de implementação do bilinguismo junto aos povos indígenas e onde, pela primeira vez, se codificou a língua Kaingang.


"Quem cuidou do meu filho foi minha mãe. Ainda bem que, na cultura Kaingang, não é nada anormal as avós assumirem os netos" / Foto: IFRS/ Divulgação

Fala um pouco da tua trajetória.

Sou filha da Andila Kaingang, faço parte dessa história que a gente escreve conjuntamente. Quando concluí o ensino médio, eu já fiz o magistério. Quando a gente foi ingressar na faculdade, estava iniciando a Unijuí, uma universidade particular do Noroeste do estado, e pensava que eles iam implementar ações afirmativas para que indígenas pudessem ingressar em curso superior. Minha mãe não tinha ainda feito faculdade. Ela é funcionária pública da Funai, mas, na época, década de 1990, também trabalhava com uma organização indígena de professores, justamente para pensar as iniciativas e o que se iria implementar em termos de educação junto aos Kaingang.

Fui participando de toda essa movimentação da minha mãe até porque nasci à época que a minha mãe estava começando a dar aula. Ela é contratada pela Funai como outros 19 professores. Daí em 1975 eu nasci, após esse movimento, com minha mãe dando aula e fazendo denúncias. Em 1975, ela escreveu uma carta para o presidente da República denunciando a questão do arrendamento em territórios indígenas e pedindo providências em relação à saída dos invasores. Para mim isso foi muito forte.

Venho de uma comunidade indígena que é a mesma da minha mãe, onde ela nasceu, em Água Santa, comunidade indígena do Carreteiro. É de onde vem a nossa família, a família Inácio. Meu avô morava nessa comunidade. Depois disso, como meus pais são funcionários da Funai - meu pai não é indígena - trabalharam em terras indígenas no Rio Grande do Sul, Pará, Maranhão, Minas Gerais, vários lugares. Somos cinco filhas mulheres, a gente foi viajando com eles.

Então, tenho toda essa bagagem de conhecer e ter convivido com outros povos indígenas além dos Kaingang. Depois de um tempo, a gente volta para o Rio Grande do Sul. Fui estudando em várias comunidades e depois na universidade, em 1997. A Unijuí já estava com essas vagas possibilitando o ingresso dos indígenas e fiz o curso de Direito. Eu e a minha irmã.

Meu avô, o Manuel Inácio, falava para a minha mãe que ela tinha que estudar. Dizia 'minha filha, você tem que estudar, porque a gente precisa mudar a vida'. Ele pensava que era muito sofrido ser indígena e ver a sua cultura desvalorizada. A Funai trabalhava com eles e a política oficial era nesse sentido: a cultura indígena tem que ficar para trás. Eles tinham vergonha de falar a língua, vergonha de fazer cesto, tinha que deixar tudo. Tinham que aprender tudo que era do branco: falar o português e aprender as práticas.

Meu avô também tinha sido expulso da terra indígena deles, em Monte Caseiros, que é em Ibiraiaras, para aquela região de Lagoa Vermelha. Ele batalhou muito pela retomada de várias terras por onde passou. Entendia que era importante ter advogados lutando junto para ver se conseguiam retomar as terras dos ancestrais. E isso determinou que duas de nós fizéssemos Direito.

Então a gente estava ingressando em três na universidade, porque temos praticamente a mesma idade, e aí eu e a terceira (Fernanda) fizemos Direito e a segunda, a Lucíola Belfort queria a área de Saúde. Queria Medicina, mas a Unijuí não tinha Medicina. Só tinha Enfermagem e ela fez. Em 2008, quando [houve] o primeiro processo seletivo da UFRGS para graduação para o ensino superior, ela entrou e foi a primeira a se formar em Medicina na universidade.

A Fernanda, eu e as demais, trabalhamos com a organização indígena. Isso é muito peculiar na área do Direito porque não há um órgão específico que absorva esse mercado. Os advogados indígenas ou vão trabalhar com ONGs ou na Funai, na administração pública. É bem difícil achar algum advogado que atue de uma forma independente na questão indígena.

Por isso a gente criou o Instituto Kaingang. Eu me formei em 2002 e a gente criou a instituição para pensar demandas, projetos de comunidade.

No momento, estou em Chapecó. Saí da comunidade de Serrinha por conta da questão dos arrendamentos. É algo que Andila vem denunciando desde a década de 1970. Na pandemia, o arrendamento agravou a questão da segurança alimentar de famílias indígenas. Ainda morávamos na Serrinha. A comunidade começou a passar fome. Não tinha como sair para vender artesanato.

Serrinha foi a primeira comunidade que teve morte por covid. Boa parte do pessoal saia para trabalhar na região de Chapecó, nos frigoríficos, e aí se contaminou e contaminou a comunidade. O próprio cacique acabou morrendo, em 2020, pela covid. Até hoje acontecem os arrendamentos que são ilegais. Na década de 1970 quem arrendava as terras era a Funai para não indígenas. Hoje, quem arrenda as terras são os próprios indígenas, são as lideranças mesmo.

A Serrinha é o terceiro maior território indígena do estado. O primeiro é Guarita e depois Nonoai. O que acontece? Eles arrendam as terras dos indígenas, mas não pensavam, por exemplo, em dar uma cesta básica. As lideranças arrendam e concentram essa renda. São milhões (de reais) tanto que quando Andila e a organização indígena acabam denunciando essa realidade para o Ministério Público Federal (MPF) eles diziam: não podemos fazer nada, nem Justiça Federal nem ninguém. Só podemos tomar alguma providência se acontecer alguma coisa com alguém.

Trabalhamos com artesãos, com anciãos, e a gente sabia a realidade. Até que a liderança matou dois caras da comunidade que começaram também a denunciar a situação.

Mais de 30 famílias foram expulsas de Serrinha e a nossa família faz parte delas. A instituição foi depredada. Sempre fomos uma instituição que aprova projetos e compra equipamentos, trabalhamos com audiovisual, com publicações, criamos a editora. Como Instituto Kaingang, a gente faz oficinas de formação em todos os estados que têm Kaingang, como São Paulo, Paraná, Santa Catarina.


Joziléia Jagsó (esquerda), Andila e Susana / Foto: Arquivo Pessoal

Essa questão do território de vocês, a Justiça já determinou a reintegração de posse.

Sim. Quando fomos expulsos, quando eles executaram esses caras, eles também agrediram fisicamente várias famílias. A gente ingressou com processos por conta de toda essa situação e foi dada a reintegração de posse.

A questão nossa é que estamos aguardando do poder público a segurança para que possamos voltar para a comunidade. Boa parte das famílias tem interesse em retornar. Também tem interesse que se regularize essa questão do arrendamento. Na verdade, é essa questão que tem gerado muitas dessas situações. Você vê que as lideranças estão fomentando latifúndios em terras indígenas. E se latifúndio a gente já questiona fora de uma terra indígena...

Existem grandes proprietários de terra, latifundiários, e nós vivemos numa região celeiro, o Sul do Brasil. Pensa numa terra praticamente toda arrendada. É a Serrinha. As áreas agricultáveis todas arrendadas e os índios passando fome. Só falta plantar na entrada da casa da pessoa. E esses agrotóxicos que eles usam poluem tudo.

A araucária tem todo um valor (alimentação, cultura) para os Kaingang, mas, de repente, os nossos territórios tem pouquíssimas araucárias. Por quê? Porque quando o SPI [Serviço de Proteção ao Índio] assumiu os territórios indígenas, começou o desmatamento, a criação de madeireiras e a implantação das monoculturas. E os caciques pegaram esse tipo de política equivocada e continuaram arrendando as terras e centralizando esses recursos. O resultado é que você não tem o que comer.

E aí o pessoal ainda chama de baderneiros o pessoal do MST. Mas o MST produz comida, inclusive mandava comida para as terras indígenas. Para a gente é uma vergonha. O indígena sempre produziu a sua comida e está tendo que pedir cesta básica. Essa é uma realidade que a gente precisa mudar.

Sobre o retorno das famílias, a gente sabe que voltar para a terra indígena e sofrer represália ou acabar morrendo também é complicado. Como aconteceu com a Andila na década de 1970. Ela fala 'tive que sair do Sul do Brasil, fui exilada. Por que que tu achas que eu saí? Tinha que sair, era perseguição de político, de arrendatário, da própria Funai'. Iam lhe matar.

Ela passou por uma situação muito complicada em Serrinha exatamente em função disso. Sabemos que os arrendatários financiam milícias em terras indígenas. Os caciques sempre têm armamento. É um risco para gente que faz denúncia, que trabalha com direitos humanos, principalmente sendo mulher.

Eu até não tenho um impacto tão grande, mas a Fernanda sim. Ela acompanha os processos judiciais desses trabalhadores que foram demitidos da JBS em plena pandemia lá de Serrinha. Foram 40 demitidos em 2020. E também acompanhava o conselho de anciãos que fez essa denúncia junto com a Andila. E teve que sair da região.


"Os indígenas sempre foram objetos de pesquisa. Sempre foram vistos de uma forma subalterna" / Foto: Arquivo Pessoal

Agora existe o ministério dos Povos Originários. Como vês isso?

O ministério ajuda bastante. A chefe de gabinete, Jozileia Kaingang, é prima nossa. Ela também faz parte do Instituto Kaingang. É bem importante porque sempre a gente pensava assim: a gente não consegue resolver certas situações porque você leva para o governo e lá tem brancos.

A própria Funai, nesse período do governo Bolsonaro, foi ocupada por militares. A política indigenista nem sempre é a política do indígena, tanto que a minha mãe sofria perseguição dentro da Funai. Ela dizia assim: 'Antes de ser funcionária eu sou indígena e não vou desenvolver uma iniciativa contra os meus parentes'. Só que boa parte dos indígenas são cooptáveis.

O Ministério dos Povos Indígenas é uma oportunidade para que os indígenas que estão ali, no poder, pensem a realidade dos nossos povos. Se não aproveitarem essa oportunidade, não sei quem mais vai dar oportunidade para os indígenas assumirem algo assim.

Assim como nós, indígenas que não estamos no poder, os que lá estão também esperam respostas. Se a gente não tinha respostas dentro de um governo genocida, tudo bem. O que a gente vai fazer? Agora, dentro de um governo que tem esse olhar para questão indígena ao ponto de criar um ministério só pra isso, esse ministério está também numa pressão de trazer respostas.

E também tem outra questão que é a do marco temporal.

Há uma pressão muito grande pela aprovação. Imagina se esse marco temporal tivesse decidido no governo Bolsonaro? Se em pleno governo do Lula eles não estão conseguindo segurar... A verdade é que o Congresso, apesar da gente estar num governo de esquerda, é muito forte, muito conservador, com uma visão muito elitista de patrimônio, de território.

Tanto que a gente vê aí os indígenas no Brasil fazendo toda uma mobilização muito grande para não ser aprovado o marco temporal porque a gente sabe o que significa. Não quer dizer apenas as demarcações de terra futura. Eles vão fazer revisões de terras demarcadas e que se encontram em processo de demarcação de retomada desde a Constituição. E nós, no Rio Grande do Sul, temos muitos processos de retomada. Serrinha é um que, eu posso te dizer, se aprovam um marco temporal é revisado.

Os Kaingang foram expulsos em todo um processo de reforma agrária, décadas de 1940/50/60. Foram sendo expulsos daquela região. Era território demarcado já em 1911. Porém o governo do estado fez reforma agrária em cima. Foi consentindo com as invasões e expulsão dos indígenas nesse período. Quando chega em 1970/80, já não tinha mais indígena por lá. Aí, já por força da Constituição, o pessoal começa essa retomada.

É uma situação bem complicada. Andila fala assim: 'Você não pensa em educação se você não tiver terra'. Não tem como pensar. A escola indígena acontece dentro de um território indígena. Se não tiver território não vai ter educação indígena. O que vai acontecer? Quando você mora fora de uma comunidade, tem que levar o teu filho para uma escola não indígena. Só se fala em educação e saúde específica, quando você tem território. Por isso também tem uma luta bem grande do pessoal que é desaldeiado, de comunidades urbanas, para ter acesso à educação, a uma cultura e saúde diferenciadas.

Uma mensagem final.

Este momento na universidade, de adentrar a universidade, de trazer os nossos saberes, as nossas lutas, resistências e re-existência é muito importante para a gente. É muito importante porque traz, em paralelo a história oficial, a história aos olhos do colonizado, uma ruptura com a colonialidade. Para a gente enquanto indígena, é fundamental a ocupação da universidade, a demarcação desse espaço, desse território, com o que é nosso. Isto traz uma afirmação dos nossos direitos, dos nossos valores e da nossa cultura.

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Jornalista Luciana Pombo

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