PolĂ­tica LGBTQIA+

LGBTQIA+ negros relatam agressões recorrentes na internet

Por Agência Brasil

22/04/2023 às 09:37:53 - Atualizado hĂĄ
Agência Brasil

"Eles só pegam aquilo que historicamente o Brasil criou das nossas imagens e produzem fake news contra a gente". A percepção foi um dos relatos registrados por uma pesquisa que ouviu pessoas LGBTQIA+ negras do Rio de Janeiro sobre o ecossistema de informação em que estavam inseridas, nas redes e fora delas, antes e depois da disputa eleitoral de 2022. O resultado aponta uma frequĂȘncia elevada de agressão por discurso de ódio, especialmente na internet, canal considerado a principal fonte de informação por 74% dos entrevistados.

O estudo foi realizado pelo Data_Labe, um laboratório de dados do Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro. Em entrevista à AgĂȘncia Brasil, o antropólogo e coordenador do trabalho, FlĂĄvio Rocha, explica que a exposição ao discurso de ódio afeta a saĂșde mental, causa medo e faz com que essas pessoas temam inclusive exercer sua cidadania.

"Uma das narrativas mais emblemĂĄticas era de uma pessoa que, durante o perĂ­odo eleitoral, disse que tinha medo de ir votar", conta. " Muita gente precisa recorrer a terapia, se desligar das redes sociais e acaba tendo medo de sair na rua. A gente recebeu muitos relatos sobre esse medo, sobre esse impacto na saĂșde mental e no emocional. Isso foi bem relevante na nossa percepção", diz o coordenador.

A equipe responsĂĄvel pelo estudo contou com quatro pesquisadores e pesquisadoras negros e LGBTQIA+, o que Rocha considera que permitiu maior empatia e sensibilidade ao abordar os temas e elaborar as perguntas. Além do antropólogo, participaram a psicanalista clĂ­nica Roberta Ribeiro, a graduanda em Conservação e Restauração Joyce Reis e o doutorando em SaĂșde Coletiva e especialista em GĂȘnero e Sexualidade Leonardo Peçanha.

Os pesquisadores aplicaram questionĂĄrios e realizaram grupos focais e entrevistas individuais com pessoas do pĂșblico-alvo e chegaram a um total de 175 participantes. Os dados estatĂ­sticos, portanto, não podem ser extrapolados para toda a população LGBTQIA+ negra, mas as respostas e relatos colhidos na pesquisa qualitativa indicam como os entrevistados percebem e se apropriam das informações disponĂ­veis em seus cĂ­rculos.

A maioria dos entrevistados é mulher, cisgĂȘnera e das zona norte e oeste do Rio. Quase metade (45%) dos respondentes afirmou receber até R$1.212,00 por mĂȘs e 81% disse jĂĄ ter entrado em contato com discurso de ódio. Para uma em cada quatro pessoas, as violĂȘncias racial ou de gĂȘnero ocorrem de forma recorrente.

Confira a entrevista com o pesquisador:

AgĂȘncia Brasil: Em termos quantitativos, os dados não podem ser extrapolados para toda a população negra LGBTQIA+. Mas, em termos qualitativos, quais sinais apontados pela pesquisa vocĂȘ destacaria?

FlĂĄvio Rocha: Um primeiro ponto que eu destacaria é uma das narrativas mais emblemĂĄticas, que era de uma pessoa que, durante o perĂ­odo eleitoral, disse que tinha medo de ir votar. Tinha medo por ser uma pessoa trans, uma pessoa LGBTQIAP+ e por ser uma pessoa negra. Esse é um primeiro aspecto, o medo de ir votar pelo discurso de ódio produzido a respeito de vĂĄrios grupos. Em um segundo ponto, eu entraria na falta de representatividade. Tanto nos meios de comunicação, quanto na polĂ­tica. Nessa Ășltima eleição, a gente teve um crescimento de candidaturas trans e LGBTQIAP+ e, na mesma medida, a gente percebeu um aumento do discurso de ódio contra essas candidaturas. Em um dos grupos focais, hĂĄ uma fala sobre como foi produzida a desinformação sobre essas candidaturas. Diziam que "essa galera não pode ser eleita, porque não sabe gerir dinheiro pĂșblico". A gente entrevistou também candidatos dessa eleição, e a maioria trouxe algum relato sobre discurso de ódio no decorrer dessa campanha ou no decorrer dos mandatos, quando jĂĄ tinham mandatos.

AgĂȘncia Brasil: Por que vocĂȘ acredita que desinformação, fake news e discurso de ódio estão sempre de mãos dadas nos relatos dessa população?

FlĂĄvio Rocha: Eu acredito que esses trĂȘs elementos aparecem como estratégias polĂ­ticas, sobretudo de candidaturas de extrema direita. Parece que é a estratégia que foi impulsionada, principalmente num contexto em que a gente tem as redes sociais como ferramentas do jogo polĂ­tico. Foi a forma como as candidaturas de extrema direita souberam desarticular as candidaturas ditas progressistas ou de esquerda. Sempre trazendo um discurso sobre aborto, criminalizando movimentos sociais e criando uma narrativa de que esses grupos são contra as igrejas, algo que o neopentecostalismo abomina. A desinformação sobre o uso de kit gay nas escolas foi um discurso muito forte na campanha de 2018, por exemplo. Esses elementos são uma estratégia polĂ­tica.

AgĂȘncia Brasil: Nos relatos da pesquisa, a violĂȘncia nas plataformas digitais é mais recorrente que a "violĂȘncia offline"?

FlĂĄvio Rocha: Sim, porque cada vez mais a gente estĂĄ mais conectado. A todo momento, existe a exigĂȘncia de a gente estĂĄ online. A pessoa offline estĂĄ em contato com os lugares em que circula. Mas online, o discurso de alguém que estĂĄ no AmapĂĄ chega na pessoa no Rio de Janeiro em segundos. O Twitter é a rede mais nociva nos relatos da nossa pesquisa, por ser um lugar em que as pessoas publicam as opiniões. Apesar de o Instagram ser a mais utilizada pelos nossos pesquisados, ele não chega a ser tão nocivo, por ser uma plataforma imagética em que o discurso é produzido de uma outra forma.

AgĂȘncia Brasil: Um nĂșmero grande de pessoas relatou ser vĂ­tima do discurso de ódio de forma recorrente. O que a parte qualitativa da pesquisa contou para vocĂȘs sobre o impacto dessa violĂȘncia constante?

FlĂĄvio Rocha: A gente percebeu que hĂĄ um impacto muito grande na saĂșde mental dessas pessoas. Muita gente precisa recorrer a terapia, se desligar das redes sociais e acaba tendo medo de sair na rua. A gente recebeu muitos relatos sobre esse medo, sobre esse impacto na saĂșde mental e no emocional. Isso foi bem relevante na nossa percepção.

AgĂȘncia Brasil: A pesquisa indicou que, de certa forma, as limitações de pacotes de dado de celular aumentaram a exposição dessas pessoas ao discurso de ódio. Pode explicar esse mecanismo?

FlĂĄvio Rocha: Se uma pessoa pode usar só WhatsApp e Facebook e não consegue buscar uma informação no Google porque estĂĄ sem dados, ou se chega uma informação e a pessoa não consegue pesquisar e acessar plataformas em que consiga verificar essa fato, ela vai ficar só com aquela informação. No nosso grupo pesquisado, o meio mais confiĂĄvel não são suas redes de contato nas plataformas, mas as organizações da sociedade civil e mĂ­dias alternativas. Mas se a pessoa fica refém dessas plataformas, se estĂĄ limitada pelo pacote de dados, ela vai ter dificuldade em buscar novas informações ou diferentes formas de informação.

AgĂȘncia Brasil: E o que a pessoa tem disponĂ­vel gratuitamente é a desinformação?

FlĂĄvio Rocha: É isso.

AgĂȘncia Brasil: A pesquisa detectou uma baixa confiança no governo entre os entrevistados, e essa é uma população que precisa ser alcançada por polĂ­ticas pĂșblicas. Como os governos podem calibrar melhor essa comunicação?

FlĂĄvio Rocha: A falta de confiança no governo eu associo ao fato de a primeira parte dela ter sido feita antes do segundo turno das eleições, antes de saber quem seria eleito, porque havia uma alta rejeição ao governo Jair Bolsonaro entre os entrevistados. Foi um governo que desmontou polĂ­ticas pĂșblicas para a população negra e a população LGBTQIAP+, então, havia uma descrença. E o Estado Brasileiro tem a função de prover informação e polĂ­ticas pĂșblicas considerando a diversidade de todo o Brasil, e tem também o papel de regular a mĂ­dia para não haver essa produção de discurso de ódio e desinformação. A gente viu massacres no ambiente escolar sendo promovidos através das redes sociais.

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