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Independência deveria ser motivo de orgulho, não fake news

Por Da Redação

09/09/2022 às 04:00:50 - Atualizado há

Ainda não havia o termo fake news em 1886, quando o pintor paraibano Pedro Américo se dispôs a criar a tela alegórica que se tornaria o maior símbolo visual da Independência do Brasil. Inspirado em quadros de dois pintores franceses que retrataram as batalhas de Napoleão, o autor “idealizou” a cena em que D. Pedro I ergue sua espada e proclama a ruptura com a coroa portuguesa (ou seja, seu pai, o rei D. João VI), tirando o Brasil do status de colônia e dando origem ao Império. Pelo que historiadores pesquisaram desde então, tudo naquela pintura é falso. Da topografia acidentada ao cavalo que o herói montava. E o próprio Pedro Américo reconheceu sua fantasia em um livro, lançado em 1888, com o mesmo título Independência ou Morte do quadro. Ele afirmou que “a realidade inspira, e não escraviza o pintor”.

O quadro fixou no imaginário brasileiro uma cena que não ocorreu, de uma “meia Independência” que nos trouxe onde estamos e que tem sido usada para fins cívicos. Quase ninguém lembra, no 7 de Setembro, os papéis de Maria Leopoldina da Áustria, que se tornaria a primeira imperatriz do Brasil, ou da baiana Maria Quitéria de Jesus. A primeira, que substituía o príncipe regente no comando da corte quando ele se afastava (como foi o caso da viagem a São Paulo entre fins de agosto e início de setembro de 1822), teria articulado a Independência nos bastidores e até assinado a papelada toda. A segunda, cujo retrato pintado em 1920 por Domenico Failutti está exposto no Museu Paulista bem próximo do quadro Independência ou Morte, foi uma espécie de Joana D"Arc brasileira. Não morreu queimada, mas se vestiu de homem para poder lutar pela Independência no Batalhão de Voluntários do Príncipe, entre setembro de 1822 e julho de 1823, quando finalmente a Bahia rebelou os focos de resistência portuguesa. Foi condecorada com a Imperial Ordem do Cruzeiro, no grau de Cavaleiro, pelo próprio D. Pedro I.

Assim como elas, outras mulheres ­— e também muitos dos civis — que tiveram papel decisivo no nascimento da nação brasileira permanecem à margem da narrativa oficial. A razão para isso é O Sequestro da Independência, como definiram Carlos Lima Junior, Lilia Moritz Schwarcz e Lúcia Klück Stumpf no livro que tem por subtítulo A Construção do Mito do Sete de Setembro. Segundo o trio de autores, houve vários sequestros da data ao longo do tempo.

O mais recente se deu em 1972, quando o regime militar castigava o Brasil com perseguições, torturas e mortes. Os 150 anos da Independência foram celebrados em um desfile cívico-militar que desde então mantém as mesmas características.

Passado meio século desde aquele sequestro ditatorial, o que deveria ser uma data festiva da sociedade brasileira é um cenário de guerra. São tanques desfilando nas avenidas, soldados marchando e aviões da aeronáutica fazendo peripécias nos ares. Ao menos era assim até a chegada de Bolsonaro ao Palácio do Planalto. Desde o ano passado, o 7 de Setembro se tornou, na melhor das hipóteses, um palanque para a campanha de reeleição presidencial. Na pior, um exercício de ameaça à democracia por meio da evocação de um novo golpe militar.

Pressionado pela desvantagem nas pesquisas de intenção de voto e apoiado por setores do empresariado, por caminhoneiros e por ruralistas, Bolsonaro fez da data sua festa particular. Convocou o Exército para romper a barreira decretada pelo governador do Distrito Federal que impediu a entrada de veículos na Esplanada dos Ministérios. Incitou protestos contra a decisão do ministro Edson Fachin que restringe o acesso a armas no período eleitoral. E deixou no ar um aviso caso perca a eleição: “A história pode se repetir”. À afirmação citou, em seguida, o golpe de 64.

Por ver na esquerda a origem de todos os males que afligem a humanidade, o militar da reserva talvez não conheça a frase que Karl Marx imortalizou em 1852, quando o Brasil ainda era um Império com apenas 30 anos de vida: “A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Desde Pedro Américo, porém, aprendemos que no Brasil a história se conta como farsa — e pode se repetir como tragédia.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO

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