Economia Giro

Vida no Donbass, entre bombas, privação e fuga

Por Da Redação

28/05/2022 às 05:42:57 - Atualizado há

Semidestruída por bombas russas, Lysychansk, no leste ucraniano, ainda resiste à ocupação. Sem água, eletricidade ou telefonia, cerca de 20% da antiga população se protege em abrigos subterrâneos. Uma reportagem da DW.Quem vai a Lysychansk deve dirigir a velocidade máxima. Dificilmente alguém será multado por excesso de velocidade na estrada que leva até a cidade no leste da Ucrânia, mas quem circula devagar demais arrisca ser punido de outra maneira: com um projétil russo.

Pois as tropas enviadas por Vladimir Putin tentam a todo custo tomar sob seu controle a via apelidada “Estrada da Vida”, devido a seu significado humanitário. Sua meta é isolar Lysychansk e a vizinha Sievierodonetsk.

As ruas fantasmagoricamente desertas da localidade industrial, que contava 100 mil habitantes antes da guerra da Rússia contra a Ucrânia, faz pensar na cidade de Pripyat após o acidente na usina nuclear de Chernobyl. A diferença é que lá não houve destruição, enquanto em Lysychansk se veem farmácias, lojas e edifícios residenciais danificados por disparos em cada esquina.

As sirenes de alarme aéreo que se escutam diariamente nas cidades ucranianas de Kramatorsk a Lviv há muito se calaram em Lysychansk, pois não há mais eletricidade. Contudo ela segue sendo alvo de artilharia caótica, os mísseis podem cair a qualquer momento, em qualquer lugar.

O único aviso são as próprias explosões, o que não dá aos civis sequer tempo para buscar refúgio nos abrigos aéreos. Só há uma regra: quem escuta um silvo ou uma detonação deve se atirar imediatamente no chão.

“Quem toma conta da gata dos meus filhos?”

Lysychansk integra os últimos 5% da região de Lugansk ainda sob controle ucraniano. O único local de onde ainda há movimento é o Centro Humanitário. Diante e dentro dele estão algumas dezenas de cidadãos, a maioria idosos. Alguns aguardam o ônibus para evacuação, outros esperam por água potável. O abastecimento de água, energia e gás já não funciona mais, também a rede de telefonia celular está desativada.

Vira Pavlivna já espera há algumas horas pelo carro de água, pois só há entregas a cada dois a três dias. “Dá muito medo, sempre esses estrondos sobre as nossas cabeças. Isso não é mais vida, ficamos presos nos porões, só de dia é que saímos um pouco”, queixa-se a senhora de 75 anos.

Assim como a maioria dos locais, ela evita falar de política. A população teme perseguição, caso a cidade seja ocupada pelos russos. “Chega, ainda vão acabar me executando, para eu não ficar tagarelando assim”, diz, brincalhona, e começa a chorar. “Quem vai tomar conta da gata, é a gata dos meus filhos!”

Os filhos de Vira escaparam para Dnipro, mas não conseguiram convencê-la a segui-los. “De que é que eu vou viver lá, da minha pensão? Se eu alugar uma casa lá, o que é que vai me sobrar?”

Crianças nos abrigos subterrâneos

Lysychansk ainda conta 20 mil moradores; na vizinha Sievierodonetsk, do outro lado do rio Siverskyi Donets, ainda mais fortemente bombardeada, são de 12 mil a 13 mil. Trata-se apenas de estimativas aproximadas das autoridades locais e de voluntários, pois é impossível contar os civis escondidos nos porões.

Muitos são aposentados. Mas num abrigo subterrâneo de repente se encontram também crianças pequenas. Um menino que não parece ter mais de cinco anos insiste em oferecer doces de um pacote de ajuda humanitária. Após três meses no porão, as crianças ficam felizes com qualquer visita.

Mas o que fazem ali o tempo inteiro? “A gente pinta e faz os deveres de casa”, explica uma menina com os olhos inflamados devido à longa permanência no porão. Um menino a contradiz: “Quando tiver de novo luz, a gente vai voltar a ter aula de matemática e ucraniano.” Eles contam que os pais se decidiram contra a evacuação, por não saber onde atualmente é mais seguro.

Milhares de civis que permaneceram em Lysychansk e Sievierodonetsk dependem de assistência humanitária. Onde ainda se encontram gêneros alimentícios, exige-se pagamento em dinheiro vivo, porém os caixas automáticos da cidade não funcionam mais, devido à falta de eletricidade.

Também é cada vez mais difícil conseguir alimentos: os caminhoneiros temem ser atingidos por mísseis. Embora a “Estrada da Vida” entre Bakhmut e Lysychansk não esteja sob controle russo, já se registraram sabotadores. O trecho alternativo também é arriscado, pois as estradas, em parte não asfaltadas, são difíceis de transitar.

“Este é o meu Donbass, tudo vai ficar bem”

Assim, fica cada vez mais difícil abastecer Lysychansk e Sievierodonetsk e evacuar a população, explica o governador militar da região de Lugansk, Serhiy Haidai. “Por três meses nós tentamos convencer as pessoas a irem embora, porque infelizmente os russos vão arrasar estas cidades.”

E frisa que “se trata de uma evacuação, não de uma deportação”, acrescentando que a medida ainda é exequível: “Mesmo que dez indivíduos peçam uma evacuação, nós vamos tentar tirá-los, porque eles são nossos cidadãos, são ucranianos.”

No momento só é possível retirar das cidades e lugarejos de Lugansk algumas dezenas de moradores à distância de alguns dias. Um pequeno grupo que deseja partir se reúne no Centro Humanitário de Lysychansk. A maioria espera dentro do prédio pelo ônibus, pois os voluntários temem que grandes concentrações humanas na estrada possam provocar disparos da artilharia russa.

Ainda assim, alguns esperam na rua. Já tendo sido evacuados de Bilohorivka, onde os combates são intensos, eles sequer reagem às constantes explosões estrondos. “Em Lysychansk ainda está relativamente calmo”, comenta um homem.

Indagada por que só agora concordou com a evacuação, a pensionista Halyna, que aguarda o perigoso trajeto até Bakhmut, comenta: “Estávamos pensando que tudo ia passar. Mas agora nós temos medo. A gente quer viver!”

Quem, apesar de tudo, decidiu permanecer em Lysychansk, tem que suportar uma vida sob bombardeio constante e sem água nem comida; provavelmente terá também que encarar a ocupação de sua terra natal pelas tropas do Kremlin. Contudo há quem não perca o otimismo, nem mesmo diate de tais circunstâncias e perspectivas.

Uma mulher, que deixou o abrigo aéreo para tomar ar fresco, pede que se leve uma mensagem aos soldados ucranianos: “Diga aos nossos garotos para mandarem todo mundo aqui para o inferno, nossos defensores têm que nos proteger. Este é o meu Donbass, eu nasci aqui. Tudo vai ficar bem.”

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