Conselho de Ética em movimento e uma arma que sumiu: a Guarda Municipal de Almirante Tamandaré entra na sua hora mais incômoda

Afastamento de servidor comissionado após desaparecimento de uma calibre 12, punição interna a outro funcionário e o ensaio de um controle que a cidade sempre cobrou

Por Por Luciana Pombo - Blog da Luciana Pombo | Jornalismo que não arquiva a verdade em 04/11/2025 às 14:23:00

Almirante Tamandaré acordou com um rumor típico de cidade que se acostumou a engolir coisas grandes como se fossem pequenas. Informações convergentes indicam que o Conselho de Ética da Guarda Municipal pode ter atuado pela primeira vez de maneira efetiva depois do desaparecimento de uma arma de fogo, uma calibre 12, supostamente retirada da própria sede da corporação. O caso teria resultado no afastamento de um servidor comissionado, policial aposentado, e em punição mais branda a outro funcionário. Não há nomes, não há espetáculo, não há selfie de gabinete. Há um fato incômodo: uma arma pública desapareceu onde a segurança deveria ser inegociável.

O episódio reacende a pergunta que sempre persegue Tamandaré e que policiais veteranos, em conversas reservadas, repetem como sentença: aqui o crime costuma ter quem o acoberte. Cidade de cerca de 120 mil habitantes colada a Curitiba, Tamandaré vive o paradoxo de ser grande demais para ser invisível e pequena demais para escapar das panelas de influência. Quando uma arma some dentro de uma instituição armada, o problema deixa de ser apenas disciplinar e passa a ser estrutural. Quem tinha chave. Quem controlava a guarda. Quem fez a conferência. Quem avisou quem. Quem mandou silenciar. A ética só existe quando essas respostas deixam de circular apenas no sussurro.

A Guarda Municipal de Almirante Tamandaré nasceu, como todas as guardas municipais do país, sob o guarda-chuva da legislação federal que autoriza os municípios a criarem forças de proteção municipal com foco no patrimônio público e na prevenção comunitária. O Estatuto Geral das Guardas Municipais definiu funções, princípios e limites do poder de polícia municipal, estabeleceu diretrizes de formação e abriu caminho para o porte institucional nos marcos legais. Em termos práticos, a GM de Tamandaré pode executar patrulhamento preventivo em áreas municipais, apoiar outras forças em ações integradas, proteger escolas, unidades de saúde e equipamentos públicos, custodiando armas e munições de acordo com normas de controle rígidas. Não é ornamento, é instituição. E, por isso, o sumiço de uma arma não é uma falha qualquer. É quebra de confiança contra a própria ideia de guarda.

O que está em jogo é mais amplo do que a exoneração de um comissionado. É a cultura de responsabilização. Em cidades da Região Metropolitana, a ausência de trilhas documentais permite que episódios assim virem névoa: muita fala, pouca prova, nenhum relatório público. O Conselho de Ética, se quiser honrar o nome, precisa sair da sombra. Precisa registrar linha do tempo, registrar quem abriu e fechou almoxarifado, quantas armas estão no acervo, quantas passaram por manutenção, qual foi a última conferência, quem autorizou deslocamento de equipamento, quais serviços estavam de plantão, qual o inventário completo de munições. Ética que não deixa rastro não é ética, é liturgia.

A cidade merece o óbvio que sempre lhe negaram: transparência. É possível e necessário publicar boletins semanais sobre o acervo de armamento, a rotina de conferência, a cadeia de custódia, as ocorrências envolvendo servidores e as medidas adotadas. É saudável integrar a GM com Polícia Civil e Ministério Público para blindar a investigação de interferências. É inteligente instalar um comitê externo com participação de cidadãos, OAB e universidades locais para acompanhar regras de integridade. A arma que sumiu talvez não volte, mas a confiança pública pode voltar se o roteiro for respeitado.

O caso também pede perspectiva histórica. Tamandaré já conviveu com ciclos de violência e com operações policiais pontuais que prometem faxina e entregam espuma. A diferença, agora, é que o episódio nasce dentro da casa da guarda. É por isso que o teste de maturidade é maior. Se a corporação encarar o problema com severidade e método, ganha musculatura moral para cobrar dos outros o que cobra de si. Mas se a resposta vier em memorandos tímidos, punições cosméticas e discursos para consumo político, o recado aos criminosos será o de sempre: aqui dentro nada pega.

Há relatos de que o ambiente político procurou apagar rastros incômodos em redes sociais nas últimas semanas, um comportamento previsível quando a pauta deixa de ser adversário e passa a ser espelho. Não importam os vídeos que somem; importa a documentação que permanece. A população não precisa de espetáculo, precisa de auditoria. A cidade não precisa de um culpado conveniente, precisa de um processo que torne impossível o próximo sumiço.

O desfecho digno para Tamandaré inclui quatro movimentos que não dependem de pirotecnia. Primeiro, inventário público e auditável do arsenal com conferência independente e cadeia de custódia digitalizada. Segundo, responsabilização administrativa e, quando couber, criminal, com prazos e decisões publicadas. Terceiro, revisão do modelo de comissionamentos na segurança, limitando funções sensíveis a servidores concursados com formação e reciclagem compatíveis. Quarto, criação de rotina de prestação de contas à sociedade, com números de patrulhamento preventivo, proteção a escolas e equipamentos, tempo de resposta e integração com políticas sociais. Segurança é procedimento, não palanque.

Tamandaré já ouviu, por anos, que "aqui é diferente". É hora de provar que pode ser diferente para melhor. Uma guarda que guarda o que é seu, um conselho que defende o que é de todos e uma cidade que exige que a ética deixe de ser palavra e vire prática. O resto é rumor. O resto é barulho de rede social. O que vale é a resposta escrita, numerada, assinada e publicada.

Fonte: Fontes Lei 13.022 de 2014 Estatuto Geral das Guardas Municipais. Regras federais de controle de arma

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