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A Embraer, gigante da aviação brasileira, enfrenta um momento de dualidade. Por um lado, as tarifas de 10% impostas pelos Estados Unidos sobre seus aviões e peças exercem pressão sobre seus resultados financeiros. Por outro, a empresa desfruta de uma carteira de pedidos recorde, uma sólida geração de caixa e uma estrutura de capital significativamente mais enxuta do que em anos anteriores.
As tarifas americanas já impactam diretamente a Embraer. No acumulado de 2025, o impacto financeiro foi de US$ 27 milhões, com US$ 17 milhões desse total concentrados no terceiro trimestre. A aviação executiva foi a mais afetada, devido ao aumento dos custos nas peças enviadas do Brasil para a montagem de jatos nos Estados Unidos. Uma parcela menor desse impacto recaiu sobre a divisão de Serviços & Suporte, em contratos vinculados à operação americana.
A estimativa inicial da companhia era de que o impacto anual das tarifas oscilaria entre US$ 60 milhões e US$ 65 milhões. No entanto, a empresa agora acredita que o número final será consideravelmente menor, graças à otimização dos fluxos de importação, à gestão estratégica de estoques e à renegociação de contratos com clientes e fornecedores.
Durante a teleconferência com investidores, o CEO da Embraer, Francisco Gomes Neto, expressou sua preocupação com a situação, resumindo o problema em duas frentes principais: custo e competitividade.
"Essa tarifa de 10% é prejudicial em dois aspectos. Primeiro, encarece as peças que enviamos do Brasil para os Estados Unidos para montar os jatos executivos, aumentando o nosso custo e o preço final do produto. Segundo, no caso dos aviões comerciais, torna o avião mais caro para as companhias aéreas, o que pode desestimular tanto as entregas futuras quanto novos pedidos." - explicou Francisco Gomes Neto.
Gomes Neto enfatizou que a solução definitiva para o problema não virá de ajustes internos, mas sim de negociações diplomáticas. A empresa vê com otimismo as conversas em andamento para um acordo bilateral entre Brasil e EUA, semelhante aos acordos já firmados com Reino Unido, União Europeia, Japão e Indonésia, que resultaram na eliminação das tarifas sobre aviões e peças. A Embraer considera esse acordo como o caminho natural para resolver a questão.
Apesar dos desafios impostos pelas tarifas, o balanço do terceiro trimestre demonstra que a Embraer está longe de ser uma empresa estagnada. A receita líquida atingiu R$ 10,9 bilhões, um aumento de 15,8% em relação aos R$ 9,39 bilhões registrados no ano anterior, marcando um recorde histórico para o período.
O lucro operacional ajustado (EBIT ajustado) foi de R$ 927,2 milhões, com uma margem de 8,5%, em comparação com R$ 1,65 bilhão e 17,6% no 3T24. No entanto, é importante ressaltar que o resultado do ano passado foi inflacionado pelo acordo de arbitragem com a Boeing, que adicionou cerca de 9 pontos percentuais à margem.
Em uma base comparável, sem o efeito do acordo com a Boeing, a margem de 2024 teria ficado em torno de 8,7%, um valor muito próximo do nível atual e em linha com as projeções da companhia. O lucro líquido atribuível aos acionistas foi de R$ 622,6 milhões, abaixo dos R$ 991,6 milhões registrados no ano anterior. Pelo critério ajustado, o lucro líquido ajustado foi de R$ 289,4 milhões, em comparação com R$ 1,225 bilhão no mesmo período de 2024, quando o resultado foi impulsionado por itens extraordinários relacionados ao pagamento da Boeing.
Em termos de volume, a Embraer entregou 62 aeronaves no trimestre, incluindo 20 jatos comerciais, 41 executivos e um KC-390, um aumento de aproximadamente 5% em relação ao mesmo período do ano anterior. Nos primeiros nove meses do ano, tanto a aviação comercial quanto a executiva superaram o ritmo médio dos últimos cinco anos em relação às metas de entrega, indicando uma melhoria na eficiência da linha de produção.
O dado mais expressivo, no entanto, é a carteira de pedidos da Embraer. O backlog consolidado atingiu US$ 31,3 bilhões, um aumento de quase 40% em um ano, com crescimento em todas as divisões: comercial, executiva, defesa e serviços. Esse resultado reflete anúncios importantes, como o pedido de 24 E195-E2 da Latam, com mais 50 opções, com entregas a partir do segundo semestre de 2026; a entrada do E2 no mercado norte-americano com o contrato da Avelo Airlines (50 pedidos firmes e 50 direitos de compra); e a expansão da exposição a lessors com um acordo de US$ 1,8 bilhão com a TrueNoord para até 50 aeronaves.
A empresa superou os problemas na cadeia de suprimentos em 2025, garantindo a disponibilidade das peças necessárias para a montagem dos aviões, segundo o CEO. O principal desafio agora é interno: a concentração de entregas no quarto trimestre exige disciplina na fábrica para garantir o cumprimento das metas estabelecidas.
Apesar da margem de nove meses já estar dentro (e ligeiramente acima) da faixa projetada para o ano, a empresa optou por manter as metas estabelecidas: receita entre US$ 7 bilhões e US$ 7,5 bilhões, margem EBIT ajustada de 7,5% a 8,3% e fluxo de caixa livre acima de US$ 200 milhões.
Do ponto de vista do balanço, a Embraer apresenta um cenário mais confortável. A empresa vem reduzindo consistentemente sua alavancagem desde a pandemia. Excluindo os números da Eve, a relação dívida líquida/EBITDA caiu para 0,5 vez, um patamar historicamente baixo.
A Embraer aproveitou o bom momento para emitir um bond de US$ 1 bilhão com prazo de 12 anos e cupom de 5,4% ao ano, ao mesmo tempo em que recompra e resgata antecipadamente títulos com vencimentos mais curtos e custo maior, alongando o perfil e diminuindo o custo médio da dívida. Essa estratégia tem sido reconhecida pelas agências de rating: a S&P elevou a nota para "BBB", enquanto Fitch e Moody's passaram a perspectiva para positiva, mantendo "BBB-" e "Baa3", respectivamente.
Com um balanço mais leve, o debate se volta para a estrutura de capital e o retorno ao acionista. A Embraer retomou a remuneração dos sócios com juros sobre capital próprio e dividendos regulares. Em 2025, a empresa distribuiu cerca de R$ 209,7 milhões em JCP, o equivalente a R$ 0,28 por ação, e sinalizou que complementará o pagamento para cumprir o mínimo legal de 25% do lucro líquido.
No pregão desta terça-feira (4), a ação da Embraer recuava cerca de 1,15% perto das 12h, um movimento atribuído mais à falta de novidades em relação ao retorno ao acionista do que aos fundamentos operacionais da empresa. Segundo o CFO, Antonio Carlos Garcia, a empresa está reavaliando sua estrutura de capital, mas não vislumbra, por ora, espaço para dividendos adicionais. Programas de recompra de ações estão sendo considerados, mas ainda estão em discussão, sem qualquer decisão tomada.
A Embraer continua investindo para o futuro. Na área de Defesa, a campanha do KC-390 na Índia avança com a abertura de um escritório em Nova Déli e a parceria com a Mahindra. A empresa enfrenta uma concorrência acirrada contra modelos americano e francês, mas vislumbra um potencial de encomenda significativo do cargueiro.
Na área de serviços, a Embraer enxerga um importante motor de crescimento, com expansão de estruturas nos Estados Unidos e margens que devem se estabilizar em torno de 14% a 15%. A direção da Embraer também reforçou que está investindo em tecnologias híbridas de propulsão, preparando o terreno para decidir qual será o seu próximo "grande produto", o equivalente ao que foi a série E2, lançada na década passada. O projeto de um novo turboélice foi oficialmente cancelado.