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Guarapuava amanheceu sob o ronco de helicópteros e o tilintar metálico das algemas. O bairro Concórdia virou vitrine da nova ofensiva batizada de Missão Paraná III, aquela em que o Estado diz descer ao asfalto para "reforçar a presença nas comunidades" mas parece mais interessado em exibir a coreografia do poder do que em medir resultados. Desde as primeiras horas da manhã de terça-feira, policiais civis, militares e penais cumpriram quarenta e cinco mandados de busca e apreensão. Cães de faro percorreram vielas, drones e aeronaves tatearam os telhados, e o noticiário oficial celebrou o sucesso da integração entre corporações. A Secretaria de Segurança Pública vendeu o episódio como exemplo do "melhor índice de segurança dos últimos vinte anos no Paraná". O slogan foi perfeito para propaganda, mas falho para quem mora onde o helicóptero pousa e o Estado, depois, levanta voo.
No Concórdia, o enredo é conhecido e repetido: pequenos traficantes abastecem usuários, os usuários cometem furtos fora do bairro e voltam para trocar produtos roubados por entorpecentes. Uma microeconomia ilícita sustentada por receptadores que lucram sobre o desespero alheio. O delegado Alysson Henrique de Souza explicou que os objetos furtados circulavam como moeda de troca e fomentavam novos delitos. O tenente-coronel Jakson Aquiles Busnello prometeu sufocar a receptação para restaurar a ordem. O problema é que "ordem" virou um termo elástico, que cabe tanto na ponta da pistola quanto no boletim de imprensa.
A retórica oficial de integração entre as forças de segurança repete-se há décadas, sempre com novos nomes e logotipos. A Missão Paraná III sucede a Sinergia, a Paraná Seguro, a Cidade Tranquila e outros slogans que habitam os arquivos públicos. Cada uma nasce com a promessa de ser a mais eficiente da história. Cada uma desaparece quando a política de governo muda de sobrenome. O que permanece é o bairro vulnerável, as famílias que ainda dormem com medo e a desigualdade que nenhuma blitz resolve.
O discurso dos resultados precisa de lupa. Os dados divulgados pela própria Secretaria indicam queda de trinta e um por cento nos homicídios dolosos no Estado entre janeiro e agosto de 2025, redução de dezessete por cento nos roubos e índice de esclarecimento de homicídios de setenta e dois por cento o maior do Sul e Sudeste. A estatística impressiona, mas o cotidiano contradiz. Basta caminhar por Almirante Tamandaré ou por qualquer município da região metropolitana de Curitiba para encontrar o mesmo ciclo: furto, receptação, tráfico, prisão e reincidência. As curvas descem nos relatórios, mas a sensação de insegurança continua de pé.
O bairro Concórdia ilustra a distância entre repressão e política pública. A operação derrubou portas e prendeu suspeitos, mas não anunciou quantos foram detidos, quais bens foram recuperados, nem quanto dinheiro público custou a encenação. Também não apresentou plano social, educacional ou urbanístico posterior. Quando o Estado se recolher, o comércio clandestino voltará a operar, talvez em outra esquina. É o velho efeito sanfona da repressão: esmaga num ponto, infla em outro.
A grande ironia é que o governo festeja o aparato bélico enquanto a estrutura que gera o crime permanece intacta. É fácil colocar a polícia na rua; difícil é garantir escola integral, emprego formal e transporte digno. O helicóptero que sobrevoa Guarapuava poderia filmar a falta de iluminação pública, as ruas sem calçamento, a juventude sem futuro. Não filmou. Preferiu o take do policial encapuzado para o vídeo institucional.
Operações integradas são necessárias. O tráfico e a receptação não têm romantismo; são parasitas que sugam o que resta da dignidade de bairros inteiros. O erro é transformar necessidade em marketing. Missão Paraná III nasceu para reforçar a presença do Estado, mas a presença que a população precisa não é a da farda, é a do investimento contínuo. Segurança se constrói com políticas de base, não com sirene e release.
Quando a fumaça do helicóptero baixar, Guarapuava voltará à sua rotina: quem perdeu o emprego continuará sem renda, quem perdeu o filho para o vício continuará sem atendimento psicológico, e quem perdeu a fé continuará sem o Estado. As manchetes de hoje desaparecerão na próxima operação, igualmente batizada com algum nome heroico. A violência, essa, continuará anônima.
O Paraná adora estatísticas positivas. O que ele precisa aprender é que número bonito não substitui justiça social.