NUDES E PODER: O CASO QUE EXPÔS A CÂMARA DE CAMPO MAGRO E ACENDE O DEBATE SOBRE VIOLÊNCIA DIGITAL E QUEBRA DE DECORO

Exoneração, exposição e silêncio: o caso que escancara o machismo institucional na política local

Por Por Luciana Pombo - Blog da Luciana Pombo | Jornalismo que não arquiva a verdade em 03/11/2025 às 15:54:43

A cidade de Campo Magro, na região metropolitana de Curitiba, voltou aos holofotes por um motivo que nada tem de administrativo e tudo de moralmente corrosivo. Uma funcionária da Câmara Municipal teve sua intimidade violada após enviar uma foto de cunho pessoal a um colega — e ver essa imagem circular entre gabinetes como se fosse um troféu. O resultado: ela perdeu o cargo, ele também, mas quem realmente deveria responder segue, até agora, com a tranquilidade de quem se protege atrás de uma mesa pública.

De acordo com a apuração, a funcionária enviou a foto em "visualização única" pelo WhatsApp. Esse recurso impede prints e cópias diretas. Mesmo assim, um terceiro homem, segundo os relatos, teria fotografado a tela do celular no exato momento em que a imagem estava aberta. Em minutos, o registro íntimo já corria pelos bastidores da Câmara e pelos grupos de conversa da cidade. O escárnio venceu a ética.

O presidente da Câmara, Rônis Ribas Machado, negou ter visto a foto, mas admitiu que as exonerações aconteceram "logo na sequência" e que não viu justificativa para as demissões. Afirmou ainda que apenas "obedeceu pedidos" de vereadores que exigiram a saída dos dois servidores. A passividade diante da violência revela mais que omissão: mostra o quanto o poder público municipal ainda se curva ao moralismo seletivo, em que o corpo da mulher é punido e o comportamento masculino é tratado como travessura.

Enquanto isso, a Procuradoria da Mulher da Câmara afirma ter aberto procedimento interno para apurar os fatos e recolher provas. A investigação tenta identificar quem fez a cópia, quem compartilhou e quem silenciou. Mas a pergunta que ecoa nas ruas e nas redes sociais é mais profunda: por que a vítima foi demitida antes que o agressor fosse identificado? Por que o Estado — aquele mesmo que deveria protegê-la — foi o primeiro a puni-la?

O episódio não é isolado. Trata-se de mais um retrato do machismo institucional que perpassa os corredores do poder, onde a exposição de uma mulher ainda é tratada como escândalo moral, e não como crime de violação de intimidade. Pela legislação brasileira, divulgar, permitir a divulgação ou repassar imagens íntimas sem consentimento é crime previsto no artigo 218-C do Código Penal, com pena de um a cinco anos de reclusão. Além disso, a Lei 13.718/2018 tornou a "pornografia de vingança" uma forma de violência sexual. Mesmo assim, a reação da Câmara foi exoneração, não proteção.

Em Campo Magro, o episódio virou piada em rodas políticas. Mas por trás da risada nervosa está o rosto de uma mulher que confiou, acreditou na intimidade e foi traída duas vezes — primeiro por quem compartilhou sua foto, depois por quem a descartou para salvar aparências. A sociedade precisa decidir se continuará naturalizando esse tipo de violência ou se exigirá responsabilização de quem a perpetua, inclusive dentro do poder público.


A nudez, nesse caso, não foi dela. Foi do sistema, exposto em sua hipocrisia mais pura.

Fonte: Fontes - Reportagem da Ric TV (matéria de Ricardo Pereira e Luciano Chinasso, 2025) - Entrevista co

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