Greve silenciosa dos motoristas no transporte coletivo: quem perde com o caos de ônibus no Paraná?

A paralisação disfarçada expõe um sistema de transporte que já opera no limite. Entre ônibus que não chegam e trabalhadores punidos por atrasos, o Paraná revela o custo social do silêncio sobre o caos urbano.

Por Por Luciana Pombo - Blog da Luciana Pombo - Jornalismo que não arquiva a verdade em 03/11/2025 às 11:21:44
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A cidade acorda e descobre que o ônibus não chega, a baldeação virou loteria e o patrão manda mensagem perguntando do "compromisso com o horário". É a tal greve silenciosa: menos carros na rua, viagens suprimidas, atrasos em cadeia. O sistema para sem admitir que parou. E o usuário, claro, vira culpado da própria falta.

Curitiba e Região Metropolitana não estão lidando com um capricho ocasional, mas com um sistema que opera no osso e joga o custo do colapso no colo de quem depende do ônibus para trabalhar, estudar e viver. Em dia útil, a rede curitibana transporta mais de um milhão de pessoas, com algo ao redor de meio milhão de pagantes e milhares de viagens programadas. Quando parte dessa engrenagem some "discretamente", a cidade inteira perde tração, produtividade e dignidade.

O que está acontecendo
A greve silenciosa é o jeito menos transparente de paralisar: não há piquete, não há aviso, não há cronograma de atendimento mínimo. O efeito é o mesmo de uma greve explícita: supressão de viagens, redução de frota, intervalos estourados, conexões perdidas. Para o usuário, o resultado é atraso, superlotação e a sensação de que a cidade virou um jogo de sorte.

Quantas pessoas são afetadas
Pelos números oficiais mais recentes, a Rede Integrada de Transporte de Curitiba realizou, antes do choque pandêmico, mais de 1,3 milhão de embarques/dia. Em 2022, o volume médio diário voltou a superar 1,09 milhão de passageiros, com cerca de 555 mil pagantes por dia útil. Em um dia normal, a RIT realiza algo entre 11 e 14 mil viagens e percorre mais de 200 mil quilômetros. Quando uma fração disso falha, a escala do prejuízo social é óbvia: centenas de milhares de trajetos interrompidos, consultas perdidas, aulas esvaziadas, turnos atrasados, comércios murchando no horário de pico. 

Quem paga a conta no trabalho
A lei brasileira não protege o trabalhador de atrasos causados por falha de transporte de terceiros como justificativa automática. Na prática, atrasos e faltas podem ser descontados, salvo previsão em acordo coletivo, política da empresa ou reconhecimento de força maior. Para o setor público, o STF consolidou que dias parados em movimentos grevistas podem ser descontados, com compensação negociável. Na iniciativa privada, a jurisprudência é dura com atrasos não justificados. Ou seja, o usuário vira amortecedor do conflito entre empresas e trabalhadores — e paga duas vezes: no tempo e no contracheque. 

Quem ganha com a greve silenciosa
Ninguém ganha no curto prazo. O operador perde receita e imagem; o município perde produtividade e arrecadação; o trabalhador perde renda e paz; o movimento grevista perde apoio popular porque a forma do protesto esconde a causa e expõe só o transtorno. No longo prazo, porém, quem especula com desgaste de tarifa e contrato tenta empurrar reajustes e renegociações mais vantajosas. É o velho truque: quando a população já está exausta, a "solução" vira aceitar qualquer pacote de salvamento.

Por que o sistema está vulnerável
A rede opera com frota envelhecida e financiamento frágil, dependente do pagante do dia e de repasses que atrasam. A recuperação de demanda pós-pandemia foi parcial e instável, o que mantém a corda esticada entre custo técnico e tarifa pública. Enquanto se discute eletromobilidade e nova concessão, o presente segue com intervalos estourados e bilhetagem que não fecha a conta sem subsídios inteligentes. 

Legalmente, o que pode e o que não pode
Motoristas têm direito de greve, mas serviços essenciais devem garantir atendimento mínimo. Greve "silenciosa" contorna a exigência de comunicação e planejamento, deixando o usuário sem previsibilidade. Usuários podem registrar ocorrência no Procon e no Ministério Público quando houver interrupção generalizada e descumprimento de obrigações contratuais, inclusive por falta de informação tempestiva. Empresas e gestores, por sua vez, têm dever de transparência operacional e de plano de contingência.

O caos pode piorar? Do que depende
Sim, se a disputa salarial/condicional seguir sem mediação efetiva, se não houver garantia de frota mínima e se as negociações sobre reajuste, jornada e segurança continuarem a céu aberto jogadas no colo do usuário. Melhora quando: 1) há mesa de negociação com mediação do Ministério Público do Trabalho e do município; 2) se publica grade reduzida com horário real, em tempo de os usuários se organizarem; 3) se restabelece previsibilidade com reforço de viagens nas linhas de maior impacto; 4) se comunica em tempo real cada supressão.

O que cobrar — do poder público e das empresas
Transparência diária de viagens programadas versus realizadas, com aviso de supressões em tempo real; plano de atendimento mínimo nos picos; frota de reserva acionada com metas objetivas; compensações aos usuários em cartões transporte quando a falha for sistêmica; canais de reclamação com resposta e métricas públicas; e, do lado da política, contratos que não induzam a greve como ferramenta de barganha silenciosa.

O que fazer hoje, cidadão por cidadão
Planejar com redundância de rotas; registrar formalmente atrasos e supressões (app, foto, protocolo); guardar evidências para eventual justificativa com o empregador; organizar caronas seguras e coletivas no bairro; e cobrar do vereador e do prefeito a divulgação diária de indicadores de qualidade do serviço. Serviço público sem dado público vira palpiteiro com volante.

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