Geral Coreia do Norte

Dez anos de Kim Jong-un no poder: uma Coreia que não conhece a palavra liberdade

Por Da Redação

17/12/2021 às 20:37:31 - Atualizado há

Por André Amaral

O 17 de dezembro é uma data importante para a Coreia do Norte. Neste dia, em 2011, morreu Kim Jong-Il, passando o governo para seu filho, Kim Jong-un. De lá para cá, houve alguns acenos diplomáticos aos EUA e à Coreia do Sul e pitadas de flexibilização cultural. Mas a década, a julgar pelas poucas e invariavelmente distorcidas informações que passam pela alfândega, foi marcada por repressão estatal, culto à personalidade do líder e militarismo.

A mudança de governo não renovou os ares do hermeticamente fechado país, do qual a dinastia Kim está à frente há mais de 40 anos. Desde antes do nascimento do atual chefe, um jovem de 37 anos que, ao que tudo indica, não goza de boa saúde. Fumante inveterado – apesar de uma campanha antitabagismo em vigor no país – diabético, hipertenso e acima do peso, ele é alvo frequente de rumores sobre seu estado de saúde.

Saudável ou não, nesse período, Kim Jong-un foi bastante produtivo: expandiu a vigilância invasiva imposta aos norte-coreanos, fortaleceu as amarras que impedem a população de caminhar pelo próprio país e de ultrapassar suas fronteiras e, diante de uma grave escassez de alimentos, potencializada pela pandemia de Covid-19, lançou um plano nacional de combate à fome sem precedentes: foi buscar na criação de cisnes negros uma solução para o abastecimento de carne da população. Nem seu valoroso exército escapou da desnutrição.

O líder supremo da Coreia do Norte, kim Jong-un, em escola militar de Pyongyang, junho de 2014 (Foto: Divulgação/Prachatai)

Falando em forças de segurança, desde 2011 Kim vem reorganizando as estruturas do exército e do Partido dos Trabalhadores da Coreia, acelerando o desenvolvimento das capacidades nucleares e superando a prova de fogo da sobrevivência do regime, dizem especialistas. Fatores que logo trataram de afastar para bem longe qualquer dúvida sobre a capacidade do jovem ditador de manter a estabilidade do regime repressor.

Segundo o jornalista Tiago Maranhão, autor do livro "Oito Dias na Coreia do Norte: Os bastidores de um jornalista em viagem pelo país mais fechado do mundo" (Amazon), obra que relata a experiência vivida por ele em 2014, o despotismo local é algo tão entranhado que os cidadãos parecem não entender o que seria uma vida sem o controle do governo. Segundo ele, é difícil apontar se a ditadura traz ao norte-coreano um sentimento de segurança, de bem-estar social, de pertencer a um ideal de nação. Ou se, ao contrário, a população em geral tem um grito de socorro preso na garganta.

“Impossível saber se existe uma ânsia interna por rebelião, se existe um desejo latente de protestar”, relata Maranhão. “A maioria da população sequer conhece uma alternativa ao sistema que vivem. Sem informações do exterior, não existe comparação. A propaganda é uma máquina onipresente e eficiente”.

O jornalista também não vê mudanças significativas desde a libertação da Coreia do Norte do domínio colonial do Japão, após o final da Segunda Guerra Mundial, em 1948, que elevou Kim Il-sung à posição de líder do país. O projeto ditatorial permaneceu após sua morte, em 1994, com Kim Jong-il assumindo o poder por 17 anos até sucumbir a um ataque cardíaco em 2011. E, hoje, Kim Jong-un dá sequência a um regime que nunca foi diferente.

“É uma ditadura longeva, estabelecida e que não teve nenhuma mudança significativa mesmo com as três mudanças no poder na ditadura hereditária. As regras são as mesmas”, observa.

Culto à personalidade: crianças se alinham em frente a um mural em Pyongyang (Foto: Thomas Evans/Unsplash)

O culto à personalidade do líder, segundo Maranhão, tem ares quase religiosos. “Sobre a popularidade dos líderes, todos com quem conversei se referiam a eles como quem se refere a uma divindade. Porém, só falei com os guias e entrevistados escolhidos pelos guias”, recorda o jornalista, acrescentando que o contato com os cidadãos comuns passa pelo crivo das autoridades. “Não tive acesso a pessoas aleatórias pelas ruas. Na praia que visitei, por exemplo, fiquei em uma área reservada, separada do restante das pessoas por uma cerca alta”.

A maior parte da estada de Maranhão ocorreu na capital, Pyongyang, que alguns visitantes ocidentais retratam como uma cidade “cenográfica”, destinada à elite militar e da ciência (principalmente cientistas envolvidos com pesquisas relacionadas a reatores nucleares), com bela arquitetura, limpeza e tráfego organizado. Uma realidade diferente da simplicidade do interior que, dizem os críticos, Kim Jong-un quer esconder.

“Saí da capital pelas duas principais estradas do país. Não passei por nenhum outro centro urbano. Visitei o litoral, era uma cidade mais simples, construções baixas, movimento nas ruas principalmente de pessoas a pé. E fui para a montanha, não era uma cidade, era um resort. Mas sabe-se que morar em Pyongyang é um privilégio, por conta da estrutura da cidade, muito mais urbana e bem abastecida que o restante do país, inclusive por energia elétrica e saneamento básico”.

Um trem movimentado na estação de metrô de Kaeson, Pyongyang (Foto: Thomas Evans/Unsplash)

Além das diferenças sociais, os norte-coreanos também sofrem com o distanciamento cultural de outras nações, já que, para o autoritário líder, a cultura pop dos vizinhos do sul, como o K-pop, “corrompe as mentes”.

“Acho que isso mostra o quanto essa é uma ditadura sem comparação na história recente. No Brasil, mesmo no auge das restrições impostas, pessoas viajavam para o exterior, estrangeiros visitavam o país, se ouvia música de outros lugares, filmes americanos e europeus passavam nos cinemas, ainda que alguns fossem censurados e outros demorassem muitos meses para chegar aqui. Aquela já era uma situação absolutamente terrível. Ainda assim, essas são situações impensáveis na Coreia do Norte”, retrata o jornalista.

Uma nação ambígua

Como sugere o título do livro do jornalista, a Coreia do Norte é um lugar tão vedado que quase não se vê nada entre suas frestas, o que requer uma dose de desconfiança sobre as informações que vêm de lá.

“É importante receber com certo ceticismo notícias que chegam da Coreia do Norte, tanto as positivas quanto as negativas. Raramente é possível verificar o quanto de precisão existe e o quanto de especulação e interpretação”, pondera, acrescentando um dado interessante sobre a segurança pública: “é possível dizer que não existem crimes como assaltos”.

Jovens estudantes saindo da escola na cidade de Pyoksong (Foto: J-pics/Flickr)

Ele também salienta que nada do que ocorre naquela nação insular é uma escolha da população, que, apesar da repressão, é formada por pessoas que provam das mesmas belezas e mazelas da experiência humana.

“Não houve um plebiscito após a Segunda Guerra, não existe (que se saiba) pesquisas de opinião da população sobre o regime. As pessoas que estão lá vivem problemas que são comuns a todos, elas se preocupam em proteger os filhos, em ter comida na mesa o mês inteiro. Pessoas que se apaixonam, sofrem desilusões amorosas, têm sonhos e anseios”.

Morre Kim Yong Ju, irmão do fundador do país

A mídia estatal norte-coreana comunicou nesta quarta-feira (15) a morte de Kim Yong Ju, o irmão mais novo do fundador da Coreia do Norte, Kim Il Sung. Segundo a ABC News, não se sabe qual a data do falecimento da liderança, ocorrido aos 101 anos de idade.

Durante o governo de Kim Il Sung, muitos especialistas externos viam Kim Yong Ju como o segundo oficial mais poderoso do Norte, cotado como o sucessor de seu irmão. Ele ocupou vários cargos importantes, entre eles o de diretor do departamento de organização e orientação e também como membro do Politburo (comitê executivo dos partidos comunistas), ambos no Partido dos Trabalhadores. Em 1972, ele representou a Coreia do Norte na assinatura de um acordo de paz histórico com a Coreia do Sul, o primeiro grande comunicado conjunto dos rivais sobre a unificação.

O líder norte-coreano Kim Jong-un expressou “profundas condolências” pela morte, informou a Agência Central de Notícias, órgão oficial do governo.

“Kim Yong Ju lutou devotadamente para implementar as linhas e políticas do Partido (dos Trabalhadores) e contribuiu para acelerar a construção socialista e desenvolver o sistema social estatal de estilo coreano, enquanto trabalhava em cargos importantes do partido e do Estado por muitos anos”, disse nota da KCNA, a Agência Central de Notícias da Coreia.

Fonte: A Referência
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